sábado, 16 de maio de 2009

6º CRÍTICA AO TEATRO FÚRIA E OS INSURRETOS FURIOSOS DESGOVERNADOS


Se curador, inscreveria no próximo festival de teatro, indubitavelmente, o Teatro Fúria, de Cuiabá. O que nos encanta mais no Fúria? É difícil dizer. Talvez tudo. Isso. Certamente, tudo. Algo neles explode à vista. Essa coisa, a criatividade. E essa coisa não vem carregada de chiliques arte-educativo e outros. Aí a negligência pura, neles é simplicidade estudada. Péricles Anarcos, Marcelo Valente, Yandra Firmo, Giovanni Araújo e Rodrigo Toledo fazem de conta que são iniciantes apenas inspirados. Mas um rápido look nos programas, por exemplo, lhes designará Cândida Bitencout, designer com a mesma fúria da minúcia quase doentia de um J. Denis! Recife tem direito a conhecê-los melhor, penso. Precisam voltar, por que Frederica é um processo estupendo a se aprender, e eu não vi. Porque Apartamento 501 há uma sacada e foi feito num apartamento ao lado do meu e eu não vi. Como sei? Perguntei aos que viram! ( é o que me faz bom jornalista). Eu vi Encaixotando Shakespeare. Uma gracinha. E vi sua Caixa-Mágica, que é nossa própria essência. E olha, uma vez eu soube que três doidos deram, em três horas, no Festival de Edimburgo, todos os textos de Shakespeare- poemas incluídos! Aí, vidrei. E me disse: vou preparar algo assim, e mais, Shakespeare é sopa. E cadê que saia! Eu, e tantos, não chegamos às sandálias poeirentas e dramatúrgicas desse menino de Cuiabá, eis a razão, brothers e sisters!
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Vi Nepal. E me amarrei em Nepal no universo poético de jogos simples de linguagem, de contatos. Se faz e refaz a cada instante. Citei Beckett em outra coluna. Ora, o Fúria é Kantor e Samuel, ao molho cuiabano. Só não estamos mais num entre - guerras europeu, mas num fim de mundo, talvez-aqui-mesmo, talvez saído da primeira página da Bíblia de nossos crentes, ou de nossos mitos Desâna. Uma recriação. De tudo.
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Como é bom ver um escritor jovem, como Péricles Anarcos, escrevendo em posição positiva. Na inversa de Margueritte Duras de Chuvas de Verão. Ela, que amo, dizia da Criação: “não faltava nem um pequeno seixo, nem uma criancinha faltava e não valia a pena, e mais, não faltava uma única folha de árvore. E não valia a pena”.
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Você conheceu esse texto aqui mesmo no Recife, trazido pelo Consulado e Aliança Francesa. Sob forma de vídeo. Não viu? Vá ao Consulado e peça bis, svp!
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Aprendi algo mais, do Palco Giratório, com o Teatro Fúria de Cuiabá. E esse algo ficava brilhando nos olhos de cada um deles, o tempo todo. Primeiro recebemos – com o Fúria – um site e programas de informação cuidadosa e bem acabada. Até pesquisa de opinião fazem!!! E nós que achamos opinião de público um crime, hein?! Recebemos uma excelente dramaturgia própria. Além de um apartamento aqui, uma Caixa-Mágica ali, um manicômio acolá, em cenários. Enxuto, simples e perfeito. Tudo só encantamento.
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Depois, o que lhes reluzia os olhos, foi nos trazer a poeira, a corda, o texto e a tralha, suas estradas. Foram deixando no nosso palco as pegadas molhadas de Traço e com elas o modelo de um trabalho coletivo, onde o poder se re-divide e todos aprendem e fazem tudo. Onde finalmente se dança, se canta, se toca e a esperança se faz possível.
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Como o exercício do viajar faz bem aos olhos! Se isso não for a melhor ação cultural, não sei o que é. Se isso não for o que Aristóteles chamava de techné, também não sei o que é.
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O Palco Giratório do SESC é uma iniciativa privada no bom sentido. O resto do capitalismo brasileiro é pura privada mesmo.
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É fácil ser o gênio de um paiseco, ou um mundeco, de 500 pessoas. Como o é fácil, em um mundão de um bilhão. O difícil é partilhar sua grandeza com milhões de outras pessoas. Vivemos num mundo onde Tchekovs, Beckets e Leonardos da Vinci se dissolvem em multidão, correndo todo dia na Conde da Boa Vista, ninguém sabe em busca de quê, ninguém sabe para onde. Se pudessem partilhar algo, participar das coisas, teríamos algo como a Renascença Pernambucana.
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O Sesc banca parte da circulação dessas coisas. Daí que perdi Frederica e Apartamento 501! Não mandaram avisar que ia haver a festa! Em Petrolina, soube agora enquanto redijo, só foram umas 30 pessoas. E de graça! Diabos, cadê o planejamento? Cadê as políticas culturais? Cadê a mídia? Cadê a grana da propaganda? Cadê a grana? Cadê. Cadê?! Vamos lá, pedintes, vamos lá mendicantes, vamos suplicar!
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Cuia balançando a mão aí, pessoal!
O famigerado discurso Fome Zero acabará também aplicado a nós. Políticos e suas políticas já nos reduziram à mendicância absoluta. VERSOS DO NÓS: SESC CASA AMARELA, Sab, 20h.
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Paulo Michelotto – Diário de Pernambuco – 14/06/2003

sexta-feira, 15 de maio de 2009

MANIFESTO PRA CIÊNCIA GERAL DO PORQUÊ DO BLOGZINE DIÁRIO DO TEATRO FÚRIA E OS INSURRETOS FURIOSOS DESGOVERNADO NÃO ESTAR DIÁRIO ATÉ DIA 5 DE JUNHO.

Pois é macacada. Já notaram que o nosso blogzine se encontra desatualizado já há alguns dias. Há nisso uma vantagem: A campanha pela internete livre , contra esse projeto traiçoeiro, que é a última matéria postada, que se passa, principalmente deixa a internete mais alienante e menos criativa.

Cá em Hell City, vamos fazer uma passeata argentina partindo da assembléia legislativa rumo às ruas com nossas panelas, alfaias, faixas e gritos de guerra indignados. Se todo mundo que usa internete e é contra essa barbárie nos acompanha, esse projeto não passa. Então vamos, minha gente? Tomar o que é nosso? As ruas e a web? Quando a gente se conscientiza que a nossa indignação é semente pra revolução anti-alienação, a gente fica muito eufórico. Eu estou. Louco pra chegar logo o dia 25. Indignação brotada revolução não permite a prosperidade da ditadura


Enfim. O motivo do recesso não é esse, mas fico mui contente que o recesso forçado seja mui, mui também útil. Conspira a nosso favor o universo. Sim. Porque estamos em recesso porque estamos pondo em prática um sonho : O Teatro Fúria agora também é Cinema Fúria!!! Ruá! Daí que estou sem tempo de postar.O computador está sendo ocupado exclusivamente pro filme. Vamos filmar a partir do dia 20, (25 terei recesso pro protesto cortejo argentino) ao dia 5 de junho. Um longa, macacada! O Fato é a gente tinha o sonho de fazer isso em Curita, uma parada que no esboço do sonho é uma coisa meio teatro meio cinema. Cinema desencantado. Por exemplo o o filme DogVile é quase desencantado no que diz respeito principalmente no estilo do filme. Eu tenho um cunhado que é teatreiro e principalmente cinemeiro. Dá aula de ambos na universidade de Atlanta, nos EUA, e tinha vontade de fazer um filme cá no Brasil. Então calhou de haver um congresso pra ele em sampa daqui a 2 meses e ele adiantou em 2 meses a viagem pra fazer o filme conosco. Fizemos um duelo de roteiros pra ver quem predominava, com as possibilidades daqui. O meu roteiro apanhou (pra veres bem como a coisa é foda pois muita gente acha minha dramaturgia muito razoável) e vamos rodar o dele, com a equipe dele, com a nossa ajuda e com nosso elenco de insurretos desgovernados. Transmigração do corpo e da alma é o título em português. O fato é que tem muito poucas falas pois há um ator estadunidense da equipe do Sheldon e da Flávia, minha irmã, que está chegando de Atlanta e fará com o Giovanni um par de irmãos. Então há 2 versões pro filme. Uma estadunidense e outra brasileira, onde as poucas falas serão rodadas 2 vezes. Uma com o Giovanni e o Andrew falando em inglês e outra com os dois falando em português. Aí haverá correção de pronúncia em ambos os casos por meios eletrônicos semelhantes no caso do santoro naquele filme 300. Era pra ser um curta, mas como a idéia grande não necessariamente tem de ter grande produção, calhou de termos poucas locações, poucas exigências de produção, muitos insurretos anti-alienantes dispostos a colaborar no cinema pra quem quer e não pra quem pode, e vimos que dava pra rodar um longa se aprimorássemos a idéia do roteiro. Taí a sinópse da história do nosso primeiro filme, porque com detalhes não tenho tempo agora pois a coisa tá rolando. Quem tiver urgência em saber como é que é, junta-se a nós que lhe vamos narrando enquanto vamos fazendo até que você se atualize. Hasta luego. Há! Não esqueça da passeata dia 25!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

AÇÃO CONTRA O PROJETO DE VIOLAÇÃO DE LIBERDADE E IMPLANTAÇÃO DO VIGILANTISMO NA INTERNET

ALERTA GERAL: SENADOR AZEREDO AUMENTA PRESSÃO PARA APROVAR SEU PROJETO DE VIOLAÇÃO DA LIBERDADE E IMPLANTAÇÃO DO VIGILANTISMO NA INTERNET

O Senador Azeredo,
eleito presidente da Comissão de Relações Internacionais do Senado, no dia 4 de março, a partir de sua nova posição está pressionando o governo para apoiar a aprovação do seu projeto de criminalização da Internet na Câmara.

No dia 5 de março, o deputado conservador ligado ao PSDB, Regis de Oliveira (PSC-SP), conseguiu aprovar seu
parecer favorável ao projeto do Senador Azeredo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. O Parecer afirma que o projeto vigilantista e violador da privacidade na rede é constitucional e clama pela sua aprovação .

O projeto de lei do Senador Azeredo quer destruir as redes abertas, impor o fim da comunicação anônima na Internet e criminalizar práticas cotidianas na rede. Abre espaço para atacar as redes P2P, como tem ocorrido em todo o mundo (veja o exemplo do julgamento do Pirate Bay). O projeto do Senador Azeredo é apoiado pela Febraban e pelos banqueiros que querem repassar para a sociedade os custos da segurança bancária.

Quem quiser se somar à luta pela liberdade e privacidade na Internet, envie um e-mail para o deputado do seu Estado pedindo que vote contra o projeto de crimes da Internet re-escrito pelo Senador Azeredo. Porcure no site da Câmara o e-mail do deputado do seu Estado:
http://www2.camara.gov.br/canalinteracao/faledeputado

Leia as postagens que esclarecem os riscos dos artigos 285-A, 285-B e 22 do projeto-substitutivo do Senador Azeredo:
http://samadeu.blogspot.com/search/label/contra%20PLC%20do%20Azeredo

Ajude a divulgar a
petição contra o projeto original do Senador Azeredo.

domingo, 10 de maio de 2009

MANIFESTO FURIOSO DESGOVERNADO AOS FILHOS DAS PUTAS QUE VENDEM AS MÃES NO SEGUNDO DOMINGO DE MAIO




MANIFESTO FURIOSO DESGOVERNADO AOS FILHOS DAS PUTAS COMERCIANTES FILIADOS AOS CLUBES DE DIRETORES LOGISTAS OU NÃO, NESTE TAL DOMINGO - DIA DAS MÃES.

SE QUEREM PROMOVER SEUS LUCROS EXPLORANDO A "QUERIDA MAMÃE", QUE EXPLOREM AS VACAS QUE SÃO AS SUAS, E TAMBÉM AS DOS ESCRAVOS ALIENADOS E ALIENADORES QUE ESCUTAM OS LIXOS DOS SEUS ANÚNCIOS IDIOTAS A PROMOVER O DIA-DE-COMPRAR-PRESENTES-PARA-MÃE,-SENÃO-SOU-UM -PÉSSIMO -FILHO.
SUGIRO QUE DESISTAM DE TENTAR COLOCAR A MINHA MÃE NESSA PUTARIA, JUNTO COM AS PUTAS QUE SÃO AS SUAS, POIS ISSO ME MOTIVARÁ A PÔR EM PRÁTICA A IDÉIA DE SUGERIR AOS QUE COMO EU, NÃO SEJAM FILHOS DA PUTA, UMA NOVA TRADIÇÃO NO SEGUNDO DOMINGO DE MAIO: DIA DO VIDRACEIRO. SERIA MARAVILHOSO UM DIA DE PROSPERIDADE PARA OS VIDRACEIROS, TRABALHANDO EM PLENO DOMINGO TROCANDO OS VIDROS DAS VITRINAS DE COMERCIANTES FILHOS DAS PUTAS COMO VOCÊS, RUÁ, RUÁ, RUÁ!!!




sábado, 9 de maio de 2009

ANOS DE CHUMBO - Boal e Loreta: As lembranças do exílio e da esperança.


