segunda-feira, 6 de abril de 2009

Teatro de Grupo e o Teatro para Crianças - Gabriel Guimard

foto do Pia Fraus Teatro

“O teatro para crianças deve ser realizado como o teatro para adultos, porém melhor...” Stanislavski


Aos que são contra as divisões etárias ou de linguagens estéticas dentro do Teatro – porque, a priori, a segmentação só gera divisão e conseqüentemente o enfraquecimento no processo de mobilização dentro do teatro – começo este artigo utilizando uma frase de um dos grandes mestres do teatro moderno, concordando com a idéia de que a produção teatral destinada à criança, ao jovem, ao adulto, ou para toda família é em última instância Teatro, e basta!


Concordo também que o teatro destinado a qualquer faixa etária deve ter, antes de mais nada, seriedade, competência e talento. Deve ter pesquisa de texto, da concepção de direção, da interpretação de atores, enfim de todos os outros elementos que compõem a construção de um espetáculo de qualidade.


Estas considerações – sobre questões que não são tão recentes e nem inéditas –, devem ser ditas a e ratificadas perante os profissionais que já têm uma carreira consolidada dentro do teatro paulistano, assim como apresentadas aos jovens profissionais deste “métier”.


Porém, é importante deixar bastante claro, que pelo fato de o teatro adulto e o infantil serem o mesmo Teatro, os dois deveriam ter direitos iguais, o que de fato não ocorre quando da divisão dos orçamentos das secretarias de cultura, na forma de elaboração dos editais e prêmios, ou ainda na forma como os agentes culturais e programadores, de uma maneira geral, se relacionam com o teatro para crianças e a produção cultural dirigida ao público infantil.

O que é produzido artisticamente para crianças, não é considerado como “obra de arte”!


Já participei da comissão de editais de teatro, na qual não havia divisão na premiação entre teatro adulto e infantil, onde eu era o único “fazedor” e “militante” do teatro para crianças, e sei o quanto foi difícil premiar de maneira equilibrada ambos “teatros” (apesar de concordar que haja apenas um Teatro!). Alguns dos motivos para este embate é que, muitas vezes, os jurados terminantemente têm preconceitos em relação ao teatro infantil. Outro fato marcante é que a maioria dos atores, diretores ou outros profissionais que produzem teatro para adultos não vêem e não se interessam em saber o que se está sendo produzido de teatro para crianças na cidade. O inverso já não é verdadeiro. Agora, como alguém pode generalizar e criticar a produção de teatro infantil da cidade, se este indivíduo não acompanha esta produção?


A importância dos editais públicos terem uma divisão do orçamento para teatro para infância e juventude e outra para o teatro adulto é que numa primeira instância teremos a certeza de contemplar um número fixo de espetáculos para crianças e jovens. De outra parte teremos como avaliadores dos projetos profissionais que estão envolvidos nesta área, o que dá maior credibilidade na escolha deles.

A existência dos editais Myriam Muniz da Funarte, o PAC da Secretaria Estadual de Cultura, o Fomento ao Teatro da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo, o edital do Festival da Cultura Inglesa, e do Teatro Alfa, a Mostra Sesi de Teatro Infantil, e outros editais nacionais, vem mais uma vez comprovar que a destinação de verbas para o segmento, associada ao talento dos grupos e ao trabalho continuado, pode gerar bons frutos no campo da pesquisa estética e propiciar um mergulho neste universo tão complexo que são as relações entre teatro, criança, cultura e sociedade.


Somente a pesquisa continuada, respaldada por recursos para tais fins, pode dar continuidade à excelência dos grupos que produzem teatro para crianças na cidade de São Paulo e em todo Brasil, exatamente como ocorre com o teatro adulto.


O aumento dos editais e a existência de outros projetos, como o Recreio nas Férias, que contemplam também o teatro para infância, têm obrigado os grupos a se profissionalizarem, gerando estruturas de produção e administração cada vez mais elaboradas, para tornar viável a existência do grupo e dar continuidade aos projetos de pesquisa da companhia.


