sexta-feira, 6 de março de 2009

6 - JACQUES COPEAU - MANIFESTOS TEATRAIS DOS VELHOS NOBRES


Aos atores
Jacques Copeau

"Tenho uma elevada idéia do talento de um grande ator, escreveu Diderot com melancolia, esse homem é raro..."


Tanto mais raro, com efeito - e tanto maior quando surge - pelo fato de o ofício que ele exerce ameaçar tanto a pessoa humana, sua integridade, sua elevação.

Shakespeare disse (Hamlet, ato II, cena II) que a natureza do ator vai contra a natureza, que ela é horrível e ao mesmo tempo admirável. Ele o disse em uma só palavra: Monstrous.

O que é horrível, no ator, não é uma mentira, pois ele não mente. Não é um engodo, pois ele não engana. Não é uma hipocrisia, pois ele aplica sua monstruosa sinceridade em ser aquilo que ele não é, e não em exprimir o que ele não sente, mas em sentir o imaginário.

O que perturba o filósofo Hamlet, da mesma forma que suas outras aparições dos infernos, é, em um ser humano, o desvio das faculdades naturais para um uso fantástico.

O ator expõe-se a perder sua face e a perder sua alma. Ele as encontra falseadas, ou não as encontra mais, no momento em que necessita delas para retornar a si mesmo. Seus traços não são recuperados, seu jeito e seu verbo permanecem excessivamente desligados, destacados, como que separados da alma. A própria alma, com muita freqüência alterada pela representação, excessivamente arrebatada, excessivamente ferida pelas paixões imaginárias, contraída pelos hábitos artificiais, pisa em falso sobre o real. Toda a pessoa do ator guarda, neste mundo humano, os estigmas de um estranho comércio. Ele tem o ar, quando retorna ao nosso meio, de quem saiu de um outro mundo.

A profissão do ator tende a desnaturá-lo. Ela é conseqüência de um instinto que leva o homem a desertar para viver sob as aparências. É portanto uma profissão que os homens desprezam. Consideram-na perigosa. Tacham-na de imoralidade, e condenam-na por seu mistério. Essa atitude farisaica, que não foi eliminada pelas mais extremas tolerâncias sociais, reflete uma idéia profunda. É que o ator faz uma coisa proibida: ele representa sua humanidade e brinca com ela. Seus sentidos e sua razão, seu corpo e sua alma imortal não lhe foram dados para que os utilize assim, como um instrumento, forçando-os e desviando-os em todos os sentidos.

Se o ator é um artista, ele é de todos os artistas o que em maior grau sacrifica sua pessoa ao ministério que exerce. Ele não pode dar nada se não se dá a si mesmo, não em efígie, mas de corpo e alma, e sem intermediário. Tanto sujeito quanto objeto, causa e fim, matéria e instrumento, sua criação é ele mesmo.

É aí que habita o mistério: que um ser humano possa pensar e tratar a si mesmo como matéria de sua arte, agir sobre si mesmo como sobre um instrumento ao qual ele deve identificar-se sem deixar de distinguir-se, agir e ser o que age ao mesmo tempo, homem natural e marionete...

... Há alguma coisa no ator que depende daquilo que ele é, que atesta sua autenticidade, que se nos impõe por sua maneira, sem fraude possível, e desde que ele surge em cena, antes que tenha aberto a boca, por sua simples presença. É essa alguma coisa que, em nosso tempo, distinguia entre todas uma atriz como a Duse. É uma qualidade da natureza, que a arte pode servir para iluminar, mas que não poderia imitar...

Que o ator nem sempre sinta o que representa, que ele represente o texto sem representar a personagem nem a situação, que ele consiga representar sem erro aparente, ou seja, mais ou menos justa e corretamente, mesmo que não seja tocado - isto é verdade. É seu fracasso. É a tendência que seguem os preguiçosos e os medíocres. É o martírio a que os melhores expõem-se todos os dias, pois nenhum deles jamais sabe se não sentir-se-á subitamente devastado pela secura em um desses horríveis momentos em que ele se ouve falando, em que se vê representar, em que julga a si mesmo e, quanto mais se julga, mais se evade.

Diderot dirá que "ele está comovido sem nada sentir".

Se ele está visivelmente "comovido" é com efeito porque ele não sentia nada. Ele estava por sentir.

A idéia de uma sensibilidade que possui a si mesma, de uma espontaneidade que se busca, de uma sinceridade que se trabalha provoca facilmente o sorriso. Que não se sorria depressa demais. Que se reflita antes sobre a natureza de um ofício em que há tanta matéria a trabalhar. A luta do escultor com a argila que modela não é nada, se a comparamos com as resistências que opõem ao ator seu corpo, seu sangue, seus membros, sua boca e todos os seus órgãos.

Imagino um ator diante do texto de um papel que ele ama e compreende, cujo caráter convém à sua natureza, cujo estilo adapta-se aos seus meios. Ele sorri de satisfação. Esse papel, ele o decifra sem esforço. A primeira leitura que faz surpreende por sua justeza. Tudo é magistralmente indicado, não somente na intenção geral, mas até nas pequenas nuances. E o autor alegra-se por ter encontrado o intérprete ideal que vai levar sua obra às nuvens: "Espere, diz-lhe o ator, ainda não o sou." é que ele não se engana com essa primeira tomada de posse em que apenas o espírito fez sua parte.

Eis que ele se põe a trabalhar. Repete o texto à meia-voz, com precaução, como se temesse espantar alguma coisa dentro de si mesmo. Essas repetições confidenciais ainda guardam a qualidade da leitura. As nuances da emoção ainda são perceptíveis para alguns auditores privilegiados. O ator, agora, possui seu papel, de memória. É o momento em que começa a possuir um pouco menos sua personagem. Ele vê o que deve ser feito. Compõe e desenvolve. Realiza os encadeamentos, as transições. Racionaliza seus movimentos, classifica seus gestos, conserta suas entonações. Olha-se e ouve-se. Destaca-se. Julga-se. Parece não dar nada de si mesmo. Por vezes interrompe-se em seu trabalho para dizer: não sinto isto. Propõe, freqüentemente com razão, uma modificação no texto, uma inversão na frase, um retoque na encenação que lhe permitiria, acredita, sentir melhor. Procura meios de colocar-se em situação, em estado de sentir: um ponto de partida, que por vezes estará na mímica, ou no diapasão da voz, em uma descontração particular, em uma simples respiração... Esforça-se por encontrar uma harmonia. Arma suas redes. Organiza a captura de alguma coisa que compreendeu e pressentiu há muito tempo, mas que lhe permanece exterior, que ainda não entrou nele, não alojou-se nele... Escuta com um ouvido distraído as indicações essenciais que lhe são dadas, do proscênio, sobre as emoções da personagem, seus móveis, todo seu mecanismo psicológico. E entretanto sua atenção parece absorvida por detalhes irrisórios.

É então que o autor, com uma polidez excessiva, pega pelo braço seu ilustre intérprete e diz-lhe ao ouvido: "Mas, caro amigo, por que não mantém o que fez no primeiro dia? Estava perfeito. Seja você mesmo."

O ator não é mais ele mesmo. E ainda não é "o outro". O que fez no primeiro dia escapa-lhe à medida em que se põe na situação de representar seu papel. Precisou renunciar ao frescor, ao natural, às nuances, e a todo o prazer que lhe causava sua animação, para realizar o trabalho difícil, ingrato, minucioso que consiste em fazer sair de uma realidade literária e psicológica uma realidade de teatro. Precisou ordenar, dominar, assimilar todos os procedimentos de metamorfose que são ao mesmo tempo aquilo que o separa de seu papel e aquilo que a ele o conduz. É somente quando tiver realizado esse estudo de si mesmo em relação à personagem dada, articulado todos os seus meios, exercido todo seu ser em servir às idéias que formou e aos sentimentos para os quais prepara o caminho em seu corpo, em seus nervos, em seu espírito, até a profundeza de seu corpo, é então que reaver-se-á, transformado, e que tentará doar-se.

Enfim o ator preenche seu papel. Não encontra nada de fútil nem de artificial. Poderia vivê-lo sem palavras. Confronta sua sinceridade com esse belo "silêncio interior" de que falava Eleonora Duse.

Eis o homem exposto no teatro, oferecido em espetáculo, posto em julgamento. Ele entra em um outro mundo. Assume essa responsabilidade. Sacrifica-lhe todo um mundo real: inquietação, mal-estar, pesar, sofrimento - ou antes, é libertado dele. Mas a atitude de seus comparsas em cena, uma reação da sala, uma desordem nos bastidores, o brilho de um refletor, a dobra de um tapete, um erro da administração, um esquecimento de acessórios, um acidente no figurino, uma falha da memória, um lapso da boca, uma queda passageira de sua força vital - tudo o ameaça, tudo está contra ele que, sozinho, tem que tudo dominar; tudo pode a cada instante interpor-se entre sua sinceridade, que nada poderia forçar quando se esquiva, e o jogo que ele tem que jogar seja lá como for. Tudo pode despojá-lo do que ele pensava ter dominado através de um longo trabalho, separá-lo da personagem que havia composto de sua substância mas que pode sofrer, como esta, alterações profundas e repentinas.

A cortina sobe e o surpreende... seu primeiro ataque se dá um pouco involuntariamente... ei-lo desunido. Eu o vejo torcer a ponta de sua gravata. Deixa um instante de sentir. Bate em retirada. Procura um ponto de apoio. Respira profundamente. Creio que vai se recuperar, porque conhece seu ofício. Você me diz que a perturbação em que o colocaram esses fúteis incidentes prova que ele não sentia nada. Eu acredito que quanto mais um ator é sensível, mais está sujeito a essas vertigens. Mas ele vai voltar a sentir... porque conhece seu ofício.

Suponhamos que não tenha deixado de sentir. Ele atinge sua plenitude. Mas essa própria plenitude, ele precisa medi-la. Ele possui uma medida da sinceridade, como possui uma da técnica. Dir-se-á que o ator não sente nada porque sabe servir-se de sua emoção? Que as lágrimas que correm e esses soluços são vãos porque só estrangulam por um instante a voz do intérprete e não alteram quase nada sua dicção? Não seria antes de admirar, renunciando absolutamente a compreendê-lo, esse admirável instinto, esse dom de natureza e de razão que, há pouco, colocava o ator desconcertado na rota de sua sensibilidade e que agora impede sua emoção de descompor o jogo dramático? Um tal jogo exige uma cabeça "de ferro", como disse Diderot, mas não "de gelo", como ele escreveu antes. Também são necessários nervos flexíveis e resistentes, e operações interiores muito rápidas e muito delicadas.

Contestar ao ator a sensibilidade, por causa de sua presença de espírito, é recusá-la a todo artista que observa as leis de sua arte e não permite jamais que o tumulto das emoções paralise sua alma. O artista reina, com um coração tranqüilo, sobre a desordem de seu ateliê e de seus materiais. Quanto mais a emoção aflui nele e o agita, mais seu cérebro torna-se lúcido. Essa frieza e esse estremecimento são compatíveis, como na febre e na embriaguez.

... "abarcar toda a extensão de um grande papel, dispor nele os claros e escuros, os suaves e os fracos, mostrar-se igual nas passagens tranqüilas e nas passagens agitadas, ser vário nos detalhes, harmonioso e uno no conjunto, e formar em si mesmo um sistema elevado de declamação... É obra de uma cabeça fria, de um profundo julgamento, de um gosto delicado, de um estudo penoso, de uma longa experiência e de uma tenacidade de memória pouco comum." Diderot tem razão: "tudo foi medido, combinado, apreendido, ordenado" na cabeça do ator. Mas se a sua representação não for mais que a expressão de sua maestria e como que a exposição de um excelente método, ou bem ele descansa na rotina ou bem dissipa-se nos jogos da virtuosidade. O absurdo do "paradoxo" é opor os procedimentos do ofício à liberdade do sentimento e negar, no artista, sua coexistência e simultaniedade.

