terça-feira, 3 de março de 2009

7- LEO BASSI ENTREVISTADO - Manifesto Teatral dos Novos Nobres


A ARTE DE PROVOCAR

por Jairo Máximo e Lois Valsa



Bufão por tradição e opção, descendente de uma família italiana circense e anarquista cujas origens remotam ao século XVIII, Leo Bassi nasceu em 1952 em Nova York, por caso, mas ele se considera anti-Estados Unidos, mesmo depois dos atentados de 11 de setembro. "Não vou deixar os terroristas ditarem meu jeito de ser e me expressar. O que eu falo e faço é igual, antes de depois de 11 de setembro", declarou ele em entrevista exclusiva concedida a ISTOÉ em Madri. Seu último espetáculo, aliás, chama-se 12 de setembro e nasceu como uma reação à ausência de uma discussão crítica, na Europa, às decisões unilaterais de Tio Sam na luta antiterrorismo. "Quero devolver ao bufão o seu direito ancestral de dizer em voz bem alta o que os demais só pensam", proclama. Em português, bufão quer dizer bobo, cômico, mas no Brasil a palavra que melhor traduz esse personagem circense seria "comediante".
Depois de estrear em Madri, em fevereiro, Bassi foi à Alemanha, Áustria, Noruega, Itália e França. No Brasil ¾ onde esteve três vezes, já tendo sido inclusive assaltado, em Copacabana ¾, ele veio para apresentações em Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, onde estará no Sesc Santo André nos dia 9 e 10 de agosto. "Depois, só Deus e Alá sabem. Cabul e Nova York são os objetivos.”


ISTOÉ - Por que você escolheu o 11 de setembro como tema de seu espetáculo?
Bassi - Eu acho que é alucinante o fato de que não se possa tocar em temas fundamentais, por exemplo: por que ocorreu o 11 de setembro? Ademais, para mim existia uma covardia intelectual generalizada na Europa. Não foi exatamente uma grande surpresa que os atentados ocorressem com os americanos, mas não se podia falar nisso. Os ataques de 11 de setembro não foram obra de loucos. Existe um sentido para o que passou. E nos nos últimos meses, já podemos ler na mídia comentários mais críticos. Antes, as pessoas tinham muito medo de dizer o que realmente pensavam. Assim, deixamos deixamos que os Estados Unidos seguissem o seu caminho, sem nenhuma crítica, sem dizer nada.
Agora é o momento de analisar o que aconteceu e fazer uma discussão global. Ao mesmo tempo, pensar em como podemos nos organizar para que não existam tantas injustiças entre o Norte e o Sul, entre ricos e pobres. Se não for assim, continuaremos com a idéia de que o 11 de setembro foi uma loucura; que o mundo vai bem; que o mundo made in USA é o best e o modelo a seguir. Assim, o 12 de setembro nasceu de uma reação visceral provocada pela apatia e a ausência de discussão crítica no mundo europeu frente às decisões unilaterais que os EUA tomaram na sua guerra particular contra o terrorismo.

ISTOÉ - É verdade que 12 de setembro foi inspirado em uma piada que você ouviu em Belo Horizonte, no dia dos atentados terroristas?
Bassi - Não numa piada, e sim numa sensação. Eu estava em Belo Horizonte naquele dia fatídico. Observei que as pessoas estavam felizes. Ouvi muitas piadas que falavam de aviões. Além disso, também encontrei alguns políticos e burgueses de distintas índoles. E a minha impressão era de que estes ricos brasileiros tinham medo, e pensavam que ia começar uma revolução mundial: pobres contra ricos. No entanto, penso que, por projeção ou por se espelhar, os pobres viram neste atentado uma justiça divina sobre aqueles que sempre foram dominantes. Vi até gente dançar na rua de alegria.

ISTOÉ - Mas sua postura não poderia ser acusada de ser pró-terrorismo? Afinal, Bush não disse que "quem não está conosco está nós"?
Bassi - Diariamente enfrento este dilema. Acredito que nós, os palhaços, somos por natureza as pessoas mais pacíficas que existem, porque a cada noite soltamos nossa agressividade ludicamente diante do público. Porém, se alguns têm medo do que digo, podem até dizer que faço apologia do terrorismo. Mas prefiro usar outras palavras de Bush: "Não podemos deixar o terrorismo ditar nossa maneira de viver." Sigo essa máxima ao pé da letra. Eu era um pouco anti-USA antes dos atentados, e continuo sendo.


ISTOÉ - O que pensa dos escândalos das grandes corporações americanas?
Bassi - As notícias não me surprenderam. Há anos vem se falando de grandes empresas com contabilidade fraudulenta e executivos tendo milhões de dólares em lucros elegais. Uma sociedade não pode funcionar onde pessoas ganhem dinheiro dessa maneira. Não sou contra o livre mercado, mas acho que a sociedade tem que Ter mecanismos de controle e vigilância. É irônico ver Bush e Cheney assinarem leis para limpar a contabilidade das empresas quando eles e muitos republicanos viveram desse dinehrio ilegal. É uma hipocrisia total. Só me surpreende que a imprensa americana esteja sendo tão simpática com os donos do poder. Esperava que fosse como no escândalo Watergate, em que o The Washington Post denunciou Richard Nixon e provocou sua renúncia.


ISTOÉ - Você considera que existe uma crise na esquerda italiana que justifique o diretor de cinema Nanni Moretti tentar sacudir a sociedade?
Bassi - Como Berlusconi (Silvio Berlusconi, premiê conservador da Itália) tem todas as tevês, muitos jornais e revistas, ele está formando um pensamento único. Por exemplo, mesmo hoje, quando não existe mais comunismo em nenhum lugar do mundo ele continua falando em "ameaça comunista". No entanto, também é evidente que a esquerda está em crise na Europa. Aliás, o que significa esquerda, quando nem os governos governam e a política está dirigida cada dia mais pela economia, pelas multinacionais e pelos bancos? Entretanto, o que está acontecendo nos últimos meses é que a política italiana caiu em um patamar tão baixo que gerou uma reação de rejeição de muitos intelectuais e alguns políticos. Considero que isto é saudável para a cultura italiana, já que ela recebeu uma bofetada de Berlusconi e agora volta a se manifestar e atuar.

ISTOÉ - Seu teatro é provocativo?
Bassi - A provocação é uma ferramenta que utilizo para incitar o público. Penso que a maioria das pessoas é apática. E a provocação é uma coisa que desperta a consciência, pois o público a enfrenta. Muitos podem não gostar, e inclusive se assustar, mas todos têm que reagir. Com o espetáculo 12 de setembro, eu quis devolver ao bufão o seu direito ancestral de dizer em voz bem alta o que os demais só pensam. Pretendi surpreender as pessoas com posições políticas não-conformistas. Depois do espetáculo, espero que cada um compare suas opiniões com as minhas. Até podem não estar de acordo comigo. Não me preocupa. Asssim é a vida...

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