ANOS DE CHUMBO - Boal e Loreta: As lembranças do exílio e da esperança.
por Augusto Buonicore*


O comovente livro de memórias da comunista Loreta Valadares ''Estilhaços'', conta-nos um pouco do papel destacado desempenhado pelo teatrólogo Augusto Boal no movimento internacional de solidariedade à luta do povo brasileiro durante a ditadura militar.


Loreta e seu marido Carlos acabavam de ingressar no Partido Comunista do Brasil, vindos da Ação Popular, quando tiveram que abandonar o Brasil. Estávamos no segundo semestre de 1973. O casal viajou primeiro para a Argentina e de lá pretendiam seguir para o Chile, onde governava o presidente socialista Salvador Allende. Ali se encontrariam com Diógenes de Arruda Câmara, dirigente histórico do PCdoB.


No aeroporto de Ezeiza, prestes a embarcar, receberam a notícia do sangrento golpe militar que acabara de acontecer. Nenhum vôo partiria aquele dia para capital chilena, convertida num campo de caça aos militantes de esquerda. Centenas de pessoas foram obrigadas a se refugiar na embaixada da Argentina, entre elas estava o velho Arruda.


Aos dois jovens exilados brasileiros só restava ficar onde estavam e se integrarem ao Comité de Solidariedad com los Pueblos de Latino América (Cosolpla), composto por argentinos, brasileiros, uruguaios e agora chilenos. Foi ali que encontraram pela primeira vez Augusto Boal. Ele já era um dos maiores diretores e autores de teatro brasileiro e havia passado um período difícil nos cárceres brasileiros.


A primeira luta desenvolvida pelo Cosolpla foi pela concessão de asilo político para todos os que se encontravam refugiados na embaixada argentina de Santiago. A luta foi bem sucedida, mas ao chegar ao país os exilados ficaram confinados em um hotel sem liberdade de locomoção. Nova campanha foi travada para que eles pudessem gozar da condição de asilados ou pudessem se dirigir para outros países. Isso foi conseguido ainda no governo Perón.


Então, foi organizado um grande ato internacionalista de solidariedade ao povo chileno. Sobre esse fato conta Loreta no seu livro: “Começaram as discussões sobre quem vai falar. Os brasileiros se reúnem para decidir quem fala em nome do Brasil. Discutimos com o Careca (apelido do dirigente do PCdoB Dyneas Aguiar) e nós, de nosso partido, vamos apresentar uma proposta de nome que amplie, que represente a todos nós e que tenha boas posições políticas. Escolhemos o nome de Boal. Após muitas disputas com outras forças políticas no grupo brasileiro, o nome é aprovado. Será Boal o nosso orador.”


Uma multidão marchou até a Praça de Maio – na frente da Casa Rosada – onde se realizaria o comício. Depois de falarem inúmeros representantes de entidades argentinas e de exilados latino-americanos, foi a vez de Boal usar da palavra. Ele estava nervoso e confessou aos camaradas mais próximos que nunca tinha falado para um público tão grande. Mais tarde, Loreta descreveria a cena emocionante: “Ele começa, a princípio meio tímido, depois se empolga, empolgando todo o público com suas palavra (...) Mas o delírio é maior quando ele fala da resistência e da solidariedade dos povos, principalmente da resistência armada no Brasil – a Guerrilha do Araguaia. É ovacionado no comício, desce do palanque contente, tinha ultrapassado a barreira de falar para grandes massas”.


Na casa de Augusto e Cecília, sua companheira argentina, se reuniam exilados como Darcy Ribeiro, Thiago de Melo e o compositor Manduca. Ali se discutia a situação do Brasil e também as idéias avançadas de Boal sobre o Teatro do Oprimido. No seu exílio argentino ele começara escrever Milagre no Brasil. O outro livro, Jane Spitfire, seria dedicado aos seus jovens amigos comunistas Carlos e Loreta – usando seus nomes da guerra: Ana e Jorge.


Os brasileiros no exílio divulgavam a Guerrilha do Araguaia, especialmente através do Noticiero Brasilero e depois pela Revista Araguaia. Passavam em salas de aulas para divulgar a luta do povo brasileiro contra a ditadura e a campanha pela anistia. Empolgados com a recepção, resolveram organizar um novo ato de solidariedade. Este foi realizado num Estádio de Box com a presença de cerca de 4 mil pessoas de várias nacionalidades. Boal, novamente, foi escolhido para falar. Dessa vez discursaria sobre a resistência armada do Araguaia. O público emocionado aplaudiu de pé. O que eles não sabiam é que a guerrilha já estava ferida de morte, com a destruição de sua comissão militar e o assassinato do comandante Maurício Grabóis, ocorrido em 25 de dezembro de 1973.


Com a morte de Perón em julho de 1974 e a posse de Isabelita, iniciou uma fase de instabilidade política que iria culminar com o golpe militar de março de 1976. Os exilados, agora ameaçados por milícias direitistas, começaram a abandonar o país. Arruda conseguiu asilo na França. Loreta e Carlos, ainda em 1975, seguiram para Suécia. Boal, correndo risco de vida, continuou mais algum tempo na Argentina.


Em janeiro de 1976, Loreta participou do Tribunal Russell, que julgou os crimes cometidos pelas ditaduras militares da América Latina. Ela falou sobre a censura e a repressão à imprensa no Brasil em nome dos jornalistas que não puderam estar presentes. O ex-presidente da UNE, então membro do PCdoB, José Luís Guedes falou em nome dos estudantes perseguidos, presos e desaparecidos. Na ocasião, os comunistas tentaram trazer Boal para depor, mas as autoridades argentinas não lhes deram o passaporte. Organizou-se uma campanha pela concessão do visto de saída e a autorização para que ele pudesse residir em Portugal. Felizmente, antes que o ano acabasse, ele já estaria salvo em Lisboa.


No Brasil governava o presidente Geisel e falava-se em abertura política. Isso era uma farsa, pois a caça aos comunistas continuava. Em dezembro de 1976, na cidade de São Paulo, os órgãos de repressão atacaram a casa onde se reunia o Comitê Central do PCdoB e assassinaram os dirigentes Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Na mesma operação João Batista Drummond morreu sob bárbaras torturas e vários outros militantes foram presos e torturados. Era a chamada Chacina da Lapa.


A Anistia Internacional organizou uma campanha específica contra a tortura e pela libertação dos prisioneiros. Atos se realizaram por toda a Europa. Mas seria em Portugal que se conseguiu uma maior mobilização. Um manifesto com 40 mil assinaturas foi levado à embaixada brasileira, mas não foi recebido. No dia 21 de janeiro de 1977 um comício reuniu milhares de pessoas no Palácio dos Desportos na cidade de Lisboa. Novamente Augusto Boal usou a palavra para denunciar a ditadura militar e pedir anistia aos presos político brasileiros.


Alguns anos depois, quando das comemorações dos 30 anos daquela chacina, Boal escreveu uma carta que dizia: “Não só hoje, mas todos os dias, devemos lembrar desses covardes assassinatos, cometidos pela subversiva ditadura cívico-militar que, durante tantos anos, torturou e assassinou tantos patriotas empenhados apenas em restaurar a democracia violada, ditadura que concentrou riquezas e distribuiu misérias. Temos que acreditar na Pedagogia da Memória, não como vingança, mas porque só através do estudo do passado poderemos entender o presente, e preparar o futuro”.


Carlos, Loreta e os Boal se encontrariam mais uma vez em Portugal e depois na França nos anos de exílio. A ditadura militar brasileira – acossada pelo povo – começava a perder força. Em 1979 foi obrigada a conceder a anistia aos presos políticos e autorizar a volta dos exilados. Carlos e Loreta voltariam em janeiro de 1980. Boal levaria ainda mais alguns anos para voltar definitivamente ao Brasil. No seu romance Milagre no Brasil ele buscou descrever as esperanças renascidas entre os prisioneiros políticos depois da chegada das primeiras notícias sobre a existência da Guerrilha do Araguaia. O seu personagem narra os últimos momentos na prisão: “Pedi ao magro que continuasse o seu relato, que não se interrompesse por causa de minha partida. Mas os meus companheiros quiseram se despedir de mim. Me lembro que chorei. Me lembro que depois agarrei a minha mala enquanto o magro retomava o relato e contava da guerrilha do Araguaia que vinha resistindo há dois anos e que estava cada vez mais forte. Não se tratava de um simples foco, mas sim um movimento que contava com o inteiro apoio da população e por isso havia resistido tanto tempo e por isso se fortalecia. Os olhos de Buda brilhavam. Depois de muitos dias, pude ouvir sua voz pedindo: - conta mais, conta mais ...”


“Quando desci, no pátio ainda se podia ouvir sua voz. Abriram um enorme portão de ferro e eu saí. Lá fora, já não se ouvia mais a sua voz. Lá fora tinham medo de falar, muitos tinham a cara de medo. Mas certamente estavam vivos; por dentro, inaudivelmente, estariam gritando que estavam vivos. Fui embora para casa. Se me lembro bem, eu estava contente. Muito contente.”


Hoje não temos mais Loreta e Boal ao nosso lado, mas continuamos seguindo seus passos e nos utilizando sabiamente da pedagogia da memória, não permitindo que nos façam esquecer do nosso passado e nem nos tirem a esperança do futuro. Continuaremos gritando: Estamos vivos!


*Augusto Buonicore, Historiador, mestre em ciência política pela Unicamp/Site O Vermelho.


sexta-feira, 8 de maio de 2009

A GRANDE MÍDIA AGONIZA EM PRAÇA PÚBLICA

MÍDIA - A Grande Mídia agoniza.Viva a Mídia Livre!
Vinícius Souza e Maria Eugênia Sá *





A grande mídia agoniza em praça pública. Os chamados jornalões como o Jornal do Brasil, O Globo, Folha de S. Paulo e Estadão, além das revistas semanais como Veja, IstoÉ e Época jamais terão novamente o poder e a influência que tiveram ou pensavam ter num passado recente. E as grandes redes de TV como Globo e Bandeirantes devem seguir o mesmo caminho, apesar de sua derrocada ser mais lenta devido aos custos de produção, à capilaridade regional por meio das afiliadas e à penetração que têm nos rincões mais escondidos do Brasil. Para essas, contudo, também é só uma questão de tempo. No lugar dos meios de comunicação tradicionais, surge uma nova, ampla e heterogênea gama de veículos, alguns impressos mas a maioria digital. É a mídia alternativa, ou livre. E nesse embate tem sido fundamental a interatividade proporcionada pelos Blogs e sites de entidades, sindicatos, jornalistas, estudantes, profissionais liberais e até donas de casa. As pessoas comuns finalmente têm um megafone virtual para sua voz e estão juntas construindo o conhecimento e um entendimento melhor sobre o mundo real em que vivem.



O ponto de virada foram as últimas eleições presidenciais em 2006 e o processo se agudiza quanto mais nos aproximamos do pleito de 2010. A Grande Mídia foi aliada de primeira hora e apoiadora destacada do golpe civil-militar de 1964, sendo por isso um dos setores mais beneficiados pela ditadura. Um dos exemplos flagrantes é acordo inconstitucional com a estadunidense Time-Life que deu a Roberto Marinho US$ 6 milhões que lhe permitiram construir a Globo em 1965 e torná-la a mais influente rede de TV do país nos anos seguintes. Outros acordos, no entanto, foram menos claros, como os retratados pela pesquisadora Beatriz Kushnir no livro "Cães de Guarda - Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988" em que são apresentados casos como o do funcionário da Abril enviado por Victor Civita para treinar os censores em Brasília, e dos bastidores da Folha da Tarde, Jornal do mesmo grupo da Folha de S. Paulo que cedia as vans de entrega para transportar presos políticos para sessões de tortura. Com as benesses da ditadura, a Folha se tornou o diário de maior circulação no país. Certamente um agrado para quem em editorial de 1971 chama o governo militar de "sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular", e mais, que "está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social".