Para o ator, doar-se é tudo. E para doar-se, é preciso antes possuir-se. Nosso ofício, com a disciplina que supõe, com os reflexos que fixou e comanda, é a própria trama de nossa arte, com a liberdade que exige e as iluminações que encontra. A expressão emotiva surge da expressão justa. A técnica não só não exclui a sensibilidade, mas a autoriza e liberta. É seu suporte e sua salvaguarda. É graças ao ofício que podemos abandonar-nos, pois é graças a ele que saberemos reencontrar-nos. O estudo e observância dos princípios, um mecanismo infalível, uma memória segura, uma dicção obediente, a respiração regular e os nervos relaxados, a liberdade da cabeça e do estômago proporcionam-nos uma segurança que nos inspira a audácia. A constância nas entonações, nas posições e nos movimentos preserva o frescor, a clareza, a diversidade, a invenção, a igualdade, a renovação. Permite-nos improvisar.

Não é monstruoso que esse ator, em uma ficção, em um sonho de paixão, possa forçar sua alma a sofrer com o seu próprio pensamento a ponto de empalidecer-lhe a face; lágrimas em seus olhos, o aspecto conturbado, a voz entrecortada, e todo os seus gestos adaptando-se em formas à concepção de seu espírito? E tudo isso por nada! Por Hécuba? Quem é Hécuba para ele ou ele para Hécuba, para que a chore?

Hamlet, ato II, cena II.

Shakespeare descreve como ator a tentativa do homem que agita-se ao fazer viver uma personagem inventada... Interpretar é antes de tudo insinuar-se no conhecimento da coisa a representar. É formar um conceito. É em seguida ter o poder de fazer entrar à força sua própria alma nesse conceito: force his soul... to his own conceit. A inteligência, iluminada pela experiência e pelo raciocínio, constrói idéias coerentes e variadas. A sensibilidade as anima e aquece. No interior e nos limites de uma concepção, a alma trabalha-se, e desse trabalho decorre a operação misteriosa, precária, submetida a toda espécie de circunstâncias e de particularidades, que vai revestir com uma exatidão cada vez maior a idéia - o que Diderot denomina: um fantasma - de formas necessárias, de signos tangíveis nos quais o espectador reconhecerá a natureza daquilo que se passa dentro do ator suiting with forms to his conceit... À medida que os signos afirmam-se, em precisão, em acento, em profundidade, à medida que tomam posse do corpo e de seus hábitos, eles estimulam por seu turno os sentimentos interiores que com uma realidade cada vez maior instalam-se na alma do ator, preenchem-na, suplantam-na. É nesse grau do trabalho que germina, amadurece e desenvolve-se uma sinceridade, uma espontaneidade conquistada, adquirida, da qual se pode dizer que age como uma segunda natureza, que inspira por seu lado as reações físicas e dá-lhes a autoridade, a eloqüência, o natural e a liberdade.

[...] E tudo isso por nada! Por Hécuba? Quem é Hécuba para ele ou ele para Hécuba, para que a chore?

Onde reside o segredo de uma imaginação que coloca o ator em pé de igualdade com os tormentos do príncipe Hamlet ou com as desgraças de édipo, incesto e parricídio?

A esta questão pode-se dar uma resposta. É a de Goethe: "Se eu, disse ele, já não carregasse o mundo em mim por pressentimento, com os olhos abertos permaneceria cego."

1928. (1)

É também natural que o ator, às vezes, entreabrindo a cortina e retirando sua máscara, goste de dirigir-se a seu público para dizer-lhe:

Eis-me aqui como eu sou, um ser humano como vocês. Não estou fora da sociedade. E nosso mundo do teatro, não pensem que seja unicamente esse império artificial cujo espetáculo lhes dá repouso das misérias do seu próprio mundo, esse lugar de festa perpétua, de bem-estar e de facilidade, no qual basta aportar para ser liberado das preocupações e por assim dizer descarregado do peso de nossa condição humana. Nossa vida é dura, implacável e devoradora.

É verdade, por um milagre mais ou menos inexplicável, o jogo teatral às vezes liberta-nos de nós mesmos, faz desaparecerem por algum tempo nossas mais cruéis preocupações e até nossa enfermidades físicas.

Mas é igualmente verdade que esse terrível jogo de nossa profissão seria o mais vil de todos se chegasse a deformar-nos, a desnaturar-nos de tal forma que o homem ordinário, o homem humano, o homem sincero, o homem do mundo ou o homem de um ofício possa dizer de nós, com desconfiança e com um certo desprezo: ah! é um ator!

Libertar o ator de seu fingimento e arrancá-lo de sua especialização degradante, entregá-lo ao mundo, à vida, à cultura, à grande simplicidade humana, fazer dele um homem entre os homens, que seu público ao aplaudi-lo não deixe de estimá-lo e que seja amado ao ser admirado, elevar a profissão de ator - como o fez Molière em seu tempo e como o fez na Rússia o grande Stanislavski - do descrédito bem merecido pelos falsos artistas, recolocá-lo no mais nobre dos planos, dar enfim ao teatro sua dignidade de grande arte e, permitam-se acrescentar, sua missão religiosa que é a de religar entre si os homens de toda espécie, de toda classe, eu ia dizer - e devo dizê-lo aqui - de toda nação, eis o que vem sendo buscado no Vieux Colombier faz dez anos.

1923. (
2)

A cena é o instrumento do criador dramático.

Ela é o lugar do drama, não o dos cenários e das máquinas.

Ela pertence aos atores, não aos maquinistas e aos pintores.

Ela deve estar sempre pronta para o ator e para a ação.

As reformas que realizamos, as que ainda realizaremos tendem e resumem-se a isto: pôr um instrumento nas mãos do criador dramático, criar para ele uma cena livre, que ele possa usar livremente, diretamente, com um mínimo de intermediários.

Atualmente, é rigorosamente verdadeiro dizer que o criador dramático é um intruso no teatro, que tudo se opõe à sua concepção, ao seu esforço, à sua própria existência. Ali onde ele é escravo, é necessário que seja o mestre. Pois ele é o único mestre. E, sem ele, o teatro está hoje sem mestre.

1940. (
3)

1. Excertos das "Reflexões de um ator sobre o Paradoxo de Diderot" (ed. Plon, 1928).
2. Excerto de um "Discurso ao Público" de J. Copeau, Genebra, 1923. Idem, ibidem.
3. Anotação datada de 1940. Idem, ibidem.


In Registres I - Appels, éditions Gallimard, Paris, 1974, pág. 205-215. Tradução de Roberto Mallet.

quinta-feira, 5 de março de 2009

6 - BERTOLD BRECHT - VIDA E OBRA DOS VELHOS NOBRES


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Bertolt Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 — Berlim, 14 de Agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido pelas apresentações de sua companhia o Berliner Ensemble realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955.
Ao final dos anos 1920 Brecht torna-se marxista, vivendo o intenso período das mobilizações da República de Weimar, desenvolvendo o seu 'teatro épico', que, de certa forma, sintetizava os experimentos políticos na Alemanha de
Erwin Piscator e do russo Vsevolod Emilevitch Meyerhold, influenciado pelo teatro experimental da Rússia soviética, entre os anos 1917-1926. Explorava assim Brecht o teatro como um fórum de discussões das complicadas relações humanas dentro do sistema capitalista, criando sua versão de um drama épico, na perspectiva de uma estética marxista.

Biografia
Nascido Eugen Berthold Friedrich Brecht na Baviera, Brecht estudou Medicina e trabalhou como enfermeiro num hospital em Munique durante a Primeira Guerra Mundial. Filho da burguesia, sofreu, como todos em seu país, a sensação de desolamento de encarar um país completamente destruído pela guerra.
Depois da guerra mudou-se para Berlim, onde o influente crítico, Herbert Ihering, chamou-lhe a atenção para a apetência do público pelo teatro moderno. Já em Munique, as suas primeiras peças (Baal (1918/1926) "Tambores na Noite" Trommeln in der Nacht(1918-1920) ) foram levadas ao palco e Brecht conheceu Erich Engel com quem veio a trabalhar até ao fim da sua vida. Em Berlim, a peça Im Dickicht der Städte, protagonizado por Fritz Kortner e dirigido por Engel, tornou-se o seu primeiro sucesso.
O totalitarismo afirmava-se como a força renovadora que não só iria reerguer o país, como se outorgava a missão de reviver o Sacro Império Romano-Germânico. Mas, ao mesmo tempo, chegavam à Alemanha influências da recém formada União Soviética. É a este último grupo que Brecht vai se unir, na ânsia de debelar o seu desespero existencial. No entanto, depois de Hitler eleito em 1933 Brecht não estava totalmente seguro na Alemanha Nazista, exilando-se na Áustria, Suíça, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Inglaterra, Rússia e finalmente nos Estados Unidos. Recebeu o Prêmio Lênin da Paz em 1954.

Obra
As suas principais influências foram Constantin Stanislavski, Vsevolod Emilevitch Meyerhold e Erwin Piscator.
Algumas de suas principais obras são: Um Homem É um Homem, em que cresce a idéia do homem como um ser transformável, Mãe Coragem e Seus Filhos, sobre a Guerra dos Trinta Anos, escrita no exílio no começo da Segunda Guerra Mundial, e A Vida de Galileu, drama biográfico com o qual Brecht encontra definitivamente o caminho do teatro dialético. Afirma Bernard Dort a respeito deste último:

... Galileu foi escrita, pelo menos originalmente, para servir de exemplo e de conselho aos sábios alemães tentados a abdicar seu saber nas mãos dos chefes nazistas.

Além dessas, escreveu Seu Puntila e seu Criado Matti, A Resistível Ascenção de Arturo Ui, O Círculo de Giz Caucasiano, A Boa Alma de Setzuan e A Ópera dos Três Vinténs.

"Bertolt Brecht". Escultura de bronze, por Fritz Cremer. Praça Bertolt Brecht, em Berlim

Teatro Épico
Além de dramaturgo e diretor, Brecht foi responsável por aprofundar o método de interpretação do teatro épico, uma das grandes teorias de interpretação do século xx. Uma das grandes influências no desenvolvimento desta forma de interpretação foi a arte do ator Mei Lan-Fang, que Brecht acompanhou numa representação em Moscou. Descreve Brecht em Escritos sobre Teatro um relato deste ator chinês que informa muito sobre a forma de interpretação no teatro épico, ao representar papéis femininos. Mei Lan-Fang repetira várias vezes numa palestra, por seu tradutor, que ele representava personagens femininos em cena, mas que não era imitador de mulheres ". Continua Brecht, descrevendo uma demonstração das técnicas deste ator num encontro, que este ator, de terno, executava certos movimentos femininos, ressaltando sempre a presença de duas personagens, um que apresentava e outro que era apresentado. Brecht sublinha que o ator chinês não pretendia andar e chorar como uma mulher, mas como uma determinada mulher (pg40, vol2).

Interpretação épica
No início de sua carreira Brecht estabelece os elementos de uma nova forma de interpretação para o ator. Em, a propósito dos critérios de apreciação da arte dramática, defende o ator Peter Lore de críticas negativas dizendo que uma interpretação gestual levará o público a exercer uma operação crítica do comportamento humano. Afirma que cada palavra deve encontrar um significado visual e através do gesto o espectador pode compreender as alternativas da cena (Peixoto, 1974, 2. edicão, pg; 68).
Peixoto descreve que para Brecht a interpretação gestual deve muito ao cinema mudo, principalmente a Chaplin, que elaborara uma nova forma de figuração do pensamento humano (Peixoto, 1974, 2. edicão, pg; 68). Esta preocupação levará a que Brecht defina o conceito de gestus na interpretação e montagem de suas peças.

