sábado, 7 de março de 2009

4 - ARTIVISMO - MARCIA BINDO - Série AnarquiAção!!!


Olhe lá
Abra os olhos para a arte urbana (e engajada) que está nas ruas das cidades
por Marcia Bindo

O protagonista é o bairro e seus habitantes. O artista escolhe um lugar, alguém da vizinhança, tira uma foto e, com a ajuda de um suporte, desenha a carvão no muro o retrato em grande escala. Em algumas horas, um anônimo qualquer ganha proporções de ídolo ou herói. Essa é a intenção do cubano-americano Jorge Rodriguez-Gerada: reforçar a identidade de um lugar transformando pessoas comuns em celebridades, buscando um diálogo entre os habitantes e o local onde vivem.

Hoje, em grandes centros urbanos do mundo, artistas plásticos realizam, assim como Jorge, murais, esculturas, grafi tes e intervenções com o objetivo de sensibilizar o espaço urbano, mostrando que a cidade é um organismo vivo e que a arte tem de estar ao alcance de todos. É dessa mistura de arte com ativismo que surgiu o conceito artivismo. Para mostrar, de maneira escancarada, que a cidade é das pessoas, afinal.

Foi de tanto olhar para o poluído rio Pinheiros da janela do seu apartamento que o artista paulistano Eduardo Srur teve um lampejo. Em outubro do ano passado, Srur espalhou num trecho do rio 100 caiaques coloridos ocupados por manequins de plástico. O rio se transformou num grande esgoto a céu aberto, mas há 70 anos as pessoas nadavam, praticavam esportes e desfrutavam dele, diz. Para ele, a arte tem de alterar a realidade cotidiana adormecida. Queria que os paulistanos voltassem o olhar para o rio morto, quase invisível, e para os problemas ambientais. Seus caiaques encalharam em montes de lixo e garrafas plásticas acumulados no rio, imagem que inspirou sua próxima ação: colocar 25 garrafas PET gigantes pelas margens do Tietê, que depois serão transformadas em casacos de náilon e doadas para comunidades carentes da região.

Arte político-poética

Em essência, o artivismo responde à necessidade dos criadores de se manifestar em espaço público por alguma causa. No exemplo de Srur, para concretizar sua idéia foi necessário falar com a prefeitura, pedir autorização e usar a lei de incentivo para conseguir patrocínio e tornar viável sua intervenção. Mas a arte urbana normalmente não acontece assim. Intervenções usam a cidade como suporte, com ou sem autorização prévia. Muita gente acha que é vandalismo, invasão de propriedade, uma maneira de sujar a cidade, diz Aguinaldo Farias, curador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Eu acho que os artistas têm mais é que usar o espaço público, mas com uma desobediência que faça sentido. E o que seria isso? Segundo ele, a obra precisa ter pertinência e relevância, não ser meramente decorativa ou uma autopropaganda.

Impacto visual

Quando o túnel subterrâneo que passa sob a avenida Cidade Jardim, em São Paulo, foi inaugurado, seu interior era todo amarelinho. Em poucos dias, as chapas de ferro das laterais do túnel foram escurecendo até ficarem um negrume só. Estranhando a cor, o artista Alexandre Órion decidiu ver o que era, passou o dedo e pronto: saiu uma camada densa de fuligem. Ficou horrorizado. Queria limpar aquela sujeira, mas não sabia como, conta. O incômodo ficou em sua cabeça. Ele enxergou o túnel como uma catacumba urbana e que, se ele escavasse a fuligem, iria achar ossadas. Por 13 madrugadas, em julho do ano passado, Órion ia até o túnel Max Fefer e, com um pedaço de pano úmido, ia limpando a fuligem ao mesmo tempo que desenhava caveiras, uma intervenção que chamou de Ossário. A polícia vinha reclamar, mas não tinha argumento. Eu não estava pichando, estava limpando o túnel, diz.