Nos anos 1980, com o apoio ao movimento pelas Diretas Já e o discurso de jornalismo "profissional, imparcial e isento", como se isso fosse possível, a Folha atingiu o seu ápice em tiragem e credibilidade. Na virada da década a Globo mostrou todo o seu poder "elegendo" Fernando Collor de Melo com o debate editado no Jornal Nacional, e ajudando a derrubá-lo inflando os "caras-pintadas". Mas a decadência viria na sequência. O início do fim foi a conspiração da mídia na criação do "escândalo do mensalão", até hoje não provado, com o objetivo declarado pela oposição de "sangrar até a morte" o Governo Lula. Contudo, apesar das manchetes, dossiês e aloprados, não conseguiram eleger seu candidato. E na esteira dos poucos veículos e blogs que então remavam contra a maré, como a revista Carta Capital e os diários de Internet de jornalistas do porte de Luís Nassif ( http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/) e Paulo Henrique Amorim ( http://www2.paulohenriqueamorim.com.br/) , descobrimos que era possível comprar matérias de capa em revistas do porte e da antiga credibilidade de IstoÉ.



A Veja, então, abriu uma cova sob seus pés, enveredando totalmente para a ficção, os assassinatos de reputação e a falta de qualquer escrúpulo ou critério jornalístico, sempre em benefício de acordos comerciais e da oposição cega ao governo. Para não nos alongarmos em exemplos, basta citar os 22 capítulos da série "O Caso de Veja" ( http://luis.nassif.googlepages.com/ ), que no auge chegou a ter link em cerca de 800 blogs. O problema é que o resto da Grande Mídia embarcou com tudo na onda achando que poderiam vender mais jornal com oposição a qualquer custo e manchetes cada vez mais sensacionalistas e não com o investimento em jornalismo sério. O resultado tem sido exatamente o inverso. Segundo os números do Instituto Verificador de Circulação ? IVC, em fevereiro desse ano as vendas dos dez maiores jornais diários do país caíram 6,45% em relação à fevereiro de 2008. E a queda só não foi maior por causa de jornais mais populares, como o mineiro Super Notícia (R$ 0,25 e segundo no ranking nacional) cuja circulação caiu "apenas" 3,3%. A tiragem da Folha, com quase 300 mil exemplares por dia, por exemplo, caiu 6,6% no período. O Globo foi além, com queda de 9,3%, mas ainda abaixo do Estadão (-15,3%). Os números globais do IVC, no entanto, mostram que a circulação de jornais no Brasil cresceu 5% em 2008, puxada exclusivamente por veículos fora do ranking dos dez maiores.



Todos os grandes jornais tiveram perdas pesadas de circulação durante toda a última década apesar do aumento da população e da alfabetização. A Folha caiu de uma média diária em 2000 de 429.476 exemplares (chegou a tirar 1,25 milhão de exemplares com vendas de fascículos de um atlas aos domingos em 1995) para 298.352 em março desse ano. O Estadão foi de 391.023 para 217.414; o Diário de S. Paulo de 151.831 para 61.088; e o Jornal da Tarde de 58.504 para 50.433. Nos outros estados acontece o mesmo: O Dia tirava 264.752 em 2001 e hoje não chega a 100 mil exemplares; O Globo caiu de 334.098 em 2000 para 260.869. O Extra caiu menos, de 264.715 para 258.324; assim como o Correio Braziliense (de 61.109 para 52.831). Já o Correio do Povo foi de 217.897 exemplares diários em 2000 para 155.774 em março último.



"Os jornais vêm perdendo tiragem desde o meio da década de 1990, mas até 2006 os colunistas garantiam uma certa pluralidade na mídia que eu chamo de 'formadora de opinião', que é fundamentalmente manipuladora, só que isso acabou", disse Nassif na mesa redonda "A mídia em debate", promovida pela Agência Carta Maior no último dia 24 de abril ( http://www.cartamaior.com.br/templates/tvMostrar.cfm?evento_tv_id=52). "O exemplo mais claro é que os 'formadores de opinião' apostaram todas as suas fichas no Gilmar Mendes como grande figura da oposição e o transformaram em uma unanimidade: o sujeito mais odiado do Brasil". De fato, apesar da Globo ter tentado manipular os telespectadores contra o Ministro Joaquim Barbosa, o vídeo da discussão entre os dois, amplamente divulgado pelo YouTube ( http://www.youtube.com/watch?v=sIUdUsPM2WA), mostra para quem quiser ver, as grosserias de Gilmar Mendes com o colega. Apesar disso, no final de semana seguinte apenas a Carta Capital trouxe o assunto na capa. A Veja, que havia dado uma capa elogiosa a Barbosa quando esse denunciou os supostos participantes do mensalão como "quadrilha", deu uma notinha interna com o preconceituoso título "O dia de índio de Joaquim Barbosa", (tudo a ver com uma editora que tem 30% de suas ações nas mãos do o grupo de mídia sul-africano Naspers, que apoiou o Apartheid). Merval Pereira, do O Globo, seguiu a linha de que Barbosa teria "um histórico de desentendimentos com vários outros ministros", e aproveitou para dar a informação de que Mendes tem uma foto de FHC em sua mesa de trabalho. Já Josias de Souza, em seu Blog na Folha Online, afirma que Mendes tenta "colocar panos quentes", mas que Barbosa "é o recordista de processos pendentes de julgamento no STF" e que "Na ponta do lápis, já se indispôs com seis colegas", os quais cita nominalmente. Mas basta abrir os mais de 700 comentários ao texto original de Josias de Souza sobre o bate-boca para ver de que lado está a população. Isso se ainda estiverem lá, porque a UOL deletou o link para uma enquete sobre qual juiz tinha razão na discussão assim que viu os resultados esmagadores. Vão às ruas, jornalistas! Ou pelo menos leiam direito o recado da Internet.



Com a pluralidade e a articulação entre os blogs, portais e sites de análises que surgiram principalmente depois das eleições de 2006, o povo já não engole tão fácil qualquer manipulação. E exige, nas ruas e na Internet, a retratação e o reposicionamento dos veículos. Quando a Folha usou a desculpa de mais um editorial contra o presidente da Venezuela Hugo Chavez para introduzir no Brasil o vocábulo "ditabranda" e depois chamou dois conceituados professores universitários de cínicos e mentirosos por não aceitarem essa nomenclatura, o Movimento dos Sem Mídia ( http://edu.guim.blog.uol.com.br/) convocou uma protesto em frente ao jornal. A notícia correu de blog em blog, sem qualquer divulgação mais organizada. Em uma manhã de sábado com cara de chuva, mais de 500 pessoas compareceram ao local, obrigando a direção da Folha a voltar atrás e afirmar em nota assinada pela redação que foi "um erro" utilizar a expressão. Mas infelizmente o jornal não se emendou.



No último dia cinco de abril, a Falha novamente tenta manipular seus leitores com uma grosseira "revisão histórica". Em matéria de capa com o objetivo claro de torpedear a futura candidatura presidencial da Ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, o jornal deturpou uma entrevista dada pelo antigo dirigente militar da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares ? VAR Palmares, para afirmar em manchete que "Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim". Pior, o jornal publicou também na primeira página o que seria uma "ficha policial" da ministra que teria sido fornecida pelos arquivos do DOPS com os crimes a ela atribuídos. Imediatamente o entrevistado Antonio Roberto Espinosa desafiou a Falha a publicar (ainda que apenas na versão online) a íntegra da entrevista gravada para provar que ele jamais disse que Dilma saberia do tal plano de sequestro, que no final não ocorreu. A negação da própria ministra também ficou escondida no meio do texto interno e suas dúvidas sobre a autenticidade da ficha passaram ao largo. Foram necessários mais 20 dias e muita mobilização na Internet para o que jornal publicasse, novamente sem destaque em uma página interna, que houve "um erro técnico" ao dizer que a ficha pertenceria ao DOPS, já que "a imagem" na verdade teria sido enviada "por uma fonte" e que sua "autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada - bem como não pode ser descartada".



A tal ficha é uma fraude tosca produzida provavelmente por antigos torturadores e que circula na Internet em sites de direita há mais de um ano. De acordo com Espinosa, o "provável autor, é o hoje coronel reformado (na época major) Lício Augusto Ribeiro Maciel, o Dr. Asdrúbal, torturador e assassino de dezenas de pessoas em Xambioá. A seguir foi reproduzida por dois dos mais conhecidos blogs da direita mais reacionária, também alimentado por quadros subalternos do regime militar, o 'Ternuma', do notório coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o 'A verdade sufocada ? As histórias que a esquerda não quer contar', também mantido por sargentos e oficiais de baixo escalão dos porões". Não por coincidência, a desculpa da Folha de que não poderia provar a fraude é a mesma usada pela Veja há alguns anos para publicar um dossiê forjado por Daniel Dantas para acusar vários membros do Governo Lula de possuírem contas ilegais em paraísos fiscais. Com isso, e assegurando o anonimato da fonte da "imagem", o jornal tenta se eximir de futuros processos judiciais. O próprio ombudsman do jornal, Carlos Eduardo Lins da Silva, em seu artigo "Até ver se a ficha cai" de 03/05/2009 (um mês após a publicação da ficha forjada), lamenta que a Redação "encerrou a apuração desse episódio seriíssimo e não acha necessário rever procedimentos de checagem de informações", que apesar do "Manual" do jornal prever a identificação de fontes que passem "informações erradas" isso não foi e nem será feito no caso, além de nenhum funcionário ser punido. Ele, no entanto, tem "poder" apenas para "sugerir" mudanças.



Mas se os jornais, revistas e TVs estão perdendo leitores e credibilidade com suas fraudes e manipulações, a quem interessa a publicação desse tipo de matéria? Obviamente à oposição! E a alguns interesses comerciais dentro das "empresas jornalísticas". Nesse ponto, novamente a Internet e sua vasta rede de colaboradores comuns, gente do povo, tem muito a contribuir. "O blog é um show dos leitores na construção do conhecimento", diz Nassif. "Quando publiquei o relatório interno do STF sobre o suposto grampo telefônico, em poucos minutos quatro técnicos e engenheiros enviaram mensagens informando que o rastreamento era equivocado, tendo sido feito de dentro para fora e não de fora para dentro do prédio e a única possibilidade seria de alguma equipe externa de TV. Algum tempo depois, outro leitor foi buscar as imagens do STF no Google Earth e demonstrou que para haver um grampo externo, a recepção teria que ter sido feita necessariamente do estacionamento do STF, do Congresso ou do Palácio do Planalto e que à 1:00 da manhã certamente haveria um registro de quem estaria nesses locais. Assim, a Policia Federal não pode fechar esse caso porque teria que afirmar categoricamente que o Presidente do Supremo mentiu deliberadamente com o objetivo de plantar uma notícia falsa na imprensa".



Também na Internet, por meio dessa rede de blogs, é possível rastrear uma série de pagamentos sem licitação realizados diretamente pelo Governo de São Paulo aos representantes da Grande Mídia. Por meio da Secretaria de Educação, o candidato do PSDB, José Serra, transferiu à Editora Abril, da Veja, os endereços residenciais de todos os professores da rede pública para que recebessem a revista Nova Escola. São 220 mil assinaturas no valor de R$ 3,7 milhões. Se forem incluídos os exemplares do Guia do Estudante, também da Abril, o custo total aos cofres públicos estaria perto de R$ 10 milhões somente no segundo semestre de 2008. Esse ano, segundo o contrato 15/014/09/04 publicado no Diário Oficial em 15 de abril, são mais R$ 12.963.060,72 para 25.702 assinaturas da Revista Recreio, também da Abril, por 608 dias. Mas os jornalões não podiam ficar de fora, por isso estão sendo adquiridas esse mês mais 5.449 assinaturas da Folha de S. Paulo e 5.449 assinaturas do Estadão para distribuição em todas as escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, tudo, claro, sem licitação. Os processos administrativos não trazem o período de assinatura e nem o valor dos contratos. Mas se for pelo valor integral (como ocorreu nos outros casos citados) da assinatura anual de cada jornal todos os dias da semana, estamos falando em algo em torno de R$ 7 milhões. Por outro lado, o Movimento dos Sem Mídia estima que a Folha tenha perdido dois mil assinantes somente durante o episódio da "ditabranda". Nada mais justo do que o governo de São Paulo recompensar um jornal aliado, certo?



[Publicado originariamente na Ideias em Revista - SisejufeRJ - abril/maio 2009]* Jornalistas, fotógrafos e documentaristas independentes.http://mediaquatro.sites.uol.com.br



fonte Centro de Mídia Independente - Brasil

quinta-feira, 7 de maio de 2009

TV UTOPIA - AUTOGESTIONÁRIA, ALEGRE, CRIATIVA E REBELDE!!!


TV Utopia: autogestionária, alegre, criativa e rebelde!