Influências
Conforme destaca Jameson, algumas das inovações propostas pela cena brechtiana são similares àquelas propostas por importantes artistas modernistas no teatro ou em outras artes. Destacam-se entre eles a dramaturgia de Frank Wedekind, influência reconhecida pelo próprio Brecht, o romance Ulysses de James Joyce, as propostas cubo-futuristas ou construtivistas no cinema de Sergei Eisenstein, os procedimentos de colagem nos trabalhos de Picasso.
Willet reforça o aspecto da construção narrativa: Com Brecht os mesmos princípios de montagem espalham-se ao teatro pois a forma narrativa do teatro épico seria mais adequada para se lidar com temas sócio-econômicos, evidenciando Willet que a montagem foi a técnica estrutural mais natural na prática artística brechtiana(1978, 110).

Referências
Bertolt Brecht. Escritos sobre Teatro. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión. 3 vols. 1970, 1973, 1976.
John Willet. O Teatro de Brecht. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
Fernando Peixoto. Brecht Vida e Obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. 2a. Edição.
Silvana Garcia. As Trombetas de Jericó. Tese de doutorado. Eca/USP. 1997.

Livros e artigos
artigo de Eduardo Luiz Viveiros de Freitas em Dossiê Brecht - Brecht. Teatro, estética e política 2005
Anatol Rosenfeld. O Teatro Épico. SP: Editôra Perspectiva, 1985.
Bertolt Brecht. Escritos sobre Teatro. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión. 3 vols. 1970, 1973, 1976.
Gerd Bornheim. Brecht a Estética do Teatro. Rio de Janeiro: Graal, 1992.

Poemas


BLOG BRECHT POÉTICO DA INSURRETA MARÍLIA TORO
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Peças de teatro
Entradas com nome da tradução ao português (quando houver), título original, ano da escrita / ano da produção.
Baal (Baal) 1918/1923
Tambores na Noite (Trommeln in der Nacht) 1918-20/1922
Os mendigos (Der Bettler oder Der tote Hund) 1919/?
O Casamento do Pequeno Burgues (Die Kleinbürgerhochzeit) 1919/1926
(Er treibt einen Teufel aus) 1919/?
Lux in Tenebris (Lux in Tenebris) 1919/?
(Der Fischzug) 1919?/?
(Mysterien eines Friseursalons) (roteiro para cinema) 1923
Na Selva das Cidades (Im Dickicht der Städte) 1921-24/1923
A Vida de Edward II da Inglaterra (Leben Eduards des Zweiten von England) 1924/1924
(Der Untergang des Egoisten Johnann Fatzer) (fragmentos) 1926-30/1974
O Homem é um Homem (Mann ist Mann) 1924-26/1926
O Elefante Calf (Das Elefantenkalb) 1924-6/1926
Mahagonny (Mahagonny-Songspiel) 1927/1927
A Ópera dos Três Vintêns (Die Dreigroschenoper) 1928/1928
O Vôo no Oceano (Der Ozeanflug; originally Lindbergh's Flight [(Lindberghflug]) 1928-29/1929
A Peça de Baden-Baden (Badener Lehrstück vom Einverständnis) 1929/1929
Happy End (Happy End) 1929/1929
Ascenção e Queda da Cidade de Mahagonny (Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny) 1927-29/1930
Aquele que diz Sim, Aquele que diz Não (Der Jasager; Der Neinsager) 1929-30/1930-?
A Decisão (Die Maßnahme) 1930/1930
Santa Joana do Matadouros (Die heilige Johanna der Schlachthöfe) 1929-31/1959

Stamp from the former East Germany depicting Brecht and a scene from his Life of Galileo.
A Exceção e a Regra (Die Ausnahme und die Regel) 1930/1938
A Mãe (Die Mutter) 1930-31/1932
Kuhle Wampe (roteiro para cinema) 1931/1932
Os Sete Pecados Capitais (Die sieben Todsünden der Kleinbürger) 1933/1933
Cabeças Redondas, Cabeças Pontudas (Die Rundköpfe und die Spitzköpfe) 1931-34/1936
Horácios e Curiácios (Die Horatier und die Kuriatier) 1933-34/1958
Terror e Miséria no Terceiro Reich (Furcht und Elend des Dritten Reiches) 1935-38/1938
Os Fuzis da Senhora Carrar (Die Gewehre der Frau Carrar) 1937/1937
Galileo Galilei (Leben des Galilei) 1937-9/1943
Quanto Custa o Ferro (Was kostet das Eisen?) 1939/1939
(Dansen) 1939/?
Mãe Coragem e seus Filhos (Mutter Courage und ihre Kinder) 1938-39/1941
O Julgamento de Lucullus (Das Verhör des Lukullus) 1938-39/1940
O Sr Puntila e seu criado Matti (Herr Puntila und sein Knecht Matti) 1940/1948
The Good Person of Szechwan (Der gute Mensch von Sezuan) 1939-42/1943
A Resistível Ascensão de Arturo Ui (Der aufhaltsame Aufstieg des Arturo Ui) 1941/1958
Hangmen Also Die (roteiro cinema) 1942/1943
As Visões de Simone Machard (Die Gesichte der Simone Machard ) 1942-43/1957
Schweik na Segunda Guerra Mundial (Schweyk im Zweiten Weltkrieg) 1941-43/1957
O Círculo de Giz Caucasiano (Der kaukasische Kreidekreis) 1943-45/1948
Antígone (Die Antigone des Sophokles) 1947/1948
Os Dias da Communa (Die Tage der Commune) 1948-49/1956
The Tutor (Der Hofmeister) 1950/1950
O Julgamento de Lucullus (Die Verurteilung des Lukullus) 1938-39/1951
(Herrnburger Bericht) 1951/1951
Coriolanus (Coriolan) 1951-53/1962
O Julgamento de Joana D'Arc, 1431 (Der Prozess der Jeanne D'Arc zu Rouen, 1431) 1952/1952
Turandot (Turandot oder Der Kongreß der Weißwäscher) 1953-54/1969
Don Juan (Don Juan) 1952/1954
Trumpetes e Tambores (Pauken und Trompeten) 1955/1955

Ver também
Estranhamento
Teatro Épico
Berliner Ensemble
Helene Weigel
V-effekt
Anatol Rosenfeld
Teatro de feira
Erwin Piscator

Obras de Brecht traduzidas ao Português
Peças Teatrais(coleção). 12 volumes. BERTOLT BRECHT TEATRO COMPLETO. Ed. PAZ E TERRA (1995)
BRECHT SELECÇAO DE POESIAS, TEXTOS E TEATRO. Ed. DINOSSAURO (1999)
SETE PECADOS MORTAIS DOS PEQUENOS BURGUESES, OS. Ed. AFRONTAMENTO (1986)
CIRCULO DE GIZ CAUCASIANO, O. Ed. COSAC NAIFY (2002)
DA SEDUÇAO. Vários Autores. EDITORIAL BIZANCIO(1998)
DECLINIO DO EGOISTA JOHANN FATZER, O. Ed. COSAC NAIFY (2002)
DIARIO DE TRABALHO, 2 vols. Ed. ROCCO (2002)
ESTUDOS SOBRE TEATRO. Ed. NOVA FRONTEIRA (2005)
HISTORIAS DO SENHOR KEUNER. PREFEITURA POA (1998) EDITORA 34 (2006)
HOMEM E UM HOMEM, UM. Ed. AUTENTICA (2007)
POEMAS - BERTOLT BRECHT . Ed. CAMPO DAS LETRAS
POEMAS 1913-1956. EDITORA 34 (2003).
PROCESSO DO FILME "A OPERA DOS TRES VINTENS". Ed. CAMPO DAS LETRAS (2005)
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Biblioteca de Chicago - Brechts Werke, lista completa dos trabalhos de Brecht publicados em alemão
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quarta-feira, 4 de março de 2009

3- Murray Bookchin - ECOLOGIA E PENSAMENTO REVOLUCIONÁRIO SÉRIE COMUNIDADES ANARQUISTAS


ECOLOGIA E PENSAMENTO REVOLUCIONÁRIO
Murray Bookchin

Uma das características da Ecologia é a de não estar perfeitamente contida no nome - cunhado por Haeckel, em 1866, para indicar a "investigação da totalidade das relações do animal tanto com seu ambiente inorgânico como orgânico". No entanto, concebida de maneira ampla, a Ecologia lida com o equilíbrio da natureza. Visto que a natureza inclui o homem, esta ciência trata da harmonização da natureza e do homem. Esta abordagem, mantida em todas as suas implicações, conduz às áreas do pensamento social anarquista. Em última análise, é impossível conseguir a harmonização do homem com a natureza sem criar uma comunidade que viva em equilíbrio permanente com o seu meio ambiente.

As questões com que a Ecologia lida são permanentes: não se pode ignorá-las sem pôr em risco a sobrevivência do homem e do próprio planeta. No entanto, hoje, a ação humana altera virtualmente todos os ciclos básicos da natureza e ameaça solapar a estabilidade ambiental em todo o mundo.

As sociedades modernas, como as dos Estados Unidos e Europa, organizam-se em torno de imensos cinturões urbanos, de uma agricultura altamente industrializada e, controlando tudo, um inchado, burocratizado e anônimo aparelho de estado. Se colocarmos todas as considerações de ordem moral de lado e examinarmos a estrutura física desta sociedade, o que nos impressionará são os incríveis problemas logísticos que ela deve resolver: transporte, densidade, suprimentos, organização política e econômica e outros. O peso que tal tipo de sociedade urbanizada e centralizada acarreta sobre qualquer área ambiental é enorme.

A noção de que o homem deve dominar a natureza vem diretamente da dominação do homem pelo homem. Esta tendência, antiga de séculos, encontra seu mais exacerbado desenvolvimento no capitalismo moderno. Assim como os homens, todos os aspectos da natureza são convertidos em bens, um recurso para ser manufaturado e negociado desenfreadamente.

Do ponto de vista de Ecologia, o homem está hiper-simplificando perigosamente o seu ambiente. O processo de simplificação do ambiente, levando ao aumento do seu caráter elementar - sintético sobre o natural, inorgânico sobre o orgânico - tem tanto uma dimensão física quanto cultural. A necessidade de manipular imensas populações urbanas, densamente concentradas, leva a um declínio nos padrões cívicos e sociais. Uma concepção massificadora das relações humanas tende a se impor sobre os conceitos mais individualizados do passado.

A mesma simplificação ocorre na agricultura moderna. O cultivo deve permitir um alto grau de mecanização - não para reduzir o trabalho estafante mas para aumentar a produtividade e maximizar os investimentos. O crescimento das plantas é controlado como em uma fábrica: preparo do solo, plantio e colheitas manipulados em escala maciça, muitas vezes inadequados à ecologia local. Grandes áreas são cultivadas com uma única espécie - uma forma de agricultura que facilita não só a mecanização mas também a infestação das pragas. Por fim, os agentes químicos são usados para eliminar as pragas e doenças das plantas, maximizando a exploração do solo.

Este processo de simplificação continua na divisão regional do trabalho. Os complexos ecossistemas regionais de um continente são submersos pela organização de nações inteiras em entidades economicamente especializadas (fornecedoras de matéria-prima, zonas industriais, centros de comércio).

O homem está desfazendo o trabalho orgânico da evolução. Substituindo as relações ecológicas complexas, das quais todas as formas avançadas de vida dependem, por relações mais elementares, o homem está regredindo a biosfera a um estágio que só é capaz de manter formas simples de vida, e incapaz de manter o próprio homem.