Há mais de dez anos Órion usa as paredes abandonadas das cidades para questionar o que é feito com o lugar em que vivemos. Também usa a fuligem coletada dos panos encardidos como pigmento para pintar suas telas. Uma maneira de levar um pouco das ruas também para as galerias. A arte de rua por si só é uma desestruturadora social, leva a sociedade a repensar o espaço e a vida na cidade, diz Eduardo Brandão, professor de arte da FAAP e galerista da Galeria Vermelho, em São Paulo. Cada vez mais as galerias estão buscando os artistas de rua para expor em seus espaços, e artistas de galeria estão achando interessante fazer trabalhos nas ruas, diz ele. O que reflete um interesse maior por uma arte que cria diálogo com a cidade e com todos os que participam dela.

Conquista do espaço

A arte urbana depende do espaço público e traz um novo conceito de arte, chamado Site Specific as obras são pensadas para acontecer em determinado ponto, e só funcionam nesse local como as intervenções no rio Pinheiros e no túnel. Outra característica é que o artista costuma preferir o anonimato ao estrelismo. Tanto é que há novas gerações de coletivos de arte, grupos de pessoas que se juntam para fazer trabalhos em conjunto, com mais ênfase na colaboração criativa que no ego.

Como o grupo de artistas plásticos mineiros Poro o nome faz alusão à arte que troca informações com o meio externo. O coletivo faz ações como a da madrugada de 2003, quando se apropriou de canteiros abandonados de uma grande avenida de Belo Horizonte e ali plantou flores de papel. Outro exemplo é o coletivo Object Orange, formado por artistas de Detroit que pintaram prédios abandonados de laranja fosforescente para estimular a prefeitura da cidade a olhar para o problema e tomar atitudes, como demolir e recuperar a área. Ou ainda o caso do coletivo Bijari, em que artistas paulistanos discutem questões ligadas ao espaço público e, em seus trabalhos, criticam o urbanismo excludente. Em uma de suas intervenções em São Paulo, registrada em vídeo, eles soltaram uma galinha no largo da Batata, reduto de cultura popular e ponto de camelôs, e depois colocaram o bicho em frente ao Shopping Iguatemi, lugar freqüentado pela elite da cidade. Queriam registrar a reação das pessoas que passam por esses dois lugares, da afetividade à rejeição, mostrando como duas realidades tão distintas estão separados apenas por uma avenida.

Mas coletivos nada têm de novo. O que diferencia a crescente formação de coletivos são o caráter político e o uso de vídeos e internet para democratizar e divulgar seus trabalhos, diz Mario Ramiro, que na década de 70 integrou o trio 3Nós3, que realizou muitas intervenções em São Paulo, como o Ensacamento: cobriram com sacos de lixo esculturas e monumentos públicos para chamar a atenção de quem passava diariamente pelas ruas e sequer via as estátuas. Em outro momento, vedaram com um X de fita crepe as portas das galerias de arte, com a sugestiva mensagem: O que está dentro fica, o que está fora se expande.

Imagens impermanentes

Um guerrilheiro está para arremessar algo, mas, no lugar do coquetel molotov, segura um maço de flores. Um franco-atirador dispara e da metralhadora saem dezenas de pombas brancas. E do rosto da estátua da Liberdade escorre uma lágrima de sangue depois do 11 de Setembro. Algumas imagens de grafites espalhadas pelo mundo fazem uma crítica à violência e à guerra e nos ajudam a enxergar questões urbanas para que não passem despercebidas.

Mas é uma arte quase sempre efêmera. Tem a duração de uma intervenção, ou o tempo de uma pintura ser apagada. Dura o tempo do deslocamento do ritmo cotidiano para um ritmo poético. Mas, mesmo que passageira, tal como os enormes retratos feitos a carvão que com a água da chuva, o vento, e o tempo vão se apagando das paredes até desaparecer, uma intervenção ainda pode durar o tempo que a imagem fique na memória de quem a viu. Breve na mensagem, perene no significado.

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