A televisão aliena, manipula, desinforma, conduz à passividade. É uma droga psíquica. Pesquisas recentes demonstram que ela faz mal à saúde. Além de ser uma atividade sedentária, à qual crianças e adolescentes dedicam até mais de cinco horas por dia, induzindo à ingestão de alimentos gordurosos, que provocam a obesidade.


Enfim, criticar a TV é chover no molhado. Mas, no panorama televisivo mundial, existem experiências libertárias, alternativas, menos totalitárias, que encorajam as pessoas a não ficarem coladas ao televisor, mas serem participantes ativas.


Um exemplo dos mais recentes é a TV Utopia, de Buenos Aires, Argentina. Uma experiência de TV autogestionária, criativa, alegre, reflexiva, rebelde... que apesar de findado, vale a pena registrar e divulgar. E a ANA conversou com um dos “ex” utopistas, Osmar Salas Fernández, um argentino pra lá de simpático, que conta a seguir um pouco da história dessa Utopia televisiva. Estamos torcendo pra que ela volte ao ar, hermanito Osmar. Por que é preciso... Sim... É preciso... Por que é tempo de revolta! É tempo de não morrer! É tempo de Utopia!!! Força!


Nascimento


Utopia nasce em 1989 e vai ao ar pela primeira vez desde um bairro muito humilde aqui de Buenos Aires, que é conhecido como “Forte Apache”. O “papai” do projeto foi Fabian Moyano, junto a outros descontrolados que se chama Walter (“capo” em eletrônica), outro compa uruguaio chamado Nelson e o irmão de Fabian chamado Adrian. Tanto Fabian como Adrian estão mortos.


Por razões de segurança o canal andou “girando” por outros bairros até que se instalou no populoso bairro da Capital Federal que se chama Caballito.


Para que se entenda melhor o nascimento de Utopia é necessário contar-te que o primeiro transmissor (coração de qualquer meio de comunicação) que tivemos foi expropriado de um ex-governador da província de “Catamara” de nome Ramón Saadi, hoje por sorte falecido.


Esta pessoa usava-o em sua província para beneficio próprio, mas um dia o transmissor quebrou, aí teve que ser trazido para a capital, para ser recuperado. Caiu nas mãos de Walter e Fabian Moyano, que eram professores de música, e foram quem viram o uso revolucionário que podia dar esse monte de cabos. Se fosse falar de Fabian daria para escrever um livro aparte.


Custos


O custo de uma TV desse tipo é sumamente reduzido. Para o pagamento dos nossos gastos contávamos, no seu melhor momento, com uns sessenta anunciantes de bairros, que pagavam quando podiam os anúncios filmados que nós mesmos produzíamos. Era mais um pagamento simbólico que outra coisa, uma troca. Anúncio de gente do comércio, frigoríficos, fretes, artigos de limpeza, lojas de brinquedos, quitandas, classes de dança etc.


Hoje, a única coisa que necessitamos para ir ao ar, é um lugar num edifício com certa altura (20 andares para cima), e aí num espaço de 2x2 metros podemos fazer “destroços”.


É certo que funcionam milhares de rádios alternativas de curto alcance, e são, pelo menos, muito valiosas, mas o que uma TV pode gerar é incalculável.


Alcance


O alcance de Utopia cobria mais ou menos 50 quilômetros em linha reta. Para ambos os lados dessa linha imaginária. A quantidade de telespectadores jamais soube, mas fizemos muitíssimo ruído em toda zona noroeste da Capital Federal e Província de Buenos Aires.


Invasão


Desde o seu começo, até o dia que deixamos de transmitir (30 de outubro, vai fazer dois anos) o canal foi invadido por autoridades policiais e despejados em 14 oportunidades. Mas Fabian colocava outras tantas vezes no ar com a ajuda imprescindível dos vizinhos.


Quem fechava a TV era o governo, não importa se chamava Carlos Menem, ia ser fechado por qualquer representante do sistema que estivesse de turno.


24 horas no ar


Desde o bairro de “Caballito” emitíamos às 24 horas do dia. A programação era sumamente variada, as 6 da manhã arrancávamos com uma bolsa de trabalho que consistia em passar aos telespectadores os pedidos de trabalho que eles mesmos nos solicitavam (reparação de eletricidade, pedreiros, cuidar de crianças, apoio escolar, serviços vários...). E mais a difusão dos avisos que colavam os comerciantes em suas vidraçarias solicitando gente para trabalhar. Nada de outro mundo, mas essas “changas” (trabalho de pouca importância), às vezes salvava o dia de algum vizinho.


Às sete começava o informativo, onde se liam os diários e os comentávamos, mais nossas notas filmadas sobre conflitos trabalhistas, marchas de aposentados, marchas sindicais, fatos de atualidade do bairro ou não, e tudo o que fosse de interesse para as pessoas. Quase sempre o que nós transmitíamos não passava na TV comercial. Os estudantes eram notícias todos os dias, e eles mesmos vinham denunciar seus problemas e gerar noticias. A participação telefônica para nós era imprescindível, e nossas linhas estavam abarrotadas de chamadas que sem limite de tempo eram “sacadas ao ar” sem nenhum tipo de corte.


Anarquia infantil


Às 8:30 aproximadamente, se as ligações permitiam, aparecia na tela uma criancinha de 10 anos, telespectador que passava desenhos animados e atendia as chamadas de outras crianças. As conversas que se davam entre elas eram um programa aparte. Os desenhos que eram transmitidos não eram os convencionais já que roubávamos os melhores (ao nosso entender) que se passavam na TV a cabo. E em muitas ocasiões (a maioria) os meninos traziam filmes que queriam dividir com seus pares. Eram duas horas de total anarquia infantil, às vezes não podíamos tirá-los do ar!


Mais filmes e noticiários


Ao meio dia passávamos dois filmes de longa metragem, ou vídeos musicais onde Silvio Rodriguez, Pablo Milanês, Caetano, Milton, Zitarroza eram como convidados de pedra, sempre estavam na programação. Concertos de música clássica, tango (pouco, mas bons) e assim...


O noticiário central era um clássico: começava às 21 horas, mas nunca saiamos do ar quando terminava. As notas se sucediam e as discussões telefônicas eram intermináveis. A favor ou contra elas sempre iam ao ar. Ninguém colocava limite de tempo e nos comíamos a cada insulto, que jamais respondíamos no noticiário, outro telespectador se encarregava disso. A opinião era respeitada ainda que, às vezes, nos prendíamos em cada uma que nem te conto. Dá-lhe que dá-lhe aos conflitos, as marchas, as repressões, as reportagens aos sindicalistas de base e a outros, aos aposentados, aos sem voz, aos estudantes, aos políticos tradicionais e aos que nunca saíram em outra TV.


Nada de gel


O noticiário das 21 horas era impagável. Houve dias, a maioria, que o descontrole se impunha, por mais que tratássemos de estabelecer um dialogo respeitoso. A realidade passava por cima de nós, e isso nos encantava.


Nada de maquiagem, nada de gel no cabelo, nada de cortes nem posturas, liberdade absoluta! Ao ponto que muitas vezes os que integrávamos o canal nos “acotovelava” por nossas diferenças de opinião.


A partir das 00:00 horas voltava à calma aparente. Três filmes eram a opção que dávamos aos telespectadores. Eles votavam por telefone qual seria o primeiro a entrar, e assim passávamos os três. Os filmes conseguíamos nas locadoras (gratuitos) ou os telespectadores cediam.


Presos


As quintas eram dias de festa. A noite estava dedicada aos presos de uma unidade carcerária que nos assistiam. Eles pediam os filmes e mandavam suas mensagens. Os filmes, por suposto, eram eróticos. E os meninos e nós, fazíamos a festa. Ninguém podia acreditar nisto, mas a comunicação que conseguíamos era impagável!


As partidas de futebol que havíamos perdido quando nos convidavam a ir jogar na penitenciária, eram desafios tão especiais que saiamos feito bolsa, já que eles ficavam dentro e nós seguíamos fora. Cada vez que havia uma “batucada” no cárcere de Devoto (unidade Carcerária N2) os primeiros, a saber, éramos nós, e para lá íamos com eles.


Por que não está no ar


A TV convencional ou comercial tem tanta, mas tanta influencia em nossas vidas, que para a grande maioria das pessoas parece impossível que outro tipo de TV seja possível. Que uma pessoa comum possa aparecer numa tela dizendo sua verdade, é como algo inacreditável. Que um operário, uma prostituta, um vizinho do bairro ou um catador de papelão diga o que vem na cabeça, sem que ninguém o corte uma só palavra é impossível de muitos acreditarem, e, sobretudo, que se respeite.


Então, Moésio, é um acúmulo de coisas que faz com que Utopia não esteja no ar. O medo, as pressões interiores, as economias e também nossa incapacidade de convencimento para demonstrar que um produto que esteve saindo durante nove anos possa estar ativo outra vez.


O desconhecimento da maioria das pessoas que não sabem da experiência do canal é tremenda, e desmoralizante. Enquanto te escrevo me vem à imagem da passagem de Quixote quando enfrenta os moinhos de vento.


É verdade que levamos nossa proposta as Assembléias de Vizinhos, também aos grupos políticos de esquerda, aos Centros de Estudantes, as Organizações de Direitos Humanos, as Mães da Praça de Maio, aos Centros de Aposentados combativos, as comunidades aborígines, as comunidades excluídas do sistema, como bolivianos, peruanos, paraguaios etc. Todos tiveram em seu momento um espaço ilimitado e livre na nossa programação, mas...

TV e passividade


Você me pergunta se essa é uma TV que não leva à passividade do telespectador. Evidentemente não é a resposta. O telespectador é a televisão. Sem a sua participação ativa não é televisão alternativa, é outra coisa, é a TV comercial. Seriamos estúpidos em acreditar em tudo que a TV nos diz, a aceitá-la sem questioná-la, a ser um fenômeno de massas que só serve para vender espelhinhos ou vidros coloridos; beba coca-cola e será loiro e feliz!


Nada de prêmios


Recebemos diversos prêmios por nossa transmissão, é verdade, dados por organismos semi-oficiais, e nunca fomos receber para não parecer que pertencíamos a um meio de comunicação do sistema. Nos mantivemos virgens a esse respeito, e nos felicitamos por isso. Talvez por isso, dormíamos todas as noites felizes de haver cumprido minimamente o nosso trabalho.


Este não é o fim, mas palavras finais...


Moésio, esta é, numa grandíssima visão geral, um canal de televisão que é parte de nossas vidas. A utopia que pretendemos reinstalar. Há muito mais para contar, mas como você sabe, o “tempo é tirano”. Pessoalmente seria um gozo impagável vê-lo novamente no ar, mas não sei expressar isso com palavras escritas, só se sente por dentro e muito intimamente.


Se andares por estas latitudes entre em contato com a gente, ademais de tomarmos uns mates (amargo), terás a oportunidade de levar algum material filmado do canal que tanto nos faz perder a razão.


Aqui estamos, quando vir, talvez nos abraçamos. Nos encantaria conhecer-te pessoalmente. De futebol, não falaremos nada, certo? Um abraço fraterno.




Moésio_Rebouças mr.ana@terra.com.br


C í r c u l o V i c i o s o


Andei, parei e sentei.

Sentei pois cansei e deitei.
Dormi e sonhei que andei...


Alberto
Agência de Notícias Anarquistas-ANA


terça-feira, 5 de maio de 2009

MANIFESTO ANTI- TROPICALISTA - POR AUGUSTO BOAL - AINDA NOBRE.


como o Boal se foi há já algumas horas, e cá no BlogZine era tratado como Novo Nobre porque estava vivo, será agora tratado como Velho Nobre, como Brecht, Kantor, Julian Beck... e portanto inaugurando sua nova posição, seu primeiro manifesto como Velho Nobre. Aqui um manifesto redigido em 68.


TROPICALISMO - SÍMBOLO DA MAIS BURRA ALIENAÇÃO


Augusto Boal


"Folha da Tarde, 29 de maio de 1968


O primeiro manifesto antitropicalista acaba de ser redigido por Augusto Boal, que vai lançá-lo na I Feira Paulista de Opinião, que estréia dia 5 de junho no Teatro Ruth Escobar, abordando o tema O QUE PENSA VOCÊ DO BRASIL DE HOJE? Boal diz o que pensa do Brasil e da arte que aqui se faz no texto Que pensa você da arte de esquerda?, que ele escreveu como fundamentação da feira. Um dos capítulos desse texto é o manifesto antitropicalista, intitulado Chacrinha e Dercy de Sapato Branco. Em cinco itens o diretor do Teatro de Arena define a sua opinião sobre o movimento de Caetano Veloso e outros que têm como inspiração e símbolo a banana:


'1. O Tropicalismo é neo-romântico - todo ressurgimento do romantismo baseia-se no ataque às aparências da sociedade, agride a usura desumana (o que faz supor a usura humanizada), agride os burgueses pederastas (excluindo os garanhões) e as burguesas lésbicas (excluindo as bem-aventuradas). Agride o predicado e não o sujeito.