Até recentemente, as tentativas de resolver contradições criadas pela urbanização, centralização, crescimento burocrático e estatização eram vistas como contrárias ao progresso e até reacionárias. O anarquista era olhado como um visionário cheio de nostalgia de uma aldeia camponesa ou de uma comuna medieval. O desenvolvimento histórico, no entanto, tornou virtualmente sem sentido todas as objeções ao pensamento anarquista nos dias de hoje. Os conceitos anarquistas de uma comunidade equilibrada, de uma democracia direta e interpessoal, de uma tecnologia humanística e de uma sociedade descentralizada não são apenas desejáveis, eles constituem agora as pré-condições para a sobrevivência humana. O processo de desenvolvimento social tirou-os de uma dimensão ético-subjetiva para uma dimensão objetiva.

A essência da mensagem reconstrutiva da Ecologia pode ser resumida na palavra "diversidade". Na visão ecológica, o equilíbrio e a harmonia na natureza, na sociedade e, por inferência, no comportamento, é alcançado não pela padronização mecânica, mas pelo seu oposto, a diferenciação orgânica.

Vamos considerar o princípio ecológico da diversidade no que se ele aplica à biologia e à agricultura. Alguns estudos demonstram claramente que a estabilidade é uma função da variedade e da diversidade: se o ambiente é simplificado e a variabilidade de espécies animais e vegetais diminui, as flutuações nas populações tornam-se marcantes, tendem a se descontrolar e a alcançar as proporções de uma peste.

O ambiente de um ecossistema é variado, complexo e dinâmico. As condições especiais que permitem grandes populações de uma única espécie são eventos raros. Conseguir, portanto, gerenciar adequadamente os ecossistemas deve ser o nosso objetivo.

Manipular de fato o ecossistema pressupõe uma enorme descentralização da agricultura. Onde for possível, a agricultura industrial deve ceder lugar à agricultura doméstica. Sem abandonar os ganhos da agricultura em larga escala e da mecanização, deve-se, contudo, cultivar a terra como se fosse um jardim. A descentralização é importante tanto para o desenvolvimento da agricultura quanto do agricultor. O motivo ecológico pressupõe a familiaridade do agricultor com o terreno que cultiva. Ele deve desenvolver sua sensibilidade para as possibilidades e necessidades do terreno, ao mesmo tempo que se torna parte orgânica do meio agrícola. Dificilmente poderemos alcançar este alto grau de sensibilidade e integração do agricultor sem reduzir a agricultura ao nível do indivíduo, das grandes fazendas industriais para as unidades de tamanho médio.

O mesmo raciocínio se aplica ao desenvolvimento racional dos recursos energéticos. A Revolução Industrial aumentou a quantidade de energia utilizada pelo homem, primeiro por um sistema único de energia (carvão) e mais tarde por um duplo (carvão-petróleo, ambos poluentes). No entanto, podemos aplicar os princípios ecológicos na solução do problema. Pode-se tentar restabelecer os antigos modelos regionais de uso integrado de energia baseado nos recursos locais usando um sofisticado sistema que combine a energia fornecida pelo vento, a água e o sol.

Essas alternativas em separado não podem solucionar os problemas ecológicos criados pelos combustíveis convencionais. Unidos, contudo, num padrão orgânico de energia desenvolvido a partir das potencialidades da região, elas podem satisfazer as necessidades de uma sociedade descentralizada.

Manter uma grande cidade requer imensas quantidades de carvão e petróleo. No entanto, as fontes alternativas fornecem apenas pequenas quantidades de energia para usá-las de modo efetivo, a megalópole deve ser descentralizada e dispersa. Um novo tipo de comunidade, adaptada às características e recursos da região e com todas as amenidades da civilização industrial, deve substituir os extensos cinturões urbanos atuais.

Resumindo a mensagem critica da Ecologia: a diminuição da variedade no mundo natural retira a base de sua unidade e totalidade, destruindo as forças responsáveis pelo equilíbrio e introduz uma regressão absoluta no desenvolvimento do mundo natural, a qual pode resultar num ambiente inadequado a formas avançadas de vida. Resumindo a mensagem reconstrutiva: se desejamos avançar na unidade e estabilidade do mundo natural, devemos conservar e promover a variedade.

Como aplicar estes conceitos à teoria social? Tendo-se em mente o princípio da totalidade e do equilíbrio como produto da diversidade, a primeira coisa que chama a atenção é que tanto ecólogo como anarquista colocam uma ênfase muito grande sobre a espontaneidade. O ecólogo tende a rejeitar a noção de "poder sobre a natureza". O anarquista, por sua vez, fala em termos de espontaneidade social, dando liberdade à criatividade da pessoas. Ambos, ao seu modo, vêem a autoridade como inibidora, como um limitante à criatividade potencial dos meios social e natural.

Tanto o ecólogo como o anarquista vêem a diferenciação como uma medida de progresso, para ambos uma unidade sempre maior é alcançada pelo crescimento da diferenciação. Uma crescente totalidade é criada pela diversificação e aprimoramento das partes.

Assim como o ecólogo busca ampliar um ecossistema e promover a livre interação entre as espécies, o anarquista busca ampliar as experiências sociais e remover as restrições ao seu desenvolvimento. O anarquismo é uma sociedade harmônica que expõe o homem aos estímulos tanto da vida agrária como urbana, da atividade física e da mental, da sensualidade não reprimida e da espiritualidade auto-direcionada, da espontaneidade e da auto-disciplina etc. Hoje, esses objetivos são vistos como mutuamente excludentes devido à própria lógica da sociedade atual -- a separação da cidade e do campo, a especialização do trabalho, a atomização do homem.

Uma comunidade anarquista deverá aproximar-se de um ecossistema bem definido: será diversificada, equilibrada e harmônica. A procura da auto suficiência levará a um uso mais inteligente e amoroso do meio-ambiente, permitindo o contato dos indivíduos com uma vasta gama de estímulos agrícolas e industriais. O engenheiro não estará separado do solo, nem o pensador do arado ou o fazendeiro da indústria. A alternância de responsabilidades cívicas e profissionais criará uma nova matriz para o desenvolvimento individual e comunitário, evitando a hiper-especialização profissional e vocacional que impediria a sociedade de alcançar seu objetivo vital: a humanização da natureza pelo técnico e a naturalização da sociedade pelo biólogo.

Nas comunidades ecológicas a vida social levará ao incremento da diversidade humana e natural, unidas em harmônica totalidade. Haverá uma colorida diferenciação dos grupos humanos e ecossistemas, cada um desenvolvendo suas potencialidades únicas e expondo os membros das comunidades a um leque de estímulos econômicos, culturais e comportamentais. A mentalidade que hoje organiza as diferenças entre o homem e outras formas de vida em esquemas hierárquicos e definições de "superioridade" e "inferioridade", dará lugar a uma visão ecológica da diversidade. As diferenças entre as pessoas não só serão respeitadas mas estimuladas. As relações tradicionais que opõem sujeito e objeto serão alteradas qualitativamente, o "outro" será concebido como parte individual do todo que se aprimora pela complexidade. Este sentido de unidade refletirá a harmonização dos interesses entre indivíduos e grupo, comunidade e ambiente, humanidade e natureza.

Condensado e adaptado de "Ecology and Revolutionary Thought". In "Post-Scarcity Anarchism" Revista Utopia nº 1 Fonte:Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos (www.nodo50.org/insurgentes).

colaborações dos nossos correspondentes da rizoma.net

terça-feira, 3 de março de 2009

7- LEO BASSI ENTREVISTADO - Manifesto Teatral dos Novos Nobres


A ARTE DE PROVOCAR

por Jairo Máximo e Lois Valsa



Bufão por tradição e opção, descendente de uma família italiana circense e anarquista cujas origens remotam ao século XVIII, Leo Bassi nasceu em 1952 em Nova York, por caso, mas ele se considera anti-Estados Unidos, mesmo depois dos atentados de 11 de setembro. "Não vou deixar os terroristas ditarem meu jeito de ser e me expressar. O que eu falo e faço é igual, antes de depois de 11 de setembro", declarou ele em entrevista exclusiva concedida a ISTOÉ em Madri. Seu último espetáculo, aliás, chama-se 12 de setembro e nasceu como uma reação à ausência de uma discussão crítica, na Europa, às decisões unilaterais de Tio Sam na luta antiterrorismo. "Quero devolver ao bufão o seu direito ancestral de dizer em voz bem alta o que os demais só pensam", proclama. Em português, bufão quer dizer bobo, cômico, mas no Brasil a palavra que melhor traduz esse personagem circense seria "comediante".
Depois de estrear em Madri, em fevereiro, Bassi foi à Alemanha, Áustria, Noruega, Itália e França. No Brasil ¾ onde esteve três vezes, já tendo sido inclusive assaltado, em Copacabana ¾, ele veio para apresentações em Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, onde estará no Sesc Santo André nos dia 9 e 10 de agosto. "Depois, só Deus e Alá sabem. Cabul e Nova York são os objetivos.”


ISTOÉ - Por que você escolheu o 11 de setembro como tema de seu espetáculo?
Bassi - Eu acho que é alucinante o fato de que não se possa tocar em temas fundamentais, por exemplo: por que ocorreu o 11 de setembro? Ademais, para mim existia uma covardia intelectual generalizada na Europa. Não foi exatamente uma grande surpresa que os atentados ocorressem com os americanos, mas não se podia falar nisso. Os ataques de 11 de setembro não foram obra de loucos. Existe um sentido para o que passou. E nos nos últimos meses, já podemos ler na mídia comentários mais críticos. Antes, as pessoas tinham muito medo de dizer o que realmente pensavam. Assim, deixamos deixamos que os Estados Unidos seguissem o seu caminho, sem nenhuma crítica, sem dizer nada.
Agora é o momento de analisar o que aconteceu e fazer uma discussão global. Ao mesmo tempo, pensar em como podemos nos organizar para que não existam tantas injustiças entre o Norte e o Sul, entre ricos e pobres. Se não for assim, continuaremos com a idéia de que o 11 de setembro foi uma loucura; que o mundo vai bem; que o mundo made in USA é o best e o modelo a seguir. Assim, o 12 de setembro nasceu de uma reação visceral provocada pela apatia e a ausência de discussão crítica no mundo europeu frente às decisões unilaterais que os EUA tomaram na sua guerra particular contra o terrorismo.

ISTOÉ - É verdade que 12 de setembro foi inspirado em uma piada que você ouviu em Belo Horizonte, no dia dos atentados terroristas?
Bassi - Não numa piada, e sim numa sensação. Eu estava em Belo Horizonte naquele dia fatídico. Observei que as pessoas estavam felizes. Ouvi muitas piadas que falavam de aviões. Além disso, também encontrei alguns políticos e burgueses de distintas índoles. E a minha impressão era de que estes ricos brasileiros tinham medo, e pensavam que ia começar uma revolução mundial: pobres contra ricos. No entanto, penso que, por projeção ou por se espelhar, os pobres viram neste atentado uma justiça divina sobre aqueles que sempre foram dominantes. Vi até gente dançar na rua de alegria.

ISTOÉ - Mas sua postura não poderia ser acusada de ser pró-terrorismo? Afinal, Bush não disse que "quem não está conosco está nós"?
Bassi - Diariamente enfrento este dilema. Acredito que nós, os palhaços, somos por natureza as pessoas mais pacíficas que existem, porque a cada noite soltamos nossa agressividade ludicamente diante do público. Porém, se alguns têm medo do que digo, podem até dizer que faço apologia do terrorismo. Mas prefiro usar outras palavras de Bush: "Não podemos deixar o terrorismo ditar nossa maneira de viver." Sigo essa máxima ao pé da letra. Eu era um pouco anti-USA antes dos atentados, e continuo sendo.


