terça-feira, 15 de dezembro de 2009

9º CRÍTICA AO TEATRO FÚRIA E OS INSURRETOS FURIOSOS DESGOVERNADOS - MARCONI BISPO




Aos Furiosos

Estou, ainda, sob o impacto de Frederica. Os meus olhos estão impregnados dela e o meu nariz nestes últimos dias só reconhece o cheiro dos cuiabanos que passaram por aqui. Inclinei meus sentidos para eles e desta imersão não sairei vivo no que eu era e sim refeito e repleto de brasas que saem da minha boca e protestam contra todas as mesquinharias que nos impedem de realizar um bom teatro. Enfim, mesquinharias que nos impedem. E basta.
.
Vi quatro espetáculos. Quatro estações furiosas. “Encaixotando Shakespeare”, leve e dinâmica como o verão; “Nepal”, onde as folhas parecem cair todo o tempo e uma tristeza de outono me invadiu; “ Apartamento 501” todos recolhidos para contar histórias me reportou a uma noite fria de inverno e, por último, “Frederica”, a primeira no meu coração. A que me tirou o sono. Para mim, a primavera do Fúria. Um jardim repleto de cores, com espinhos que nos furam e parece nos fazer desacreditar, por um instante, na beleza das rosas.
.

.
O que me ligou ao Fúria não foi só o deleite estético. Há algo que falta na minha trajetória teatral que a simples presença deles me preencheu. Mas eles foram embora e me impulsionaram a este compromisso comigo. Ao compromisso com o palco. Única coisa que me completa. A cruz que não cansarei nunca em carregar.
.
Existe neles uma maturidade desprovida de prepotência e por outro lado infantilidades regadas ao compromisso sério de viver somente de teatro. Então, fazem do palco a melhor casa deles, espaço perfeito para realizar todas as fantasias e delas tirar o pão que alimenta a criação. O pão que alimenta o João. O pão que alimenta o Pedro. O pão que alimentará os nascidos dali. E quem come do que vem do Teatro Fúria a ele está devotado. E uma árvore desponta em Cuiabá. Atores brotam dos seus galhos como frutos. Convido todos a comê-los.
.
Meu coração dividiu-se em seis partes e não pulsa mais só em mim e todos aqueles que o tem em suas mãos tem assim a melhor maneira de caminhar na minha estrada, de viver meu palco. Melhor sinônimo agora para coração. Encontros sempre são reformadores. Causam alegrias e se vão embora, claro, causam tristezas.
.
Mas comemos os frutos furiosos e sementes aqui plantadas surgirão mais tarde emolduradas em arte e condimentadas com bastante ousadia. Tudo foi muito bonito. E fica em nossas bocas esse terrível sentimento: a falta do que foi bom. E a esperança de reencontrar-se: o que há de mais belo em ter saudades.

.
Marconi Bispo (Técnico de Artes Cênicas do Sesc Recife)
Recife, algum inverno de 2003. Digo, início das chuvas para nós. Indício da Fúria que nos tomou por aqui

Nenhum comentário:

Postar um comentário