2. O Tropicalismo é homeopático - pretende destruir a cafonice endossando a cafonice, pretende criticar Chacrinha participando de seus programas de auditório.


A participação de um tropicalista num programa do Chacrinha obedece a todas as coordenadas do programa e não às do tropicalista - isto é, o cantor acata docilmente as regras do jogo do programa sem, em nenhum momento, modificá-las: veste-se à maneira do programa, canta as músicas mais indicadas para este tipo de auditório dopado e, finalmente, se essa platéia já está habituada a ganhar repolhos, o cantor, mais sutilmente, atira-lhe bananas.


3. O Tropicalismo é inarticulado - justamente porque ataca as aparências e não a essência da sociedade, e, justamente porque essas aparências são efêmeras e transitórias, o Tropicalismo não se consegue coordenar em nenhum sistema - apenas xinga a cor do camaleão. Seus defensores conseguem apenas alegar vagos desejos de "espinafrar" ou mais moderadamente declaram que "não há nada a declarar".


4. O Tropicalismo é tímido e gentil - pretende épater, mas consegue apenas enchanter les bourgeois. Quando um outro cantor se veste de roupão colorido, isso me parece falta de audácia. Eu vou começar a acreditar um pouco mais nesse movimento quando um tropicalista tiver a coragem de fazer o que Baudelaire já fazia no século passado: andava com cabelos pintados de verde com uma tartaruga colorida atada por uma fitinha cor-de-rosa. No dia em que um deles fizer coisa parecida é capaz até de dar uma boa dor de cabeça a algum policial... (Será sem dúvida uma contribuição para a revolução brasileira...)


5. O Tropicalismo é importado - desde o desenvolvimentismo de JK, quando apareceu o cinema novo, a bossa nova e a nova dramaturgia brasileira, o Brasil não importava arte. Agora, em cinema, é comum assistir a filmes dirigidos por Vincent Minelli (ou quase) para a MGM, coisas do gênero Garota de Ipanema; em teatro, assiste-se à avalancha inglesa misturada com a crueldade provinciana, copiada de Grotowsky Living Theatre, em música, depois do iê-iê-iê vemos a maioria dos nossos cantores procurando fantasias e até Roberto Carlos, que já era símbolo acabado da mais burra alienação, voltou da Europa com os óculos e os bigodes de John Lennon.


Estas são as características do Tropicalismo - afirma Augusto Boal - e, de todas, a pior é a ausência de lucidez. E esta ausência permite que qualquer um fale em nome de todos. Ora, Che Guevara significa a um só tempo um exemplo de luta e um método de conduzir essa luta. Se alguém afirma que o corpo de Che é tão tropical como uma barata voando, estará apenas revelando o seu próprio caráter cafajeste e reacionário. Mas, como dentro do Tropicalismo ninguém define sua própria posição, qualquer imbecil de vista curta, ao balbuciar cretinices como essa, pretende falar em nome de todo o conjunto de havaianos - e estará efetivamente falando até o momento em que algum tropicalista trace os limites do estilo que adotou.


A I Feira Paulista de Opinão sobre o Brasil pretende denunciar também as tendências da arte de esquerda, que facilitam a dominação da direita: o neo-realismo que analisa a vida dos camponeses, operários e lumpens, como as peças de Plínio Marcos, e que funciona como empatia filantrópica. O espectador, por assistir à miséria alheia, julga-se absolvido do crime de ser ele também responsável por essa miséria; a tendência exortativa, tipo Arena Conta Zumbi, que adota a técnica maniqueísta de conflito entre "o lobo e o cordeiro"; o Tropicalismo "que pretende ser tudo e não é nada". O Teatro de Arena quer encontrar a superação dessas tendências, uma saída para a esquerda. '


Na feira o público terá contato com essas e mais outras tendências. Verá peças de Augusto Boal (A Lua Pequena e a Caminhada Perigosa), Bráulio Pedroso (É Tua a História Contada?), Lauro César Muniz (O Líder) e Plínio Marcos (Verde que Te Quero Verde). Obras de poetas e artistas plásticos de São Paulo, como Flávio Império, Aldemir Martins, Mario Chamie, Maria Bonomi, Manabu Mabe e outros. Composições de Ari Toledo, Caetano Veloso, Chico Buarque, Edu, Gil, Sérgio Ricardo e Pablo Neruda. E qualquer pessoa pode participar da feira enviando uma obra de arte - quadro, escultura, caricatura, fotografia, cartaz, poema, frase, ensaio, peça, canção - dizendo O QUE PENSA VOCÊ DO BRASIL DE HOJE?


jorrado da fonte rizoma.net
LEIA TAMBÉM SE DESEJAR UMA ENTREVISTA DO BOAL ANTES DE VIRAR VELHO NOBRE
E OUTRA SOBRE SEU TEATRO


segunda-feira, 4 de maio de 2009

OS PERFORMÁTICOS DE CÂMARAS DE VIGILÂNCIA


Os Performáticos de Câmeras de Vigilância

Agência de Notícias Anarquistas-ANA

Parece inacreditável – eu mesmo achei que era brincadeira – mas alguém conseguiu pensar nisso: um grupo de performáticos americanos criou uma pequena trupe dedicada exclusivamente a atuar em frente de câmeras de vigilância. Os Performáticos de Câmeras de Vigilância (Durveillance Câmera Players), um misto de anarquismo militante, situacionismo extremado e bom humor, existe em Nova Iorque desde 1995, e inspirou a fundação de outros semelhantes no Arizona (EUA), São Francisco (EUA), Bolonha (Itália) Estocolmo (Suécia) e Lituânia.

Os grupos adotam a tática que chamam de “Programação Guerrilheira de Equipamentos de Vigilância por Vídeo”. Segundo texto disponibilizado em seu sítio, “um grupo de indivíduos cria um cenário e atua usando as câmeras de vigilância como se fossem suas, como se estivessem produzindo seu próprio programa, e como se audiência consistisse da equipe de segurança, polícia, diretores de escolas, moradores de condomínios fechados, e os próprios produtores e vendedores de sistemas de segurança.

O grupo de programação guerrilheira pode escolher qualquer câmera que achar conveniente e interessante, tendo em mente, é claro, que algumas câmeras são monitoradas ao vivo, enquanto outras gravam fitas que provavelmente serão vistas apenas no caso de algum crime acontecer nas horas de seu funcionamento”.

(...) O grupo pode escolher imitar as estruturas tradicionais do teatro, cinema, comédia de TV ou documentário, ou jogar tudo pro alto e improvisar. O grupo pode escolher um horário regular, digamos, terça-feira às 8:30 da noite, para veicular seu programa; ou em vez disso, resolver transmitir uma produção de gala de 5 horas”. Algumas mudanças foram feitas no programa original (“Hoje, os PCV concentram-se nas pessoas que, por acaso, passam e vêem nossas performances”), mas a idéia básica continua a mesma: atuar em frente a câmeras de segurança.

É isso mesmo: eles montam uma peça e apresentam-na diante da câmera, como forma de mostrar a quem estiver no outro lado da câmera que eles também estão sendo observados e estudados; chamar a atenção das pessoas para a existência das câmeras e a vigilância completa de suas vidas; levantar questões como o uso de softwares de reconhecimento facial e o fim da privacidade dos cidadãos; e trazer a público fatos esquecidos pela sociedade do espetáculo (em termos baianos, por exemplo, a revolta dos escravos em Ilhéus, em começo do século XIX) ou outros que, infelizmente, não aconteceram (ex.: a morte do jovem ACM numa briga de gangues no Campo da Pólvora).

As peças seguem um esquema simples, podem ser usados textos/temas já existentes – como, por exemplo, 1984 de George Orwell; Psicologia de Massas do Fascismo, de Wilhelm Reich; Esperando Godot, de Samuel Beckett; todos estes já representados; os performáticos reúnem-se em frente à câmera escolhida; o mestre de cerimônia anuncia o começo do espetáculo com uma placa, voltada para a câmera, onde se lê: Surveillance Câmera Player presents... Logo após, é erguida outra placa com o título da peça, e começa o espetáculo.

É um teatro mudo; todo o “texto”, extremamente reduzido, está em cartazes, erguidos pelos atores ou pelo mestre de cerimônias. Todo o resto é feito a partir de cartazes pendurados nos pescoços dos atores (como as placas “6079 SMITH W” e “4224 DOE J”, que identificam Winston e Julia em 1984), mímicos (um “apontar coletivo” para a câmera é gesto comum) ou máscaras.

Durante a representação, outras pessoas podem estar distribuindo material de denúncia ou de relexào, como, por exemplo, Antonin Artaud e o Teatro da Crueldade; Software de Reconhecimento Facial; Sobre a Webcam Opewrada em Público pelo Município de Tempe; Arizona; Sobre a Vigilância Televisiva Sem Fio em Nova Oirque; dentre vários outros. Também colam adesivos sob as câmeras, indicando sua presença.

PARTICIPE SE DESEJAR!

Se possível documente tudo, e divulgue em fanzines, jornais, webs e tudo mais. Seja criativo! Não seja tímido! Não tenha medo de demonstrar seu sentimento! Sua confiança inspirará outros.
Mais infos da campanha e ”d’Os Performáticos de Câmeras de Vigilância”,
entre no site: http://www.notbored.org/ Lá você encontrará fotografias, vídeos
clips, tapes, scripts...

E-mail: notbored@panix.com
Colaborou ativamente: Manoel Bobfrip, de Salvador (Bahia)
Agência de Notícias Anarquistas-ANA

domingo, 3 de maio de 2009

UMA SEMANA COM NOAM CHOMSKY - ENTREVISTA AO JORNAL DO BRASIL NA ÉPOCA DOS ATENTADOS DE 11 DE SETEMBRO.


Entrevista do JB com Noam Chomsky

Entrevista do Jornal do Brasil com o Noam Chomsky sobre a situacao atual dos E.U.A.

Noam Chomsky: um pensador crítico da política externa dos Estados Unidos

Desde terça-feira, um dos mais importantes pensadores americanos, Noam Chomsky, professor do Massachussetts Institute of Technology (MIT), dá entrevistas uma atrás da outra, faz conferências e palestras e tenta, assim como todo americano, superar o trauma deixado pelos atentados terroristas contra as torres do World Trade Center, em Nova Iorque, e ao prédio do Pentágono, em Washington. Chomsky, um pensador dissidente do establishment político americano, é chamado a ajudar a encontrar respostas às perguntas que se multiplicam numa superpotência consumida pelo medo e pela perplexidade, e com desejo surdo de vingança que cresce diante do cenário de devastação deixado pelo terror. Para ele, os atentados no coração dos Estados Unidos já são um divisor de águas na História não só do país mas do Ocidente rico de um modo geral. Esta é a primeira vez em quase dois séculos que os Estados Unidos são atacados em seu próprio território. É a primeira vez também que um país do Primeiro Mundo é atacado em casa, nessas proporções, supostamente por agressores do Terceiro Mundo. ''É uma mudança gigantesca'', disse Chomsky em entrevista por telefone ao Jornal do Brasil, de sua casa, em Boston.

Crítico contundente da política externa de seu país, o pensador americano lembra que o principal suspeito dos atentados, o saudita Osama bin Laden, faz parte de um grupo de fundamentalistas islâmicos que foi treinado e armado polos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Hoje, afirma, há um profundo ressentimento em relação aos EUA no Oriente Médio.

- A sociedade americana dificilmente será a mesma depois da última terça-feira. O que vai mudar na cabeça das pessoas?

Os atentados foram um divisor de águas para os Estados Unidos e para o Ocidente de um modo geral. Se olharmos para a História americana, esta é a primeira vez desde a guerra de 1812, ou seja, em 200 anos, que o território nacional foi atacado. Pode-se falar de Perl Harbour, mas lembremos que os dois lugares atacados na época, Havaí e as Filipinas, eram colônias e não território nacional. Por ser o primeiro ataque ao território, representa uma grande mudança. O mesmo é verdadeiro para a Europa e o Ocidente de um modo geral. A Europa passou por guerras sangrentas, mas foram internas. O Sul - o que hoje chamamos de Terceiro Mundo, as ex-colônias - nunca atacou a Europa, mas foi atacado por ela por centenas de anos. Esta é portanto a primeira vez que a História toma uma outra direção: as grandes potências guerreiras são as vítimas e não os perpetradores. É uma mudança gigantesca.