ISTOÉ - O que pensa dos escândalos das grandes corporações americanas?
Bassi - As notícias não me surprenderam. Há anos vem se falando de grandes empresas com contabilidade fraudulenta e executivos tendo milhões de dólares em lucros elegais. Uma sociedade não pode funcionar onde pessoas ganhem dinheiro dessa maneira. Não sou contra o livre mercado, mas acho que a sociedade tem que Ter mecanismos de controle e vigilância. É irônico ver Bush e Cheney assinarem leis para limpar a contabilidade das empresas quando eles e muitos republicanos viveram desse dinehrio ilegal. É uma hipocrisia total. Só me surpreende que a imprensa americana esteja sendo tão simpática com os donos do poder. Esperava que fosse como no escândalo Watergate, em que o The Washington Post denunciou Richard Nixon e provocou sua renúncia.


ISTOÉ - Você considera que existe uma crise na esquerda italiana que justifique o diretor de cinema Nanni Moretti tentar sacudir a sociedade?
Bassi - Como Berlusconi (Silvio Berlusconi, premiê conservador da Itália) tem todas as tevês, muitos jornais e revistas, ele está formando um pensamento único. Por exemplo, mesmo hoje, quando não existe mais comunismo em nenhum lugar do mundo ele continua falando em "ameaça comunista". No entanto, também é evidente que a esquerda está em crise na Europa. Aliás, o que significa esquerda, quando nem os governos governam e a política está dirigida cada dia mais pela economia, pelas multinacionais e pelos bancos? Entretanto, o que está acontecendo nos últimos meses é que a política italiana caiu em um patamar tão baixo que gerou uma reação de rejeição de muitos intelectuais e alguns políticos. Considero que isto é saudável para a cultura italiana, já que ela recebeu uma bofetada de Berlusconi e agora volta a se manifestar e atuar.

ISTOÉ - Seu teatro é provocativo?
Bassi - A provocação é uma ferramenta que utilizo para incitar o público. Penso que a maioria das pessoas é apática. E a provocação é uma coisa que desperta a consciência, pois o público a enfrenta. Muitos podem não gostar, e inclusive se assustar, mas todos têm que reagir. Com o espetáculo 12 de setembro, eu quis devolver ao bufão o seu direito ancestral de dizer em voz bem alta o que os demais só pensam. Pretendi surpreender as pessoas com posições políticas não-conformistas. Depois do espetáculo, espero que cada um compare suas opiniões com as minhas. Até podem não estar de acordo comigo. Não me preocupa. Asssim é a vida...

segunda-feira, 2 de março de 2009

2 - CLEROUAK ENTREVISTADO - Série Anarquistas Práticos


A ARTE TEM QUE ESTAR À ALTURA DA FOME

- Clerouak pesquisa a linguagem do palhaço brasileiro manifestada no bumba-meu-boi. Entrevista concedida a Carlos Biaggioli, em julho/2006.

O Portal da CPT resolveu colocar na roda a experiência e as bombásticas opiniões do artista
Clerouak, que desde 1995 vem unindo a arte do palhaço ao estudo da cultura popular brasileira. Atualmente, pesquisa a linguagem do palhaço brasileiro (o Mateus, o Bastião e o Vassoura, especialmente), manifestada no bumba-meu-boi. Embora hoje em dia ele também marque presença em grupos como "Boi de Fumaça" e "Radinho de Pilha", sua trajetória assinala, nos Anos 80, uma passagem pelo grupo punk "Garotos Podres".

Nos Anos 90, fundou, juntamente com Alessandro Azevedo, o "Sarau dos Charles", o qual, com Paulo Federal, gerou o extinto grupo de palhaços "Charles & Cia". Além da participação em diversos programas de televisão, Clerouak também participou de dois curta-metragens e do filme "Carandiru", de Hector Babenco. Recentemente, dirige o grupo Madresilva e atua como palhaço para o MST Movimento dos Sem-Terra.

Portal da CPT — Hoje em dia você está em carreira solo e quem te conhece sabe que você se mantém sempre muito fiel a um ponto-de-vista, digamos, bastante "anárquico" no que diz respeito ao seu trabalho e às relações com o público para o qual você se apresenta. Conta pra gente um pouco da tua trajetória, da experiência punk ao Palhaço Billy Coco...

Clerouak — Aos 14 anos eu resolvi ser punk. Na época, pra ser isso você tinha que ser artista, ter o poder criativo. Pra viver num país como é o nosso, você tem que ser muito criativo o tempo todo. Ser criativo é ser artista. Pra mim o mote foi essa história de ser punk. Eu conheci o pessoal dos "Garotos Podres", um grupo do ABC, fiz backvocal pra eles durante um tempo. Essa coisa da anarquia me persegue até hoje, que é você se auto-gerir, você construir o teu pensamento, a tua história. É claro que você tem referências, que você vai absorvendo. Mas essa herança do punk permanece, pra mim, até hoje na história do palhaço. Existem as referências do Max Linder, do Chaplin, do Mazzaroppi, do Grande Otelo, mas eu acho que você resgata, você busca a referência mas, depois, você cria a tua própria história.

É no criar, está na criação onde o mundo moderno se perde um pouco. As pessoas não aceitam muito aquilo que é novo, nunca aceitaram. Pega o Van Gogh ou os criadores da música. Não que você tenha que morrer na miséria ou tenha que viver precariamente. Eu gostaria de viver muito bem, de ter casa, automóvel, mas é louco como que, pra você ter isso, você tem que fazer uma "arte domesticada", entende? Ser artista é atuar no campo da criação e da transformação. O verdadeiro artista é o cara que cria, que tem compromisso com a transformação. Aí o cara vira e diz que já criaram tudo. Não! Se você dilata a tua mente, se você tem a vontade de inovar, de criar, você cria. Tudo bem, você pode não ser aceito, mas não ser aceito geralmente é quando você esbarra nessa coisa completamente comercial, do que a Arte está refém nos dias de hoje. Então, quer dizer que pra você fazer um palhaço hoje, tem que ser um palhaço que é aceito! Você tem que ir por uma via, por um desenho que vai ser aceito nos Sescs, a menos que você já tenha um nome. Aí você pode cagar no pinico, que aquilo é "arte". Mas se você é uma pessoa que não consegue dar muita visibilidade pro teu trabalho e tenta fazer alguma coisa nova é muito difícil.

Daí é que vem essa herança anárquica, minha, do punk, de tentar sempre argumentar com as pessoas que "palhaço é isso mas também não é só isso", pode estar num outro lugar. Quem deu uma boa demonstração disso no Brasil, há pouco tempo, foi o Leo Bassi. O estilo de vida que eu levo hoje não tem novidade nenhuma, os povos nômades vivem dessa forma há muito tempo. Hoje eu moro em uma cabana onde eu tenho basicamente os meus instrumentos, cds e figurinos e vivo bem, porque eu não preciso ter mil ou 1.500 reais por mês pra pagar um aluguel. Até porque esse meu desenho de vida faz com que eu me torne menos refém dessa coisa imposta, pra que eu não tenha que fazer uma "arte domesticada". O mote é esse.

Portal da CPT — Mas por que a rua?

Clerouak — Eu vou pra rua, rodo o meu chapéu e vendo os meus cds a 15 ou 20 reais e com isso eu dou manutenção para a minha vida. Pago 50 reais nessa cabana mais uns 120 reais no meu celular e me sinto menos refém dessa energia capitalista que impõe essa receita domesticada pra que os artistas freqüentem os Sescs, prefeituras ou teatros da cidade. Eu nunca consegui estar em cartaz! Eu tenho uma longa história de palhaço, fiz cursos, estudei, há mais ou menos dois anos atrás estive na Europa (Espanha, França e Portugal) rodando chapéu, fazendo teatro de rua. Eu tenho uma história válida, significativa, e, no entanto, eu não consigo ocupar os espaços, porque tem sempre política, tem que ser amigo de não sei quem (Q.I., "quem indica"). Eu to fora! Muitas vezes, por você estar nessa periferia da situação, você acaba ficando marginalizado, mesmo. Carta fora do baralho. Você tem que fazer política, reuniões em que porra fica o artista? Eu sou artista, eu não sou político. O Alê [Alessandro Azevedo, do Sarau do Charles] falava pra mim que a gente tinha que fazer reuniões, tinha que estar nos lugares, etc. e tal. Taí, ele virou político. Eu não sou político.

Portal da CPT — Qual é o caminho mais interessante, então?

Clerouak — Vá pra rua e crie o teu público! É um público interessante...

Portal da CPT — Como é que se dá a tua relação com a rua?

Clerouak — A minha postura na rua, com relação àquilo que eu faço, talvez seja a mais legítima que existe, porque eu sei que quem vai botar um dinheirinho no chapéu, ali, é o cara que vê alguma coisa em você. É cara que vai comprar o meu cd ["Música do Quarto Mundo"], que é uma brincadeira de palhaço em cima de músicas étnicas. Quando eu e o Alê se encontrou de palhaço, no centro da cidade, que a gente começou a fazer show de rua, foi muito interessante. A gente fazia com pouca técnica, não sabia quase nada de palhaço, mas tinha uma coisa ali que era muito interessante: um certo romantismo, uma certa inocência! Não havia uma visão empresarial de trabalhar pros Sescs, de ganhar dinheiro com isso. Era uma loucura de artista, mesmo. Não tinha desenho nenhum na nossa cabeça de que, com aquilo, a gente poderia comprar um carro, viajar, ir pra festivais, era uma coisa muito inocente, pura, ingênua.

Era a necessidade de ser artista mais por uma vontade de se manifestar e fazer valer a tua vida e a tua palavra, sabe? A arte existia independentemente do mercado, de alguém que vá te contratar. É por isso que eu gosto muito desses fazedores de cultura popular que estão espalhados pelo país, que muitas vezes não dão valor nenhum, que muitas vezes terminam a vida sem ninguém conhecer, banguelos, fodidos. Não que você tenha que viver assim, mas eu vejo muita dignidade nessas pessoas, porque elas cumpriram um desenho, na vida delas, que a cultura, a música, a arte existem independentemente de mercado, é uma coisa que faz parte da vida dessas pessoas. Elas vão insistir, elas vão fazer a música, o teatro, o cavalo marinho, a folia de reis: independentemente de mercado! O que eu percebo, aqui em S. Paulo, é que, se esses contratantes desaparecerem, metade dos grupos desaparecem também. Eu penso que você deve fazer arte porque é um desejo muito forte de você se manifestar.

Portal da CPT — Te importa mais o que tem que ser dito do que o quanto tem que ser pago. Se você se põe à margem do poder público e da iniciativa privada, das leis de mercado, você restringe o pagamento do teu trabalho à venda dos teus cds, no tête-à-tête, ao público da rua. Pra gente não ficar "refém" nem do mercado e nem do Estado, quem paga o trabalho do artista de rua?

Clerouak — No meu caso isso representa cinqüenta por cento do que me dá o suporte... Mas olhe os circos, por exemplo. Eles são um bom exemplo de auto-gestão. Eles chegam nos terrenos da prefeitura e você não vê eles pedindo dinheiro da prefeitura, do governo ou do Sesc. Eles pagam uma taxa pelo espaço, inclusive. Eu acho até que devia ser cedido. Aí eles armam sua lona e sobrevivem do que o público lhes paga.

Portal da CPT — No caso do artista de rua, você está, então, se referindo ao chapéu?

Clerouak — Meu, tem que labutar! Tem que ser muito raçudo, porque a rua também não dá dinheiro, você tem que ter lugares... Se você vai fazer no centro da cidade, não rola. Você só pode ganhar uma grana como artista de rua se você for conhecido, como o Agnaldo Timóteo fez, com os cds dele, no centro do Rio de Janeiro, enfim: tem que ser raçudo.