Neste momento a cidade de São Paulo está muito bem servida de companhias que têm conseguido manter acesa a chama de um teatro que leva em conta a inteligência da criança, que procuram dialogar de igual para igual com ela e que têm realizado um trabalho de continuidade de pesquisa nesta área há alguns anos. Eles estão aí para comprovar que não é necessário fazer espetáculos com personagens da Disney, ou espetáculos “didatizantes” que sirvam as demandas dos calendários escolares.


Para citar apenas alguns desses grupos: Banda Mirim, Grupo As Meninas do Conto, Grupo Faz e Conta, Cia. Truks, Grupo Sobrevento, Grupo Seres de Luz Teatro, Cia. de Atores Bendita Trupe, Teatro da Gioconda, Cia. Vagalum-tumtum, Cia. Le Plat du Jour, Cia. Furunfunfum, Cia. Teatro das Coisas, Cia. Rodamoinho, La Mínima, Teatro da Peste, Teatro Vento Forte, Grupo Pasárgada, Pia Fraus Teatro, Cia. Articularte, Cia. Megamini, Luz da Ribalta, Cia. Paidéia e Cia. Ópera na Mala entre outros.


Apesar de todos estes bons indícios, ainda há muito que se fazer e conquistar para o setor do teatro para crianças, conquistas estas que são fundamentais para dar continuidade e estabilidade às companhias que fazem teatro de grupo.

Mais algumas considerações:

1. Necessidade da busca de um diálogo com as instituições contratantes em São Paulo, para se falar a respeito do achatamento dos cachês que, de uma maneira geral, são inferiores aos cachês praticados no teatro adulto, como se o teatro infantil usasse menos atores em cena, ou que o transporte do cenário seja mais barato.


2. A mobilização e a articulação do segmento ainda é embrionária. Vale citar a criação em 1978 da Associação Paulista de Teatro para Infância e Juventude – APTIJ, que foi uma entidade bastante atuante, que conseguiu aglutinar em torno de si vários profissionais deste universo, realizando um trabalho de articulação importante para o setor. Em 2007 é criado também na cidade de São Paulo, o Centro de Referência do Teatro para Infância, que tem dado sua contribuição neste sentido.


3. A reflexão e a produção intelectual sobre o teatro e infância ainda são pífios, e conseqüentemente também o são as publicações. Faltam revistas especializadas na área, como a revista Teatro da Juventude, que acabou em 1972, e era editada pela Comissão Estadual de Teatro, assim como mecanismos para editar os textos dos espetáculos.


4. A criação de mecanismos para que os espetáculos circulem em outros estados e conseqüentemente aconteça um maior intercâmbio entre os grupos e os profissionais deste segmento.


5. A troca de experiências com outros setores da produção artística voltados para infância: dança, cinema, literatura, contação de histórias, circo, artes visuais, música etc. Esta é uma condição estratégica para o fortalecimento do conceito de Cultura Infância, mesmo porque o teatro é uma arte polifônica por excelência, e tem a necessidade de dialogar com vários setores da produção artística.


6. A aproximação e o aprofundamento em outras áreas do conhecimento que possam contribuir para melhorar o entendimento da criança e da infância, tais como: a filosofia para crianças, a psicologia da infância, as relações da criança e consumo – eixo transversal importantíssimo para a compreensão da criança contemporânea –, assim como todas as questões relativas à cultura digital e televisão, e ao conhecimento das principais linhas de pensamento da educação e pedagogia.


O leitor deve estar se perguntando: para se fazer teatro para crianças precisa de tudo isso? Talvez este seja o diferencial ao qual Stanislavski se refere na frase que inicia este artigo. Parece muito a se fazer, mas adentrar neste universo significa um mergulho sem volta, representa um projeto de vida, a escolha deliberada de um caminho estético e filosófico a percorrer. É um conhecimento, um saber, que conquistamos com a continuidade e o fazer diário, advindo dos acertos e erros.


A infância e o ser criança vão muito além de certa faixa etária pela qual o ser humano passa. É também um estado arquetípico e simbólico, repleto de importantes valores, como o reencantamento do mundo, o lúdico, e a sinceridade que deveriam conviver com o ser humano adulto. Os estudos teóricos e práticos sobre a infância e a criança e as experiências tiradas das vivências com elas deveriam ser norteadores para a construção de um novo mundo e uma nova sociedade.


fonte Revista Camarim 42

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