E de que forma a seu ver esta mudança se manifestou ao longo dos últimos dias?

Pode-se observar isto na reação dos Estados Unidos e particularmente na reacão da Europa, que adotou uma postura reflexiva, considerando o episódio algo sem precedentes, que nunca aconteceu e etc. E é verdade para o Ocidente. Mas não é verdadeiro para o resto do mundo. Esta foi a norma para o resto do mundo por muito tempo. Mas esta cultura imperial está profundamente arraigada e é muito difícil para as pessoas entenderem. Sim, este episódio é um marco e tambem representa uma grande mudança. O New York Times, num artigo de hoje (sexta-feira), diz que a partir de agora ou se colabora com os Estados Unidos ou será destruído. Isto não tem precedente histórico.

Que tipo de reação pode-se esperar dos Estados Unidos a partir de agora?

Espero algum tipo de operação violenta. Ela será realizada com o conhecimento, porque eles certamente sabem, de que isto é exatamente o que pessoas como Osama bin Laden [para os EUA, o principal suspeito dos atentados]desejam porque vai ajudá-las a reunir apoio.

E como responder a um inimigo pouco convencional como Bin Laden?

Da última vez que eles (as autoridades americanas) decidiram atacar Osama bin Laden, bombardearam uma fábrica de produtos farmacêuticos no Sudão que nada tinha com isto. Morreram milhares de pessoas, mas nunca se saberá ao certo, porque quando o Sudão pediu uma investigação às Nações Unidas, os Estados Unidos bloquearam. Não tenho dúvida, eles vão atacar onde quiserem.

O que está por trás dos atentados em Nova Iorque e Washington: ódio aos Estados Unidos, religião sentimento anti-ocidental?

Vamos supor, talvez corretamente, que os ataques tenham sido obra de um grupo próximo de Osama bin Laden, os chamados afeganis, que não são necessariamente afegãos, incluindo o próprio Bin Laden [que é saudita]. Foram pessoas recrutadas para a guerra no Afeganistão contra os russos, armados e treinados pelos Estados Unidos. Os serviços de inteligência do Paquistão recrutavam os elementos mais violentos que conseguiam encontrar e estes eram radicais islâmicos do Oriente Médio. Podemos ter uma boa noção do que eles querem hoje. Osama bin Laden foi entrevistado algumas vezes pelo jornalista britânico Robert Fisk, o mais eminente correspondente no Oriente Médio há décadas. Ele deixa claro o que quer. E o que ele quer, em suas próprias palavras, é liberar os países islâmicos de agressores estrangeiros - primeiros os russos do Afeganistão e depois os americanos da Arábia Saudita - e também derrubar os regimes corruptos de Arábia Saudita, Egito, Jordânia e outros para implantar o que eles consideram a forma correta de um regime islâmico. Esta parece ser a maior preocupação. Por isso, agora pessoas como Osama bin Laden estão rezando por um ataque massivo para que possam recrutar mais gente. Naquela região há um enorme ressentimento pelas políticas dos Estados Unidos, em primeiro lugar, e da Grã-Bretanha na região. Um grande número de pessoas sofreu muito por causa delas.

Na Guerra Fria, era o comunismo contra o capitalismo. Há o risco de uma nova polarização, agora opondo o Ocidente ao mundo islâmico?

Não é inteiramente verdadeiro sobre a guerra fria. Pegue o Brasil, por exemplo. Quando aconteceu o golpe militar no Brasil, foi verdadeiramente contra o comunismo? Claro não. E o mesmo vale para quase todos os acontecimentos da Guerra Fria. Os conflitos daquela época tinham a Guerra Fria como pano de fundo. Mas os Estados Unidos e a Rússia usaram os conflitos da Guerra Fria como uma ferramenta para justificar intervenções que aconteceram por razões bem diferentes. Quando os Estados Unidos apoiaram os golpes no Brasil, Argentina e Chile, em outras partes da América Latina e no Sudeste da Ásia, as questões da Guerra Fria eram o pano de fundo. Estes tipos de acontecimentos precedem a Guerra Fria, atravessaram a Guerra Fria e continuaram depois da Guerra Fria. Olhe o caso do Oriente Medio. Imediatamente depois do colapso da União Soviética, o governo de George Bush [pai do atual presidente americano, George W. Bush], em mensagem ao Congresso sobre o orçamento militar, em 1990, depois da queda do Muro de Berlim, fez uma análise mundial e referiu-se ao Oriente Médio. Disse: Temos que manter a maior parte de nossas forças de intervenção no Oriente Médio. E deixou claro que os russos não eram os responsáveis pelas ameaças. O que era bem verdadeiro. Eles fingiram rivalidade nos 40 anos precedentes mas era apenas um pretexto. Bush foi franco, mas felizmente para ele, a mídia calou-se a este respeito.

Há risco de uma disseminação de um sentimento anti-Islã nos Estados Unidos e em outros países ocidentais?

Não anti-Islã. Falar oposição ao Islã é extremamente enganoso. Vamos observar os fatos: o maior país islâmico do mundo é a Indonésia, que é um forte aliado dos Estados Unidos. Sempre foi. Quando houve o golpe militar na Indonésia em 1965, extremamente sangrento, os Estados Unidos apoiaram, assim como apoiaram o golpe no Brasil, em 1964, e essencialmente pelas mesmas razões. Fora o talibã no Afeganistão, o mais radical Estado islâmico é a Arábia Saudita, um cliente dos Estados Unidos. Nos anos 80, os chamados afeganis, Osama bin laden e outros, recrutados, armados e treinados pela CIA, eram radicais fundamentalistas islâmicos. Ou olhe o que aconteceu nos anos 80, quando os Estados Unidos travaram uma guerra na América Central, um dos maiores inimigos foi a Igreja Católica. É só olhar a História e os choques de civilizações. Nos Bálcãs, por exemplo, os Estados Unidos pegaram os muçulmanos da Bósnia como seus clientes. E eles estava lutando contra os cristãos ortodoxos.

O que está em jogo agora?

O que aconteceu é novo em escala, mas não é a primeira vez. Vinte anos atras, em 1983, o Exército dos Estados Unidos, que é de longe a força militar mais poderosa do mundo, foi expulso do Líbano por um terrorista suicida. Quando um homem-bomba se lançou contra uma base militar americana, matando vários soldados, os Estados Unidos se retiraram. Terroristas suicidas são incontroláveis.

Então como as Forças Armadas, com seus métodos convencionais, poderão lidar com este tipo de inimigo?

Eles não podem assim como não conseguiram no Líbano. Estes são problemas que terão de ser tratados encarando-se as questões que levam a esta situação. Elas crescem a partir de alguma coisa. Não se trata de justificativa para o crime, mas elas nascem de alguma coisa, não surgem do nada. Vêm de uma enorme reação popular de hostilidade em relação às políticas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha para a região. Tome por exemplo o Iraque. Não se sabe quantas pessoas morreram por causa das sanções. Uns dois anos atrás, a secretária de Estado [Madeleine]Albright, diante do número de meio milhão de crianças mortas, disse bem este é um preço alto mas estamos dispostos a pagá-lo. Imagine o que sentem as pessoas da região. Pense nos territórios ocupados. As pessoas no Ocidente podem decidir não prestar atenção, mas as pessoas lá na região definitivamente prestam atenção e sabem muito bem quem é o responsável. Helicópteros, aviões militares e mísseis atacam alvos civis nos territórios ocupados. São helicópteros, aviões militares e mísseis americanos - e eles sabem disto.

O senhor vê o risco de uma escalada de violência, com reação seguida de contra-reação e assim por diante?

É muito provável. Conhecemos este tipo de dinâmica, embora em menor escala. Na Irlanda do Norte, por exemplo, os dois lados querem matar em retaliação ao último ataque. Sabemos como acontece. É uma escalada de violência.

Este tipo de terror pode se espalhar para a Europa?

Sem dúvida. Se eles cooperarem com os Estados Unidos, sem dúvida irá acontecer.

E que tipo de guerra o senhor acha que virá?

Provavelmente o tipo de guerra que vimos na terça-feira pela primeira vez no Ocidente, mas que é muito familiar ao Terceiro Mundo, onde tem sido assim por séculos.

Que armas devem ser empregadas contra um inimigo difícil de identificar?

Eles vão usar a tecnologia. O que os Estados Unidos estão fazendo agora é o que chamam de revolução na tecnologia militar. A guerra dos Bálcans foi um exemplo disto, a guerra do Iraque também. É uma guerra na qual se ataca de uma boa distância, com uma força massiva

A superpotência que gasta bilhões de dólares em defesa e até planeja construir um escudo antimísseis no espaço, levando a corrida armamentista para as gal xias, mostrou ser vulnerável ...

O escudo antimísseis não é destinado à defesa. Lembre-se. Todo aparato militar ofensivo da História sempre foi disfarçado de defensivo. Você consegue vender algo como defesa, mas não consegue vender como ataque. Este é um programa de militarização do espaço e o comando militar para o espaço é bem franco em relacão a isto. Há documentos que explicam muito claramente o que estão fazendo. Querem fazer a militarização do espaço para proteger seus interesses comerciais e seus investimentos. Isto vai aumentar as desigualdades entre os que têm e os que não têm e vai levar a mais confrontos.

Desde a manhã de terça-feira, os americanos sentem que não estão seguros em sua própria casa. Que conseqüências podem vir deste sentimento de vulnerabilidade?

Os americanos estão sentindo-se vulneráveis pela primeira vez em 200 anos e há o crescimento de um sentimento nacionalista.

E o que o senhor, pessoalmente, desejaria que mudasse a partir de agora na mentalidade da sociedade americana?

O que espero é que, ao invés de achar que têm de ser lideradas por sentimentos de vingança, mesmo sabendo que isto levará a mais violência, o que as pessoas deveriam fazer é reavaliar a situação, perguntando qual é o seu pano de fundo e o que podemos fazer para melhorar. É a única forma de proteger a si próprio. Mas com o país entrado num frenesi nacionalista é difícil pensar até mesmo na própria segurança.

sábado, 2 de maio de 2009

UMA SEMANA COM NOAM CHOMSKY - EUA armam ofensiva contra direitos sociais, segundo Chomsky


EUA armam ofensiva contra direitos sociais, segundo Chomsky

Por Brasil de Fato


O único modo de tirar o governo desta linha – e mudar o rumo do país – é expulsar e rejeitar o sistema. Para tanto, a primeira etapa é cancelar o pagamento da dívida externa, que não é legítima.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sozinho, não tem forças para romper com a subordinação aos Estados Unidos e com a política imperial das corporações. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o professor estadunidense de lingüística Noam Chomsky afirma que apenas com mobilização do povo brasileiro, cooperação internacional e conscientização da população dos EUA Lula vai conseguir criar uma alternativa de desenvolvimento para o Brasil.


Brasil de Fato – George W. Bush defende invasões, como a do Iraque, e repressões a manifestantes antiglobalização, como a de Miami na reunião da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), dizendo que fazem parte da luta por liberdade. O que é essa liberdade?


Noam Chomsky – O povo brasileiro sabe bem do que se trata. No Brasil, no período da ditadura, os militares justificavam a violência e a repressão dizendo que o faziam em nome da liberdade. No momento do golpe de Estado militar, em 1964, o governo estadunidense mandou uma carta aos militares brasileiros parabenizando-os por terem proporcionado uma das maiores vitórias da liberdade no século XX. Para Bush, liberdade quer dizer "faça o que eu quero." E isso não é contraditório com organizar golpes militares neonazistas ou, graças ao modelo neoliberal, impedir que governos democráticos, como o de Lula, consigam fazer mudanças fundamentais em seus países. A liberdade do Bush é seguir à risca o que ele quer e, se algum país resistir, esse país terá sua economia destruída.


BF – Essa "liberdade" é imposta pelas corporações?


Chomsky – Ela é imposta por uma rede de arranjos econômicos internacionais, que funcionam de tal forma que garantem que governos não têm como existir a não ser aceitando a ordem dessa rede. Assim, mesmo que eles possam tentar definir suas políticas em defesa do povo, os governos acabam muitas vezes fazendo o jogo das corporações e instituições financeiras. Os governos, e inclusive o brasileiro, têm duas constituições: a de seu povo e a dos investidores internacionais. E geralmente é a segunda que prevalece, porque os investidores ameaçam o governo, enfraquecem a moeda, ditam políticas públicas. Eles têm o poder de destruir um governo. Todos os elementos do pacote neoliberal foram pensados para restringir a democracia. Quando o Brasil, por exemplo, privatiza uma instituição, privatiza uma parte de sua economia e de sua política. Reduz sua arena pública e enfraquece sua democracia. O mesmo ocorre com a privatização de serviços, como educação, saúde, segurança e previdência. A vida e a cidadania são transformadas em assuntos privados e postas à venda. Isso elimina a arena pública quase integralmente e esvazia a democracia e a liberdade, algo que Bush pode dizer e citar, mas que politicamente não quer dizer nada, pois está vazio.