Portal da CPT — Um camelô, por exemplo, vive seu dia-a-dia na rua e dali tira o seu sustento, como acontece com qualquer trabalhador de escritório. Na tua opinião, o que difere um artista de rua de um vendedor como esse, enfim, o que é imprescindível para que um artista de rua seja "o" artista de rua?

Clerouak — Eu, quando vou pra rua, eu sempre penso naquela frase do Artaud: "a Arte tem que estar na altura da fome". Quando eu pego os meus cds, ponho a minha roupa de palhaço e vou rodar o meu chapéu na rua, eu me pergunto: eu estou conectado com a realidade dessas pessoas? O que é que eu tenho a dizer pra essas pessoas? O meu cd eu cobro 15 ou 20, mas, às vezes, o cara leva por 10, 5 ou de graça. O mais importante pra quem vai fazer o teatro de rua é ele sentir se realmente tem força pra falar sobre coisas que vão fazer com que as pessoas se iluminem. O artista é um cara que se ilumina pra passar luz pras pessoas que estão vendo ele. Artista de rua, então, é um cara que realmente tem algo a dizer. Se você vai pra fazer bobagem ou besteira... eu detesto besteira! E acho também que esse lugar que colocaram o palhaço não é o lugar. Palhaço é um ser político pra caralho.

Pegue o Chaplin e todos esses caras. Eles eram todos muito políticos, muito conectados com o tempo em que estavam vivendo, com a fome, com a guerra. Se você vai pra rua pra falar uma coisa que não vai de encontro à realidade dessas pessoas, que não ta "à altura da fome", você não ganha elas, não consegue se comunicar com elas. Eu já vi vários grupos de rua e dá pra perceber que é um mundo muito aburguesado pra conseguir chegar na realidade dessas pessoas. Muitas vezes, culturalmente, não atinge... Não que você tenha que ir lá e tocar o pagodão ou o samba. Eu vou lá e toco a minha música étnica, minha música árabe, porque eu acho que o povo árabe tem muito a ver com a cultura brasileira. O problema é a mídia, né? As pessoas não têm essa informação de que a gente vem de um povo mouro, de um povo português e por isso a gente tem muito a ver com o mundo árabe. A gente vive num mundo norte-americano, que saqueia o tempo todo o Brasil, através da música, das novelas, do teatro.

É uma cultura que não faz parte do povo brasileiro, que é uma outra coisa, é um povo índio, de ritual, surreal pra cacete. Ser artista de rua tem que ter muito a ver com essa realidade brasileira, pra falar alguma coisa com que aquele povo se sinta representado. Senão vira só alegoria. Quando a gente fez o "Dom Quixote e Sancho Pança", com o Ale Roit, a gente foi fazer um aquecimento na rua junto com as outras duplas. Essa força que é preciso pra quem faz teatro de rua está muito além dessa receita teatral, desse desenho naturalista, desse paladar que as pessoas falam sobre o que é arte. Rua, pra mim, é coisa pra louco, sabe, cara!? E quando eu fui pra rua fazer aquilo com o Federal, eu olhava pro Paulo Federal e achava que o Federal é um louco! Eu estou com esse cara porque ele é louco! Não é essa loucura abstrata, de viagem. Mas é a insanidade de estar na rua...

Portal da CPT — Essa ruptura, não é?

Clerouak — Ruptura! Não é teatro nem nada, é ARTE, cara. É você ali, no mesmo plano que o público, que não te olha como um burguesinho vindo da classe média pra fazer um teatrinho. Eles olham e se vêem representados. Quando eu vou pra rua eu busco esse registro. Eu tenho algo a dizer pra essas pessoas?

Portal da CPT — E quanto à técnica?


Clerouak — Tem que ter técnica.

Portal da CPT — Como é que você se prepara pra ir pra rua?

Clerouak — Isso que a gente faz tem que ter técnica. Quando eu vou pra rua eu mando a minha voz lá pro outro quarteirão. Eu entro na rua e já vou buscando a loucura dela. E se aparece algum maluco querendo pegar o meu cavaquinho, eu vou mostrar pra ele que eu sou dez vezes mais louco do que ele.

Portal da CPT — De repente ele pode pegar e tocar muito bem o cavaquinho...

Clerouak — Pode tocar. Mas se a postura dele for licenciosa, ele vai se topar com a minha autoridade: eu vou ser autoritário com ele. E não tem problema nenhum ser autoritário, nesse caso. Eu sou um bufão ali, naquela hora quem manda ali sou eu.

Portal da CPT — Como você define um bufão?

Clerouak — O bufão bufa! Acho que Hitler foi um bufão, como todos esses caras que são caricaturas do comportamento grotesco humano. Todos bufões, pra mim. E eu não sou só bufão: eu sou augusto e sou branco!

Portal da CPT — O teu prazer está em abalar as estruturas, não é? Eu te assisti, uma vez, como mestre-de-cerimônias num palco da Feira Cultural da Pompéia, que depois de tudo o que você "aprontou", os organizadores te levaram pra conversar com eles lá no quartinho, a sós...

Clerouak — Aquilo me deu vários problemas! Eles queriam como apresentador, um artista domesticado, um cara que ficasse ali no palquinho, sem comida e sem água, eu achei que aqueles caras estavam brincando comigo. Eles só fazem aquilo porque um monte de gente aceita essa condição. Quando eles me chamaram eu aceitei mas avisei que precisava de um cachê e de uma pessoa, ali, me dando um suporte, pro caso de artistas que não chegavam ou que não vieram. Como é que eu podia improvisar se eu não tinha esse feedback? Quer dizer, eu me vi ali completamente refém. Aí eu fui buscar a minha essência como palhaço, entende? Então eu peguei aquela lista de patrocinadores e resolvi dar voz pro povo. "Olha, gente, eu vou ler aqui alguns patrocinadores e, na medida que vocês acharem legítimo, que eles são bacanas, vocês aplaudem ou vaiem!" Quando eu li Polícia Militar do Estado de S. Paulo as pessoas vaiaram; quando eu li Prefeitura Municipal, vaiaram; e quando eu falei A Lojinha da Esquina, o povo aplaudiu.

Portal da CPT — Eu estava lá. Passou, inclusive, um vendedor de bugigangas fantasiado como palhaço. Você acabou com o cara, provocando: se você é palhaço, sobe aqui, faz uma palhaçada! O cara era um desses, que eu chamo de "impostores", que abusam de um patrimônio que não lhes pertence...

Clerouak — Não pode, Carlos. As pessoas têm que entender que palhaço é um crítico da sociedade, não é essas bobeirinhas que você vê por aí. Não é esse o lugar! Quando eu vejo o Leo Bassi, eu vejo um palhaço, pra mim é esse o lugar do palhaço. As pessoas devem perceber o que estão fazendo com um personagem mitológico, muito grande. Por que você acha que, em alguns lugares, tem aqueles cestões onde as pessoas jogam lixo na boca do palhaço? É nesse lugar que estão colocando o palhaço! Como é que isso vai pro inconsciente das pessoas? Os palhaços tinham que fazer protesto contra isso, processar esses caras que pegam a imagem do palhaço e colocam ela desse jeito! Há uns cinco anos atrás, o Federal e eu fomos sido convidados pra fazer mestres-de-cerimônia na comemoração dos 21 anos do Partido dos Trabalhadores, no Memorial da América Latina. Estava lá toda a cúpula do PT e nós dois como mestres-de-cerimônia. Uma semana antes sai na Revista ISTOÉ uma matéria sobre consumidores ludibriados pelos fabricantes, com uma moça com nariz de palhaço na capa da revista. A gente mandou uma carta comendo o rabo deles, dizendo que antes de eles fazerem essas matérias sociais sobre circo, palhaço, com essas patifarias e fuleiragens todas, que eles soubessem um pouco mais sobre a arte do palhaço, o que é a história do circo...

Portal da CPT — E que é uma profissão regulamentada, como a deles!

Clerouak — Uma semana depois a gente estava num lugar cheio de intelectuais, políticos. O Federal chamou a Marta Suplicy, eu chamei o Aluisio Mercadante, ele chamou o Genuíno. Quando eu chamei o líder do MST (e eu já dei voluntariamente várias oficinas de palhaço em assentamentos do MST), ele não imaginou que eu sou engajado, que eu não era um bobinho. Quando eu chamei ele, eu falei: "bom, gente, eu vou chamar agora o líder do MST. Como vocês sabem, é muita terra na mão de poucos, pois cinqüenta por cento das terras estão nas mãos de um por cento do Brasil".

E puxei as palmas. Ele pegou o microfone e falou: "pelo menos eu fui chamado de reacionário por dois palhaços". Ele veio com uma piadinha pronta, como se nós, palhaços, tivéssemos chamado ele de reacionário. Quando ele falou isso, ele estava carregado desse preconceito, desse lugar que é do palhaço na cabeça das pessoas. Aí a gente vomitou uma série de coisas na cabeça dele e finalizamos falando que a gente estava ali exclusivamente pela Vida; que o jeito como as pessoas vêem o palhaço é equivocado: não é esse o lugar. Aí ele pediu desculpas, beijou a testa do Federal e ficou desestabilizado pro discurso que ele deveria fazer, naquela hora. E foi se sentar lá onde se sentavam os convidados.

Quando eu comecei a ser punk, eu percebi que a idéia que se tinha sobre essa ideologia era completamente equivocada, porque a mídia tinha enfiado na cabeça das pessoas a idéia de que Anarquia era bagunça e não tinha nada a ver com discurso ideológico, de você desejar um mundo sem líderes, sem ninguém dominando ninguém. As pessoas achavam que punk era ser sujo, sem discurso ideológico nenhum. Imagina, cara! Se você vai atrás você saca que tem um fundamento. É a mesma coisa com o palhaço. É um personagem. Você não pode simplesmente botar um narizinho vermelho e sair "macaqueando" um palhaço, colocando ele num lugar que não é o dele. Até hoje programas de televisão mostram essa imagem do palhaço, como uma coisa que não tem nada a ver.

Você vê colegas de teatro, que têm formação teatral e o caralho, reproduzindo esse lugar que não é o lugar dele, entende? Quando eu resolvi ser artista eu tinha um ideal romântico em relação com a libertação através da Arte. Eu achava que o artista devia ser um cara de enfrentamento ideológico, usando a arte dele, com a postura dele. Quando eu me associei à Cooperativa Paulista de Teatro, na época do Luiz Amorim, lá no Teatro Ruth Escobar, eram 23 grupos cooperativados. Hoje são 800 grupos e quase 3 mil artistas! É significativo. Agora, você imagina esses 3 mil artistas juntos, protestando contra equívocos em relação a leis e coisa e tal. De que adianta quantidade sem qualidade? Tem que ter discurso ideológico, eu não sinto a gente junto, eu sinto ainda um puta individualismo. É cada um com o seu fubá e foda-se.

Então esse artista que você romantiza — que está no lugar que você acha ser o lugar do artista, com relação ao palhaço, ao dançarino, o ator, enfim, o artista em geral —, você vê um pouco escorrendo, assim. E aí você percebe as pessoas completamente reféns de empresários, dinheiro, contratantes de uma arte completamente domesticada. E essas pessoas ainda têm a ilusão de que estão tendo uma "ressonância", de que estão falando alguma coisa. E não estão! É muito pouco. Você chega numa escola, como no Programa Recreio nas Férias [da Secretaria Municipal de Educação], com 300 ou 400 crianças, genericamente falando, numa miséria muito grande. Eu fui lá e senti que não cumpri o que eu queria, eu não atingi o alvo.

