quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

RECUSEI-ME A ATIRAR CONTRA AS PESSOAS, E FOI ASSIM QUE O MURO DE BERLIM COMEÇOU A CAIR


Os grandes momentos da história também são feitos de pequenos gestos e decisões de homens comuns. Nada como o relato do guarda de fronteira húngaro Arpad Bella pode demonstrar isso. Em novembro, foi celebrado o 20º aniversário da queda da Cortina de Ferro, uma mudança da nossa época da qual muitos políticos assumem o mérito.

A reportagem é de Cristina Nadotti, publicada no jornal La Repubblica, 18-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

...Mas há um acontecimento cujo aniversário ocorre nesta quarta-feira que foi central para essa mudança e foi propiciado por um guarda de fronteira anônimo. Arpad Bella, agora com 63 anos, no dia 19 de agosto de 20 anos atrás, era o responsável pelo trecho de fronteira entre a Hungria e a Áustria em que ocorreu o "piquenique pan-europeu", uma manifestação que, nas intenções dos reformistas húngaros, devia demonstrar o compromisso do governo com melhores relações com os vizinhos do Leste. Segundo os planos, um trecho da fronteira seria aberto por alguns minutos, e algumas pessoas, não mais de 100, passariam de uma nação para outra em sinal de amizade.

Porém, a situação fugiu do controle dos organizadores. Há meses, na Alemanha Oriental, onde o regime procurava se opor aos novos ares que vinham de outros países, espalhou-se o boato de que a fronteira austro-húngara, próxima do vilarejo de Sankte Magdalene, teria sido aberta por um certo período. Assim, no dia da manifestação, não houve uma passagem simbólica de alguns manifestantes, mas a mais consistente fuga em massa dos tempos da falida revolução húngara de 1956, um desconfinamento que acelerou os eventos até levar, em novembro, à queda do Muro de Berlim.

Naquele dia, Arpad Bella estava de guarda naquele trecho de fronteira, e, estranhamente, os seus superiores não estavam. "Logo que a fronteira foi aberta, me vi diante de toda aquela gente", conta ao jornal inglês The Times. "Havia mulheres e crianças, famílias com as malas, milhares de pessoas. Na vida de cada um de nós, há momentos em que é preciso tomar uma decisão fatídica, momentos em que toda a sua vida se decide em poucos segundos. Procurei me mostrar impassível. Por dentro, eu estava despedaçado. Mas fiz a coisa certa".

Arpad Bella ordenou aos outro cinco guardas que se colocassem à parte e deixou todas aquelas pessoas passar. As ordens eram de disparar se fossem atacados, mas estava claro o que provocaria, naquela situação, mesmo que um só tiro de advertência fosse disparado para o ar. A ordem dada por Bella de se colocarem à parte se tornou, assim, o símbolo de um momento decisivo, aquele em que terminou a divisão da Europa pós-bélica.

Os organizadores do piquenique também foram pegos de surpresa: "Havia uma atmosfera festiva", diz László Nagy, da Pan-European Picnic ‘89 Foundation. "Depois, de repente, nos demos conta de quantas pessoas estavam por ali. Quando começaram a passar a fronteira, não entendemos que, a partir daquele momento, as coisas iriam adiante tão rapidamente, que em apenas três meses o muro não existiria mais".

Por uma vez, a desinformação de Estado que havia sido uma arma dos regimes comunistas disse uma meia verdade. O cruzamento em massa da fronteira foi definido pelo governo comunista reformador como "um problema técnico", com medo de uma rápida inversão de tendência por parte do núcleo duro comunista. E, com efeito, o fato de que foi um oficial de grau menor que tomou uma decisão tão importante foi uma espécie de "problema técnico".

Arpad Bella, ainda hoje, não condiz a sua decisão com grandes ideais: "Os meus avós me contavam sobre quando a Áustria e a Hungria eram uma só nação. Parecia-me normal que as pessoas pudessem ir de um ponto ao outro da fronteira sem limitações".Fonte:IHU

fonte : http://blogdeumsem-mdia.blogspot.com Blog de Um Sem Mídia.

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