BF – Quais são as principais conseqüências dos quatro anos de governo do Bush para os estadunidenses?


Chomsky – As pessoas que estão no comando do governo estadunidense têm uma agenda muito clara: querem fazer nos Estados Unidos o mesmo que querem fazer no Brasil e no resto do mundo, isto é, eliminar o sistema democrático e acabar com as conquistas sociais do século passado. Enquanto restringem o poder de outros governos no mundo inteiro, desejam aumentar o tamanho e a força do governo estadunidense para que sirva aos interesses de um grupo reduzido de privilegiados. Nessa lógica, tudo o que o governo faz de bom para a população precisa ser desmontado: previdência, saúde, educação etc., e só devem sobrar os impostos. No campo da saúde, o governo investe bilhões de dólares para ajudar corporações a desenvolverem remédios, que são vendidos a preços exorbitantes, numa inversão de valores, pois o público financia o privado para se prejudicar. Ao mesmo tempo, de acordo com a lei, estadunidenses não têm direito de comprar remédios no Canadá, onde são mais baratos. O povo sempre sai perdendo e quem ganha são as corporações farmacêuticas. Nos EUA, 80% são a favor da saúde pública e gratuita. Mas Bush diz que isso não é politicamente possível.

BF – Internacionalmente, qual é a principal característica do governo Bush?


Chomsky – Os tratados de livre comércio são um bom exemplo de como a política de Bush funciona internacionalmente. É o livre comércio implementado de toda forma: invasão, pressão política, ameaças. Na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún, o Brasil tentou alguma resistência, mas de forma limitada. Lula questionou os subsídios governamentais à agricultura dos países ricos, mas o que realmente importa é questionar a atuação das grandes corporações de agronegócio que dominam a produção e a política agrícola do mundo.
A política imposta pelas corporações, na verdade, não tem nada de livre comércio. [O economista inglês do século XVIII] Adam Smith riria se falassem para ele que isso que vivemos hoje é livre comércio. Para Smith, a base do livre comércio é a livre movimentação das pessoas. Basta ver o número de mexicanos mortos e presos na fronteira com os Estados Unidos para ter certeza que livre comércio não traz liberdade para as pessoas. A criação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Alcan ou Nafta, em inglês), em 1994, foi acompanhada pela militarização da fronteira entre o México e os EUA, o que novamente nos revela a política de Bush: maximizar os lucros das corporações e subordinar o povo. Se você ler o último relatório do Banco Mundial sobre o Nafta, vai ver que os investimentos estrangeiros aumentaram no México, mas não têm compromisso com o desenvolvimento do país. Aliás, o total de investimentos no México caíram por causa da impossibilidade de empresas locais competirem com grandes corporações
. Cada vez mais, por causa do Nafta, a economia e a política do México são orientadas por transnacionais. O comércio entre os Estados Unidos e o México não aumentou de fato; o que aumentou foi a quantia de dinheiro que corporações movimentam entre si além de fronteiras. Por exemplo, se a General Motors faz carros no México, onde pode pagar menos para os trabalhadores e desrespeitar leis de meio ambiente, e os envia aos Estados Unidos, isso não é comércio, mas sim uma operação interna de uma corporação que se beneficia de acordos internacionais.


BF – As conseqüências da Alca serão as mesmas do Nafta?

Chomsky – Claro. Os dois acordos estão baseados nos mesmos princípios e se resumem em aumentar o poder das corporações, que são enormes tiranias internacionais. A Alca significa submissão à política das corporações e renúncia ao desenvolvimento econômico dos países, pois nenhuma transnacional vai apoiar o fortalecimento de concorrentes. Para a América do Sul, aceitar a Alca é renunciar a desenvolver seu próprio pólo industrial. Já os Estados Unidos, depois de assinarem a Alca, irão contra as regras todas as vezes que quiserem e ninguém vai poder reclamar, pois são o país mais rico e poderoso. Pode parecer simplista, mas a Alca funciona, de fato, com a lógica da colonização.

BF – Lula oferece uma real resistência a essa recolonização?


Chomsky – Ele está tentando fazer resistência, mas não muita. Isso era previsível. Um governo popular de esquerda no Brasil teria de ser mais reacionário que seus antecessores, pois teria de preservar o que os donos do mercado chamam de credibilidade em relação aos investidores internacionais. Também não dá para criticar Lula pois não há muitas opções neste sistema complicado. O único modo de tirar o governo desta linha – e mudar o rumo do país – é expulsar e rejeitar o sistema. Para tanto, a primeira etapa é cancelar o pagamento da dívida externa, que não é legítima. Também é necessário fazer a distribuição de renda e de propriedade, para colocar o Brasil no eixo do desenvolvimento e tirá-lo da subordinação aos imperativos das corporações. Para que a ruptura com o sistema ocorra, é preciso muito apoio interno. O povo precisa estar pronto e disposto a entender as conseqüências: resistir a ataques do sistema, lutar, trabalhar para criar um novo projeto de desenvolvimento. É preciso haver cooperação internacional, e o Mercosul, se consolidado, pode ser uma importante ferramenta. Finalmente, são necessários movimentos de solidariedade dentro dos Estados Unidos e de outros países ricos, para impedir seus governos de realizarem intervenções militares. Passadas essas etapas, o Brasil terá como realizar verdadeiras mudanças estruturais que beneficiem seu povo. É um caminho longo e que depende da organização dos movimentos sociais.

BF – O senhor assinou uma carta dirigida a Lula, pedindo que a direção do Partido dos Trabalhadores (PT) reconsiderasse a expulsão, do partido, de deputados e da senadora Heloísa Helena. Qual sua avaliação sobre a situação do PT?


Chomsky – Não posso falar do Brasil assim como pessoas que estão dentro do país. Na minha avaliação, expulsar esses deputados foi péssimo. Não acho que parlamentares devam ser expulsos por não aceitarem imposições do partido. Por isto assinei a carta, porque acho que vai contra o princípio de democracia que o PT carrega.

BF – Qual deve ser a estratégia dos movimentos sociais brasileiros em relação ao governo?


Chomsky – Os movimentos sociais precisam trazer o governo para seu lado. É preciso entender que o governo não é um agente independente. Há imposições estrangeiras, ameaças de estrangulamentos econômicos e intervenções militares que obrigam o governo a agir com cautela. Essas ameaças podem ser vencidas, mas a luta deve ser muito intensa. Por isso, os movimentos sociais, mais do que nunca, têm de organizar ainda mais sua base e mobilizar a população brasileira. Hoje, a mobilização no Brasil já é tremenda, mas precisa ser ainda maior. O mesmo precisa ocorrer nos Estados Unidos, onde, se você passear na rua e perguntar paras as pessoas o que é livre comércio, quase ninguém saberá responder. É preciso aumentar a consciência política e a mobilização dos estadunidenses – isso será uma grande ferramenta para a vitória no Brasil.


BF – Como está a mobilização nos Estados Unidos?


Chomsky – Maior do que há 10 ou 20 anos, mas ainda insuficiente. Há cada vez mais descontentamento com o governo e com as corporações, e isto é um grande avanço. Dificilmente, hoje, a população estadunidense deixaria que as forças militares atacassem o Brasil se este decidisse não seguir as regras do livre comércio. Haveria manifestações e protestos.

BF – Quando Lula ganhou as eleições, o jornal estadunidense The Washington Post publicou editorial em que dizia que Bush deveria fazer algo para não permitir que o Brasil fosse governado por um perigoso comunista. O senhor está dizendo que o governo estadunidense não invadiria o Brasil?


Chomsky – O governo estadunidense não tem força suficiente para invadir o Brasil, o que não quer dizer que não tentaria. Ao mesmo tempo, em nosso mundo, há outros mecanismos para derrubar um governo e o principal deles é o estrangulamento econômico. A trajetória do Brasil, e do Lula, certamente não será fácil.

Quem é
Avram Noam Chomsky, 71, linguista estadunidense, é professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), um dos principais centros de pesquisa dos EUA. Um dos principais críticos da política e da mídia do seu país, escreveu mais de 60 livros, entre eles 23 sobre a política dos EUA. Atualmente, é um dos mais renomados pensadores de esquerda da atualidade.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

UMA SEMANA COM NOAM CHOMSKY - A ARMA DOS PODEROSOS


A arma dos poderosos

Um norte-americano fala do terrorismo praticado pelos Estados Unidos, país que não respeita as formas judiciais internacionalmente instituídas. A América Latina foi um dos principais alvos da violência


Devemos partir de dois postulados. O primeiro é que os acontecimentos de 11 de setembro constituem uma atrocidade terrível, provavelmente a perda instantânea de vidas humanas mais importante da história, guerras à parte. O segundo postulado é que nosso objetivo deveria ser reduzir o risco de reincidência de tais atentados, sejamos nós ou outras pessoas as suas vítimas. Se você não aceita esses dois pontos de partida, o que vem a seguir não lhe diz respeito. Se você os aceita, muitas outras questões se apresentam.

Comecemos pela situação no Afeganistão. Haveria, no Afeganistão, vários milhões de pessoas ameaçadas pela fome. Isso era verdadeiro já antes dos atentados; elas sobreviviam graças à ajuda internacional. No dia 16 de setembro, os Estados Unidos exigiram, no entanto, que o Paquistão suspendesse os comboios de caminhões que levavam alimentos e outros produtos de primeira necessidade para a população afegã. Essa decisão não provocou reação alguma no Ocidente. A retirada de parte do pessoal humanitário tornou a assistência ainda mais problemática. Uma semana após o início dos bombardeios, a ONU considerava que a aproximação do inverno tornaria impossíveis as entregas, já reduzidas à quantidade de alimentos apenas suficiente para sobreviver devido aos ataques da aviação norte-americana.

Quando organizações humanitárias, civis e religiosas, e o relator da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) pediram a suspensão dos bombardeios, a informação nem sequer foi publicada pelo New York Times; o Boston Globe dedicou-lhe uma linha inserida num artigo que tratava de outro assunto: a situação na Caxemira. Em outubro passado, portanto, a civilização ocidental resignou-se a ver morrerem centenas de milhares de afegãos. No mesmo momento, o chefe dessa mesma civilização informava que não se dignaria a responder às propostas afegãs de negociação sobre a questão da entrega de Osama bin Laden nem à exigência de uma prova que permitisse fundamentar uma eventual decisão de extradição. Só seria aceita uma capitulação incondicional.

Mas voltemos ao 11 de setembro. Nenhum crime, nada foi mais mortífero na história — ou, então, o foi durante um período mais longo. De resto, as armas, desta vez, visaram a um alvo não habitual: os Estados Unidos. A analogia com Pearl Harbour, muitas vezes evocada, é inadequada. Em 1941, o exército nipônico bombardeou bases militares em duas colônias de que os Estados Unidos se haviam apossado em condições pouco recomendáveis; os japoneses não atacaram o território norte-americano propriamente dito.

Reação diferente aos atentados

Durante quase duzentos anos, nós, norte-americanos, expulsamos ou exterminamos populações indígenas, isto é, milhões de pessoas; conquistamos a metade do México; saqueamos a região do Caribe e da América Central; invadimos o Haiti e as Filipinas (matando, na ocasião, 100 mil filipinos). Depois, após a 2ª Guerra Mundial, estendemos nosso domínio sobre o mundo da maneira que se conhece. Mas, quase sempre, éramos nós que matávamos, e o combate se travava fora de nosso território nacional.

Ora, isso é fácil de constatar quando se é questionado, por exemplo, sobre o IRA e o terrorismo: as questões dos jornalistas são muito diferentes, dependendo de que lado do mar da Irlanda exercem sua profissão. Em geral, o planeta aparece sob um outro aspecto, variando conforme se segure o chicote há muito tempo ou se tenha tomado as chicotadas durante séculos. No fundo, talvez seja por isso que o resto do mundo, mesmo se mostrando univocamente horrorizado pelo destino das vítimas, não tenha reagido da mesma maneira que nós aos atentados de Nova York e Washington.