Como isso seria possível no meio de barulho, de balbúrdia? Eu não estou ali pra ficar pedindo pras pessoas fazerem silêncio. São elas que têm que ter a sacação de que tem uma pessoa, ali na frente delas, tentando dizer algo que é preciso ser ouvido, entende? Eu não tenho que obrigar as pessoas a isso. Depois dizem que não, mas eu acho que a gente vive numa sociedade nazista mesmo, com um povo na maior parte mestiço, negro, e você só vê ator branco, bonito, europeu no teatro. O povo que faz novelas ou propaganda, nos outdoors, é tudo branquinho, não é?

Aí você vai para um lugar querendo falar algo mas não consegue dizer nada, porque as pessoas te vêem como um burguês, nunca como uma pessoa do povo, pois teatro é uma coisa que não chega nas pessoas. E aí a gente vai chegar nesses lugares e obrigá-las a assistir a gente? Eu chegava nas escolas já falando pra criançada: "não, vocês fiquem aqui só se vocês quiserem, se vocês acharem que eu tenho algo a dizer pra vocês. Se não quiserem, podem sair da sala e vão brincar. Só fique aqui quem quiser"! Eu falava isso e via as monitoras, com pau na mão, obrigando as crianças a me assistirem.

Portal da CPT — No que toca à tal formação de público, acaba sendo um tiro pela culatra, não é?

Clerouak — Aí eu chego na cooperativa e ouço uma história de "punição". Na minha cabeça, a gente não tem aposentadoria nem porra nenhuma, vou terminar a vida sei lá como se eu não construir aí alguma coisa pra mim, e aí o único lugar que você acha que seria um suporte pra você conseguir trabalhos, ter um apoio, essa palavra punição entra errada no meu ouvido, porque eu acho que não é o lugar. De picareta o mundo ta cheio.

Portal da CPT — E como é que a gente vai detectar esses picaretas?

Clerouak — O Itamar Assumpção dizia que "o cara podia ser padeiro ou advogado, tudo bem; mas ser artista é só pra gente doida"! eu fecho com ele, mas não esse doidão que sai por aí babando, mas gente que é a fim de provocar mesmo, que não aceita as regras do jogo. Eu me considero um artista de rua porque eu sinto que quando eu vou pra rua as pessoas se sentem representadas. Naquele dia, na Feira Cultural da Pompéia, quando eu dei o meu xeque-mate, quando eu estava saindo fora e chutei-o-pau-da-barraca, vários moleques e pessoas de rua vieram me cumprimentar dizendo: "você é o cara!". E eu fiquei tentando compreender por que motivo elas estavam falando isso. Era porque elas ouviam uma voz, ali, representando um pouco dessa reclamação que as pessoas tem com relação a um monte de coisa na sociedade em que a gente vive. Essa voz não existe! É um ou outro. E muitas vezes os que falam, às vezes já estão notórios, consagrados.

Portal da CPT — Você diz que, nesse momento da tua carreira, "chega de formação", ou seja, você já fez toda a formação de palhaço de que precisava. Você acha que chega um momento em que se deve parar a formação ou ela deve ser uma constante?

Clerouak — Eu acho que você nunca pára, não é, Carlos? Tem que estar sempre buscando. Mas, com relação a esse universo do palhaço, dessas pessoas que estão por aí ensinando o que eu tinha que aprender com elas eu já aprendi. Gabriel Guimard, Família Medeiros, Ângela de Castro, Deborah Kaufman, Michael Christensen, dos Doutores da Alegria... e eu continuo buscando. Mas, nessa história de palhaço, hoje o que mais me interessa é entender onde é que está o palhaço brasileiro, entende? Você olha o Tio Rogê [Roger Avanzini] e Piolim são palhaços brasileiros, têm uma célula de palhaço brasileiro. Mas o sapatão, o nariz vermelho, a roupa larga vem de uma tradição européia. Acho que foi a partir dos Anos 20 que começou a surgir no Brasil uma linguagem do que, pra mim, seria o palhaço brasileiro.

Aí você ouve os intelectuais falando que o palhaço é o cara que veio do Interior, o matuto do mato, que chega na cidade e se sente meio deslocado, eu identifico isso no Mazzaroppi e nesses palhaços que têm essa célula, como o Mateus do Cavalo Marinho, que está muito perto de um Chaplin, por exemplo, e não usa sapatão, calça larga, mas tem a comédia física, é um vagabundo, pinta a cara de preto. E é um transgressor, é um cara com bizarria, jamais seria contratado pruma festinha de aniversário, nas quais as pessoas buscam o coloridinho do palhaço norte-americano, com seu nariz e com o aceitável, entende? Numa festa de aniversário um legítimo Mateus seria execrado, um Borba, que é meio banguelo, todo sujo, que entra numa bixiga de boi fazendo uma célula do baião e que tem tudo ali, não é? As gags, a bizarria, a dança, a música... E o que é o palhaço, na sua essência? É um cara como o Grock, que tem as suas habilidades.

O Bastião da Folia de Reis ou do Cavalo Marinho, o Vassoura, o Ração da Marujada são palhaços que se manifestam dentro de uma célula mais índia, mais negra, mais mestiça do povo brasileiro. Eles não vêm da classe mais privilegiada, mais aburguesada. E não tem discurso ideológico: é palavrão, é loucura e é muito surreal. Um Mateus do Cavalo Marinho entra por debaixo do público, assim, com um cigarro na boca, com um matelão, que é um cobertor que é a casa onde ele mora, porque ele é um vagabundo, um nego fugido. A imagem dele é muito transgressora. E é muito palhaço, pra mim, porque ele entra fumando, meio bêbado e, além disso, ele está no campo do ritual. Mas o mais importante é você perceber que a célula do palhaço está ali, com a ingenuidade de um ser deslocado, criança, louco. É isso o que me interessa, ultimamente, na história do palhaço.

Portal da CPT — Você fala muito em "burguesia", como não sendo um público ideal, com quem você queira conversar. Na atual conjuntura fica difícil ter parâmetros pra esse tipo de classificação, até porque ninguém anda com uma faixa dizendo "sou burguês". Pelo que se abstrai da tua opinião, o burguês não tem salvação e deve ser queimado no inferno?

Clerouak — É uma energia. Não tem uma marca ou um carimbo. Pra gente que vem da periferia é fácil ver as pessoas aburguesadas, entende? Eu não falo burguês no sentido financeiro, de um cara com dinheiro. Mas são referências burguesas absorvidas sem querer pelo inconsciente do cara. Isso vem da televisão, da roupa, da música... mas ele não percebe. E passa a ter uma visão aburguesada, ao invés de uma visão simples das coisas. Isso acontece não é só na classe média. Isso você vê no meio de gente pobre, em vários lugares, essa energia que está no inconsciente da pessoa que quer ser uma coisa que ela nunca vai ser. Ela quer ter a roupa ou até morar num país que ela idealiza e que ela nunca vai... a minha impressão é que, aqui no Brasil, as pessoas queriam ter nascido na Europa ou nos Estados Unidos. Elas usam roupas e falam que nem norte-americano. Eu fui conversar com um fotógrafo e chegou uma hora que eu parei: "bicho! Você pode me falar que termos são esses que eu não entendo?

Você fala mais Inglês do que Português. Se você optar pelo Português eu vou conseguir saber mais o que você quer!", sabe? Quando eu falo burguesia é sobre essa necessidade de querer ser Primeiro Mundo, quando na realidade a gente não está nem no terceiro, mas no Quarto Mundo. Isso aqui é o fim do mundo, pra mim. A nossa condição humana, aqui, é fascinante. Se as pessoas pararem e olharem em que país a gente está vivendo, elas vão ver! A gente nunca vai viver no Primeiro Mundo do jeito que a gente vive aqui, entende? Vai pras escolas, pra periferia. É uma condição sub-humana. Ontem eu peguei o metrô e é uma condição absurda. E dá-lhe anestésico! Uma coisa, nessas escolas, que também me chamou muito a atenção foi o suco que elas tomavam em um saquinho, que era puro açúcar. E as crianças vão na escola pra comerem, não vão pra ver Arte. Como é que a gente vai trabalhar arte com pessoas que estão ali pra comer?

Portal da CPT — Lembra do Brecht? Primeiro a barriga, depois a moral!

Clerouak — Justamente. Só que teve lugares em que a gente se apresentou antes de elas comerem! Então, quando eu falo burguês, não é esse discurso panfletário de "morte ao burguês", que ele seja o câncer da humanidade. Não. É sobre a energia burguesa que eu vejo nos artistas, nas pessoas, de quererem ser o que nunca serão. Enquanto a gente não assumir o nosso "quarto mundo" e entender o nosso povo, a gente vai estar fazendo uma arte elitizada e não vai conseguir se comunicar com esse povo. Não vai! Porque é caro e porque não fala a linguagem desse povo, que é do ritual, da música, do samba, da loucura. É anárquica a coisa por aqui. Agora, como é possível você chegar numa escola e querer que te recebam com essa receita européia, de que tem que fazer silêncio, se não é feito um trabalho e onde as pessoas estão ali só por causa de comida? Vai embora! Vai pra Europa, pra França ou pros Estados Unidos... acho que lá é o lugar dessa energia. Vai ver teatro europeu, tudo muito lindo, maravilhoso...

Esse é o desenho com que eu me dirijo às pessoas burguesas, que não estão conectadas com a realidade do Brasil real que a gente tem aqui em cada esquina que a gente dobra. Está lá: estampado na nossa cara. Mas é como um elefante branco no meio da sala e as pessoas fingindo que não está acontecendo nada. E está acontecendo, não é? Aí, de repente, as pessoas entram em pânico e chega ao ponto de nem irem pro trabalho com medo de bomba, de assalto, etc. E eu pergunto: "o que é que eu tenho a ver com isso tudo?", eu não estou sacaneando ninguém, eu não roubo ninguém, não sou nem da elite e nem do PCC e nem da periferia. Nada disso me representa. Mas eu me vejo num fogo cruzado. Pô, o que é isso, cara?! Eu procuro legitimar meu trabalho de artista como palhaço e vem um caldeirão de gente que joga merda no ventilador, junto com essas pessoas que têm visão equivocada sobre palhaço. Palhaço é uma das artes mais nobres que existem e as pessoas têm que perceber isso. O Elifas Andreatto vê no palhaço o símbolo do artista de todas as artes. Por isso é que eu sou a fim de protesto.

Portal da CPT — Fala um pouco sobre o que você anda produzindo...

Clerouak — "Música do Quarto Mundo" é um espetáculo que pra mim já é velho, mas pouca gente viu esse meu trabalho. É uma brincadeira de palhaço em cima de músicas étnicas, áreabes, japonesas, sempre brincando com essa história das línguas. E esse meu discurso ideológico está todo lá.

Portal da CPT — É pra rua?

Clerouak — Rua e teatro, embora o ganho maior aconteça no teatro. E agora eu vou inaugurar um evento chamado "Circo do Quarto Mundo", numa parceria em que a Nau de Ícaros está participando do pontapé inicial. Esse trabalho eu vou fazer em rua e onde der. Eu vou estar de mestre-de-cerimônia e a idéia é chamar pessoas que queiram fazer números, cuja proposta inicial necessariamente não tenha que ir no encalço de algo que já deu certo ou de uma receita de arte. Eu vou propor às pessoas que elas se arrisquem como artistas, entende? Esse, aliás, foi o princípio do Sarau dos Charles. É o "Circo do Quarto Mundo", como se fosse uma quarta tentativa de ter um compromisso com a criação, com a arte e propor. Não sei! Acho que podem aparecer coisas interessantes como também podem não aparecer... Começa na Nau de Ícaros, dia 5 de agosto.

Portal da CPT — O que foi que te despertou essa idéia?

