sábado, 16 de maio de 2009

6º CRÍTICA AO TEATRO FÚRIA E OS INSURRETOS FURIOSOS DESGOVERNADOS


Se curador, inscreveria no próximo festival de teatro, indubitavelmente, o Teatro Fúria, de Cuiabá. O que nos encanta mais no Fúria? É difícil dizer. Talvez tudo. Isso. Certamente, tudo. Algo neles explode à vista. Essa coisa, a criatividade. E essa coisa não vem carregada de chiliques arte-educativo e outros. Aí a negligência pura, neles é simplicidade estudada. Péricles Anarcos, Marcelo Valente, Yandra Firmo, Giovanni Araújo e Rodrigo Toledo fazem de conta que são iniciantes apenas inspirados. Mas um rápido look nos programas, por exemplo, lhes designará Cândida Bitencout, designer com a mesma fúria da minúcia quase doentia de um J. Denis! Recife tem direito a conhecê-los melhor, penso. Precisam voltar, por que Frederica é um processo estupendo a se aprender, e eu não vi. Porque Apartamento 501 há uma sacada e foi feito num apartamento ao lado do meu e eu não vi. Como sei? Perguntei aos que viram! ( é o que me faz bom jornalista). Eu vi Encaixotando Shakespeare. Uma gracinha. E vi sua Caixa-Mágica, que é nossa própria essência. E olha, uma vez eu soube que três doidos deram, em três horas, no Festival de Edimburgo, todos os textos de Shakespeare- poemas incluídos! Aí, vidrei. E me disse: vou preparar algo assim, e mais, Shakespeare é sopa. E cadê que saia! Eu, e tantos, não chegamos às sandálias poeirentas e dramatúrgicas desse menino de Cuiabá, eis a razão, brothers e sisters!
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Vi Nepal. E me amarrei em Nepal no universo poético de jogos simples de linguagem, de contatos. Se faz e refaz a cada instante. Citei Beckett em outra coluna. Ora, o Fúria é Kantor e Samuel, ao molho cuiabano. Só não estamos mais num entre - guerras europeu, mas num fim de mundo, talvez-aqui-mesmo, talvez saído da primeira página da Bíblia de nossos crentes, ou de nossos mitos Desâna. Uma recriação. De tudo.
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Como é bom ver um escritor jovem, como Péricles Anarcos, escrevendo em posição positiva. Na inversa de Margueritte Duras de Chuvas de Verão. Ela, que amo, dizia da Criação: “não faltava nem um pequeno seixo, nem uma criancinha faltava e não valia a pena, e mais, não faltava uma única folha de árvore. E não valia a pena”.
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Você conheceu esse texto aqui mesmo no Recife, trazido pelo Consulado e Aliança Francesa. Sob forma de vídeo. Não viu? Vá ao Consulado e peça bis, svp!
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Aprendi algo mais, do Palco Giratório, com o Teatro Fúria de Cuiabá. E esse algo ficava brilhando nos olhos de cada um deles, o tempo todo. Primeiro recebemos – com o Fúria – um site e programas de informação cuidadosa e bem acabada. Até pesquisa de opinião fazem!!! E nós que achamos opinião de público um crime, hein?! Recebemos uma excelente dramaturgia própria. Além de um apartamento aqui, uma Caixa-Mágica ali, um manicômio acolá, em cenários. Enxuto, simples e perfeito. Tudo só encantamento.
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Depois, o que lhes reluzia os olhos, foi nos trazer a poeira, a corda, o texto e a tralha, suas estradas. Foram deixando no nosso palco as pegadas molhadas de Traço e com elas o modelo de um trabalho coletivo, onde o poder se re-divide e todos aprendem e fazem tudo. Onde finalmente se dança, se canta, se toca e a esperança se faz possível.
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Como o exercício do viajar faz bem aos olhos! Se isso não for a melhor ação cultural, não sei o que é. Se isso não for o que Aristóteles chamava de techné, também não sei o que é.
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O Palco Giratório do SESC é uma iniciativa privada no bom sentido. O resto do capitalismo brasileiro é pura privada mesmo.
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É fácil ser o gênio de um paiseco, ou um mundeco, de 500 pessoas. Como o é fácil, em um mundão de um bilhão. O difícil é partilhar sua grandeza com milhões de outras pessoas. Vivemos num mundo onde Tchekovs, Beckets e Leonardos da Vinci se dissolvem em multidão, correndo todo dia na Conde da Boa Vista, ninguém sabe em busca de quê, ninguém sabe para onde. Se pudessem partilhar algo, participar das coisas, teríamos algo como a Renascença Pernambucana.
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O Sesc banca parte da circulação dessas coisas. Daí que perdi Frederica e Apartamento 501! Não mandaram avisar que ia haver a festa! Em Petrolina, soube agora enquanto redijo, só foram umas 30 pessoas. E de graça! Diabos, cadê o planejamento? Cadê as políticas culturais? Cadê a mídia? Cadê a grana da propaganda? Cadê a grana? Cadê. Cadê?! Vamos lá, pedintes, vamos lá mendicantes, vamos suplicar!
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Cuia balançando a mão aí, pessoal!
O famigerado discurso Fome Zero acabará também aplicado a nós. Políticos e suas políticas já nos reduziram à mendicância absoluta. VERSOS DO NÓS: SESC CASA AMARELA, Sab, 20h.
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Paulo Michelotto – Diário de Pernambuco – 14/06/2003

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