Para compreender os acontecimentos de 11 de setembro, é preciso distinguir, por um lado, os executores do crime, e, por outro, o imenso leque de compreensão de que esse crime se beneficiou, inclusive entre os que a ele se opunham. Os executores? Supondo-se que se trate da rede de Bin Laden, ninguém sabe mais sobre a gênese desse grupo fundamentalista do que a CIA e seus asseclas: eles o incentivaram à nascença. Zbigniew Brzenzinski, diretor da Segurança Nacional do governo Carter, felicitou-se pela ‘‘armadilha’’ preparada para os soviéticos em 1978, que consistia — por meio de ataques de mujahidin (militantes islâmicos organizados, armados e treinados pela CIA) contra o regime de Cabul — em atrair os soviéticos para o território afegão, no final do ano seguinte1. Somente depois de 1990 e da instalação de bases norte-americanas permanentes na Arábia Saudita, terra sagrada para o Islã, é que esses combatentes se voltaram contra os Estados Unidos.

Para tentar explicar o amplo leque de simpatia com que contam as redes de Bin Laden, no entanto, inclusive nas camadas dirigentes dos países do hemisfério Sul, é necessário partir da raiva que provoca o apoio dos Estados Unidos a todo tipo de regimes autoritários ou ditatoriais; é necessário lembrar-se da política norte-americana que destruiu a sociedade iraquiana, consolidando o regime de Saddam Hussein; é necessário não se esquecer do apoio de Washington à ocupação israelense de territórios palestinos desde 1967. No momento em que os editoriais do New York Times sugerem que ‘‘eles’’ nos detestam porque defendemos o capitalismo, a democracia, os direitos individuais, a separação entre a Igreja e o Estado, o Wall Street Journal, melhor informado, explica, após ter ouvido banqueiros e executivos não-ocidentais, que eles ‘‘nos’’ detestam porque impedimos a democracia e o desenvolvimento econômico. E demos apoio a regimes brutais, e até terroristas.

Prioridade que não é de hoje

Nos meios dirigentes ocidentais, a guerra contra o terrorismo foi apresentada como se fosse uma ‘‘luta dirigida contra um câncer disseminado por bárbaros’’. Mas essas palavras e essa prioridade não são de hoje. Há vinte anos, o presidente Ronald Reagan e seu secretário de Estado, Alexander Haig, já as enunciavam. E, para conduzir esse combate contra os adversários depravados da civilização, o governo norte-americano instalou, então, uma rede terrorista internacional de amplitude sem precedentes. Praticaram-se inúmeras atrocidades de uma ponta à outra do planeta, e essa rede dedicou o essencial de seus esforços à América Latina.

Um caso, o da Nicarágua, não deixa margem à dúvida: realmente, foi decidido de modo categórico pelo Tribunal Penal Internacional de Haia e pela ONU.

Pergunte-se a você mesmo quantas vezes esse precedente indiscutível de uma ação terrorista — à qual um Estado de direito quis responder através dos meios do direito — foi evocado pelos principais comentaristas. E, no entanto, tratava-se de um precedente ainda mais radical que os atentados de 11 de setembro: a guerra do governo Reagan contra a Nicarágua provocou 57 mil vítimas, entre as quais 29 mil mortos, e a ruína de um país, talvez de forma irreversível.
Na época, a Nicarágua reagiu. Não explodindo bombas em Washington, mas submetendo o caso ao Tribunal Penal Internacional. Este, no dia 27 de junho de 1986, decidiu categoricamente em favor das autoridades de Manágua, condenando o ‘‘uso ilegal da força’’ pelos Estados Unidos (que haviam minado os portos de Nicarágua), e determinando que Washington pusesse fim ao crime, sem esquecer de pagar vultuosas perdas e danos. Os Estados Unidos replicaram que não acatariam a sentença e que passariam a não reconhecer a jurisdição do Tribunal.


A Nicarágua pediu então ao Conselho de Segurança da ONU a aprovação de uma resolução exigindo que todos os países respeitassem o direito internacional. Não se citava nenhum em particular, mas todos compreenderam. Os Estados Unidos votaram contra a resolução. Portanto, hoje, são o único país que, simultaneamente, foi condenado pelo Tribunal Internacional de Justiça e se opôs a uma resolução exigindo... o respeito ao direito internacional. Depois, a Nicarágua dirigiu-se à Assembléia Geral da ONU. A resolução que propusera teve três votos contra: dos Estados Unidos, de Israel e de El Salvador. No ano seguinte, a Nicarágua reivindicou a votação da mesma resolução. Desta vez, só Israel defendeu a causa do governo Reagan. A essa altura, a Nicarágua não dispunha de mais nenhum meio legal. Todos haviam fracassado em um mundo regido pela força. Este precedente não dá margem a qualquer dúvida. Quantas vezes falamos sobre ele na universidade, nos jornais?

Acontecimentos incômodos

Essa história revela várias coisas. Em primeiro lugar, que o terrorismo funciona. A violência também. Em seguida, que é um equívoco pensar que o terrorismo seria o instrumento dos fracos. Como a maioria das armas mortíferas, o terrorismo é, antes de tudo, a arma dos poderosos. Quando se diz o contrário, é unicamente porque os poderosos controlam também os aparelhos ideológicos e culturais, que permitem que o terror deles seja visto como uma coisa diferente do terror. Um dos meios mais comuns de que dispõem para chegar a tal resultado é fazer com que acontecimentos incômodos desapareçam da memória; assim, mais ninguém se lembra deles. Em suma, tamanho é o poder da propaganda e das doutrinas norte-americanas que se impõe, inclusive, às suas vítimas. Vá à Argentina e tente lembrar o que acabo de dizer: ‘‘Ah, sim, mas tínhamos esquecido!’’

A Nicarágua, o Haiti e a Guatemala são os três países mais pobres da América Latina. Também estão entre os que os Estados Unidos intervieram militarmente. A coincidência não é necessariamente acidental. E tudo isso aconteceu num clima ideológico marcado por declarações entusiásticas dos intelectuais ocidentais. Há alguns anos, a auto-congratulação fazia o maior sucesso: fim da história, nova ordem mundial, Estado de direito, ingerência humanitária etc. Era coisa muito freqüente, enquanto deixávamos que se cometessem atrocidades em grande quantidade. Pior, contribuíamos para isso de maneira ativa. Mas quem falava a respeito? Uma das proezas da civilização ocidental é, talvez, tornar possível esse tipo de inconseqüência numa sociedade livre. Um Estado totalitário não dispõe desse dom.

O terrorismo e o direito dos povos

Que é o terrorismo? Nos manuais militares norte-americanos, define-se como terror a utilização calculada, para fins políticos ou religiosos, da violência, da ameaça de violência, da intimidação, da coerção ou do medo. O problema de tal definição é o fato de se aplicar muito exatamente ao que os Estados Unidos chamaram de guerra de baixa intensidade, reivindicando esse gênero de prática. Aliás, em dezembro de 1987, quando a Assembléia Geral da ONU aprovou uma resolução contra o terrorismo, um país se absteve de votar, Honduras, e dois outros votaram contra, os Estados Unidos e Israel. Por que fizeram isso? Por causa de um parágrafo da resolução que indicava que não se tratava de questionar o direito dos povos de lutarem contra um regime colonialista ou contra uma ocupação militar.

Ora, na época, a África do Sul era aliada dos Estados Unidos. Além dos ataques contra seus vizinhos (Namíbia, Angola etc.), o que provocou a morte de centenas de milhares de pessoas e acarretou uma destruição avaliada em 60 bilhões de dólares, o regime racista de Pretória enfrentava, dentro do país, uma força classificada de ‘‘terrorista’’, o African National Congress (ANC). Quanto a Israel, ocupava ilegalmente territórios palestinos desde 1967, outros no Líbano desde 1978, guerreando, no sul desse país, contra uma força classificada por ele e pelos Estados Unidos de ‘‘terrorista’’, o Hezbollah. Nas análises habituais do terrorismo, tal tipo de informação ou de evocação não é comum. Para que as análises e os artigos de imprensa sejam considerados respeitáveis, é melhor, realmente, que se situem do lado bom, ou seja, o dos braços melhor armados.

Uma dívida de gratidão

Na década de 90, foi na Colômbia que ocorreram as piores agressões aos direitos humanos. A Colômbia foi o principal destinatário da ajuda militar norte-americana, sem considerar Israel e Egito, que constituem casos à parte. Até 1999, logo atrás desse país, o primeiro lugar cabia à Turquia, a quem os Estados Unidos entregaram uma quantidade crescente de armas desde 1984. Por que esse ano? Não que a Turquia, membro da Otan, devesse enfrentar a União Soviética, já em via de desintegração na época, mas para que pudesse comandar a guerra terrorista contra os curdos. Em 1997, a ajuda militar norte-americana à Turquia ultrapassou a que esse país havia obtido durante todo o período de 1950-1983, o da guerra fria. Resultados das operações militares: 2 a 3 milhões de refugiados, dezenas de milhares de vítimas, 350 cidades e vilarejos destruídos. À medida que a repressão se intensificava, os Estados Unidos continuavam a fornecer cerca de 80 % das armas usadas pelos militares turcos, acelerando mesmo o ritmo de suas entregas. A tendência foi revertida em 1999. O terror militar, naturalmente classificado de ‘‘contra-terror’’ pelas autoridades de Ancara, havia, então, atingido seus objetivos. É o que quase sempre acontece quando o terror é empregado por seus principais utilizadores: as potências estabelecidas.

No caso da Turquia, os Estados Unidos não lidaram com um ingrato. Washington lhe entregara aviões F-16 para bombardear sua própria população: ela os utilizou em 1999 para bombardear a Sérvia. Depois, alguns dias após o 11 de setembro passado, o primeiro ministro turco, Bülent Ecevit, informava que seu país participaria com entusiasmo da coalizão norte-americana contra a rede de Bin Laden. Explicou, na oportunidade, que a Turquia havia contraído para com os Estados Unidos uma dívida de gratidão que remontava à sua própria ‘‘guerra anti-terrorista’’ e ao apoio inigualável de Washington. É verdade que outros países apoiaram a guerra de Ancara contra os curdos, mas nenhum com tanto zelo e eficácia quanto os Estados Unidos. Esse apoio contou com o silêncio, ou (talvez a palavra seja mais adequada) a subserviência das classes cultas norte-americanas. Porque não ignoravam o que se passava. Afinal de contas, os Estados Unidos são um país livre; os relatórios das organizações humanitárias sobre a situação no Curdistão eram de domínio público. Portanto, na época, nós optamos por contribuir para as atrocidades.

O que fazer na situação atual?

Nossa coalizão contra o terrorismo conta com outros recrutas de estatura. O Christian Science Monitor, sem dúvida um dos melhores jornais no que se refere à abordagem do noticiário internacional, confiou, por exemplo, que alguns povos que gostavam pouco dos Estados Unidos começavam a respeitá-los mais, particularmente felizes por vê-los comandar uma guerra contra o terrorismo. O jornalista, que, entretanto, é especialista em assuntos relativos à África, citava o caso da Argélia como principal exemplo dessa virada. Deveria saber, então, que a Argélia dirige uma guerra terrorista contra seu próprio povo. A Rússia, que dirige uma guerra terrorista na Chechênia, e a China, autora de atrocidades contra os que classifica de separatistas muçulmanos, também aderiram à causa norte-americana.

Que seja. Mas o que fazer na situação atual? Um radical tão extremista quanto o papa sugere, diante do crime de 11 de setembro, procurar os culpados e depois submetê-los a julgamento. Porém, os Estados Unidos não querem recorrer às formas judiciais normais; preferem não apresentar prova alguma e se opõem à existência de uma jurisdição internacional. Mais ainda, quando o Haiti reivindicou a extradição de Emmanuel Constant (considerado responsável pela morte de milhares de pessoas após o golpe de Estado que depôs o presidente Jean-Bertrand Aristide, no dia 30 de setembro de 1991) e apresentou provas de sua culpa, o pedido não teve qualquer efeito em Washington. Nem sequer foi objeto de qualquer tipo de discussão.

Lutar contra o terrorismo implica reduzir o grau do terror, e não aumentá-lo. Quando o Exército Republicano Irlandês (IRA) comete um atentado em Londres, os britânicos não destroem Boston, cidade onde o IRA tem muito apoio, nem Belfast. Procuram os culpados e, na seqüência, os julgam. Uma forma de reduzir o grau de terror seria parar de contribuir para ele. Depois, refletir sobre as orientações políticas que criaram uma logística de apoio da qual, em seguida, se aproveitaram os mandantes do atentado. Nas últimas semanas, a tomada de consciência, pela opinião pública norte-americana, dos vários tipos de realidades internacionais (de cuja existência apenas as elites suspeitavam) constitui, talvez, um passo nesse sentido.

Noam Chomsky
É professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Boston, Estados Unidos. Este texto foi extraído de uma conferência realizada no MIT, no dia 18 de outubro. É autor de A Minoria Próspera e a Multidão Inquieta (Editora UnB) e Os Caminhos do Poder (Artmed), entre outros.
Fonte: http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-12-23/mat_25815.htm