Clerouak — Quando eu te encontrei em Boissucanga eu estava ajuntando uma grana pra comprar um carro e sair fora, mambembar. Eu comprei uma Variante, colori ela toda, pintei as calotas de vermelho, enchi de flores e o que aconteceu? Era um carro antigo e eu resolvi testar ele em algumas viagens pro Interior, fazendo show de rua, rodando o chapéu. Quando eu vim pra S. Paulo me roubaram o carro! Parecia que tinha morrido alguém, de tanto que eu chorei, porque eu vendi tudo o que eu tinha, o meu computador, tudo o que você imaginar, pra comprar esse carro. Chorei pra caralho. Puta, cara! Fiquei completamente desesperançado, desolado com o ser humano. Aí eu pensei: se quem está fazendo isso comigo é o ser humano, só quem pode me ajudar nesse sentido é o próprio ser humano. Porque a coisa está tão caótica... antigamente o bandido tinha um ideal romântico de libertação, não é?

Não ficavam roubando Variantes-74! Hoje a coisa tá séria e eu resolvi procurar a Nau, expliquei a minha situação pra eles e eles resolveram fazer essa festa junto comigo, repartindo tudo meio a meio. A minha parte eu vou juntar com a do Recreio nas Férias e comprar outro carro, com uma boa trava, e vou dar prosseguimento a essa minha história de sair por aí viajando e mambembando, fazendo show de rua com o "Circo do Quarto Mundo", com o qual eu chego nos lugares, pego os artistas dali e faço onde der. Se não tiver lugar, em última instância eu faço nalguma praça ou rua. Mas o que eu sinto é que você tem que ser guerreiro, viu, cara! E a Arte, pra mim, é coisa pra louco...

Portal da CPT — Você tem se mostrado um artista coerente consigo mesmo... na coragem de ser o que você é.

Clerouak — Estou mais tolerante, agora, com as pessoas. Durante uns quatro anos, quando eu era punk, eu freqüentei um centro anarquista. O Jaime Coberos, que era um arquivo vivo do anarquismo, aqui em S. Paulo, um sapateiro italiano que chegou nos Anos 20, ele me falava que o sistema capitalista que a gente vive, toda essa engrenagem, se você atende ao que ele está te pedindo, ele te recompensa. Se você não serve a ele, ele te pune. Eu não vivo fora do sistema capitalista: eu preciso de dinheiro. Mas, eu não abaixo muito a minha calça pra sobreviver, não mostro a bundinha pra eles, seja Sesc ou prefeitura.

Como é que você vai argumentar com um Sesc que eles estão errados e você está certo? A lógica popular é a de que a corda arrebenta do lado mais fraco, então nunca vou conseguir argumentar de modo a eles abaixarem a cabeça: eles vão me tesourar, pra trabalhar. Seja qual for o erro deles! Você manda o teu mapa de palco determinando que você necessita daquela aparelhagem pronta com três horas de antecedência, porque você vai chegar com os músicos pra passar o som. Eles não te ligam dando uma satisfação, você chega três horas antes e não tem nada montado, e o cara que vai te dar suporte não está sabendo de nada!

Portal da CPT — Mas isso não varia de unidade para unidade ou até mesmo de equipe pra equipe?

Clerouak — Aí você tem que correr junto com o cara, carregar a aparelhagem com ele e praticamente entrar em cena se maquiando, porque eles querem que você comece naquele horário! Aí você vai para um outro Sesc e o cara te bota um som merda que na hora do trabalho some. Qual é que é a desses caras, bicho? E se você fala mal, quer dizer, pergunta o motivo pelo qual isso aconteceu, é você que está errado. Então a gente vive em um mundo em que eles estão certos e vão estar sempre certos. Os políticos, as elites que dominam o nosso povo, pra todos eles a gente está sempre errado. Então tem que ser guerreiro mesmo.O que é interessante, pra mim, é que eu descobrir formas de auto-gerir a minha arte que eu não dependo. Se acabar a prefeitura, "Arte nas Ruas", Sescs, se acabar tudo isso mesmo assim eu sobrevivo, cara, com meu trabalho, porque eu vou pra rua, rodo o meu chapéu, vendo o meu cd e pago as minhas contas. É o que me deixa feliz. Mas é foda, não é fácil, não! Se eu puder escolher, é claro que vou querer trabalhos pros Sescs ou prefeituras, porque o cachê é mais bacana, mas eu não quero me ver refém disso.

Entrevista por Portal da Cooperativa Paulista de Teatro

domingo, 1 de março de 2009

4- O MOVIMENTO PUNK E A VINCULAÇÃO COM A VIOLÊNCIA.


Enviado por luther.blisset em 5. novembro 2007
Resposta ao debate: Punk: movimento ou gangue? clica no linque direto e leia a rápida questão - motivação do seguinte manifesto

Desde o início do ano uma série de casos de violência envolvendo punks tem sido veiculada pela mídia e, neste mês de outubro, dois casos ocorridos em um curto intervalo de tempo tiveram enorme repercussão. Frente a todos estes acontecimentos, nós, do Movimento Anarco-Punk de São Paulo, vimos a necessidade de retratar, relatar e nos posicionar ante aos fatos.É preciso ressaltar primeiramente que estas ações não têm quaisquer ligações com a cultura, política e filosofia de vida proposta pelo Punk.As idéias e ações punks sempre estiveram diretamente ligadas à mudança radical do sistema social no qual vivemos, através da música, estética, meios alternativos de difusão da informação, e das diversas formas de manifestação cultural e política do Punk através dos tempos. O movimento Punk tem uma origem de luta e resistência contra o sistema, uma quebra de valores sociais e morais; é inegável também a militância e reconhecimento de punks dentro de diversos movimentos sociais, não como supostos "baderneiros", mas como aliados dentro dos interesses revolucionários. Vide por exemplo a atuação de indivíduos punks junto ao movimento negro, homossexual, de luta por moradia, indígena, entre outros. Logo, não podemos aceitar que estes acontecimentos sejam generalizados e veiculados como verdade absoluta no que concerne ao movimento Punk como um todo.Nossa história fala por ela mesma. Nossa luta é contra o sistema, e não contra o povo!Nós, Anarco-Punks, não propagamos e nem compactuamos com a violência ou com o ganguismo. Mas, entretanto, é necessário que lembremos que vivemos atualmente em meio a uma onda de violência urbana crescente, em uma sociedade que promove o consumismo, a competição e a ganância, e que, por outro lado, provoca e legitima uma profunda desigualdade social. Ante a este quadro, em que a violência se torna fator preponderante, casos de agressão, brigas e assassinatos, entre jovens, velhos, homens, mulheres, etc., são cada vez mais freqüentes, indo muito além do que agora se atribui como um fenômeno ligado ao Punk, ou aos casos que chegam aos jornais ou entram nas estatísticas. Pessoas exterminam-se como em uma guerra e nada é feito pelos governantes parasitas e burocratas acomodados, que apelam unicamente às forças policiais como meio de resolução do problema. Será preciso que lembremos de pontos básicos como educação e cultura? Até quando a sociedade irá procurar supostos responsáveis "criminosos" para um fenômeno da qual ela própria é, de fato, responsável? Mais uma vez afirmamos que a luta punk é a favor do povo e contra o Estado, a burguesia e os defensores deste e outros regimes totalitários: buscamos a liberdade e não a opressão!Percebemos na forma como tais casos tem sido tratados a deturpação de nossos princípios, que com o apoio e ampla divulgação dos tendenciosos meios de comunicação de massa, vem minando os focos de luta e resistência popular Punk.Há tempos nós, Punks, somos atacados e deturpados pela mídia corporativa, e desde o início da década de 80 sentimos e resistimos a este problema. O que no início gerou uma grande queda no movimento, atualmente é utilizado como mera manchete, da forma mais barata e tendenciosa possível. A cooptação do punk pelo sistema tornou fatos terríveis como estes notícias de extremo valor para o grande circulo midiático corporativo, colocando pessoas como meras personagens secundárias. Assim, o importante é o sangue e a violência, e não o que gerou estes atos. No entanto, quando explanamos isso, não falamos de algo superficial, tal como esta mídia tem abordado estes casos. Falamos de algo muito mais profundo, como em que condições diárias estão colocados trabalhadores e trabalhadoras, estudantes, senhores e senhoras; que fatos do cotidiano levaram a estes atos "Em quais condições sociais sobrevivem". Pois nada acontece de uma hora para outra... A partir desta vinculação midiática do Punk com a violência, é perceptível também a tentativa de criminalização do Movimento Punk como um todo, como se fosse possível atribuir este tipo de violência como característica de todo um grupo. Termos como "grupo raivoso", "ataques de punks", ou comparações de semelhança entre o Punk com grupos fascistas como os skinheads tem pautado um discurso que, para além de deturpar nossos princípios e ideais, passam a justificar a repressão a todos/as os/as Punks. Assim, em poucos dias já se veicula a informação de que o Movimento Punk e inclusive nós, Anarco-Punks, seremos alvo de investigação policial, sem que se questione a arbitrariedade destas medidas. E assim se criminaliza, sob um discurso arbitrário, todas as manifestações culturais e políticas de caráter pacífico que o Movimento Punk produz e produzirá daqui pra frente. Não podemos compactuar com isto! As manifestações populares não podem ser enquadradas como criminosas sem que ao menos questionemos! Não defendemos e nunca apoiaremos estes atos de violência, mas o que questionamos é a forma mentirosa como eles são divulgados, colocando vítimas como mártires e agressores como carrascos, tudo para finalizar uma "boa notícia" que mais parece uma peça de teatro. Mas com isso nós perguntamos: quantas vidas são necessárias para uma "boa notícia"? Fazemos também a mesma pergunta que foi feita pelo cineasta Michael Moore ao dono da corporação transnacional Nike, Phil Knight, "quantos milhões são necessários para satisfazer seu ego"?Nos parece estranho ainda, quando se coloca no papel de vítima um indivíduo que, colocado como "estudante espancado", é, na realidade, parte de um grupo neonazista que tem como prática principal, no exercício de sua intolerância, este mesmo tipo de ação violenta, direcionada a homossexuais, imigrantes e outros, como foi veiculado pela imprensa o caso ocorrido em fins de outubro nas imediações do batalhão de policia militar (rota).Os fatos que tem ocorrido, com ou sem motivos plausíveis, não se justificam. Vidas não podem ter valores, não se agrega preços ou importância, são vidas!Logo, tendo em vista todos os esforços que nós, Anarco-Punks, temos empenhado dentro de nossa luta por reconhecimento da vida e dos direitos dos seres vivos, não podemos ser coniventes com atitudes que apenas deturpam nossa militância e nossos ideais. Estes não são atos punks, mas de pessoas que não tem a mínima percepção e/ou relação com o que é de fato a cultura punk, ao tomar atitudes totalmente opostas àquilo que buscamos, que é o respeito às diferenças, a tolerância, e um mundo igualitário entre os diferentes. Também não apoiamos quaisquer atos de intolerância, sejam eles de homofobia, racismo, machismo, sexismo, etc.Enquanto pessoas morrem nas ruas das periferias e o sangue escorre para o asfalto desta grande metrópole que é São Paulo, nós, punks, resistiremos a toda a deturpação e ataque deste sistema à nossa cultura de luta e resistência popular.Fatos como estes são, para nós, de extremo repúdio, fruto de pessoas mal informadas e vitimadas pelo parasitismo social que este sistema impõe aosindivíduos. Estamos sentidos pelas reais vítimas destes atos, pessoas pobres que assim como nós, lutam para sobreviver dentro deste sistema opressor. E ante aos fatos, o próprio Movimento Punk torna-se vítima também.Continuamos na luta por mudanças e pela revolução social e contra toda e qualquer forma de fascismo e intolerância, sejam estes institucionais ou individuais.