terça-feira, 31 de março de 2009

LIVRE COOPERAÇÃO -Christoph Spehr




A utopia política não seria obsoleta nos dias modernos ou pós-modernos. Não é algo que tenha de ser deixado de fora hoje mas, naturalmente, há algumas coisas, alguns aspectos, que têm de ser diferentes. A utopia política, o pensamento utópico de hoje, tem que se diferir da maioria das coisas que hoje reputamos como utopias políticas. Eu acho que a primeira coisa importante é que ela têm de ser não-prescritiva. A maioria dos pensamentos utópicos é prescritiva, no sentido de que dita ao povo o que fazer. A idéia que está por detrás disso é que, se foram estabelecidas as regras apropriadas, então a sociedade fluirá em ordem. Estas regras, porém, têm de ser respeitadas, é claro. É como uma gaiola feita pelo autor da utopia, onde se pode colocar as pessoas dentro. Se seguirem as regras, funciona. Isso, acho eu, é algo inaceitável hoje, e jamais poderá ser uma utopia livre. Portanto, deve-se construir a utopia no fato de que as pessoas façam o que querem. Não se pode impor nossas idéias da consciência correta, do certo e do errado, não se pode excluir certos desejos, algumas ações como erradas. Isto é o que você tem que fazer. Julgo isto muito importante.

Julgo também necessário que o pensamento utópico não seja elitista, no sentido de que exista uma elite com o direito à autoconfiança, ao conhecimento certo. Um grupo decisório de pensadores científicos que possa definir aos demais qual é o caso real, mas sim devemos construir a utopia numa comunidade igualitária, onde não importa o que as pessoas leram e com que teorias estejam familiarizadas. Sim, tem que funcionar com pessoas diferentes, e estas têm de ter a possibilidade de participar em bases de igualdade. Elas não devem ser excluídas. O acesso a esta utopia não deve ficar restrita ao questionamento de onde a pessoa, de onde o povo provém.

Também acho que hoje as utopias políticas não podem mais ser hierárquicas. Com isto eu não me refiro à questão da hierarquia e organização, mas a uma hierarquia de coisas maiores e coisas menores, no terreno do social. Umas vistas como importantes e outras vistas como não tão importantes - o que é típico de utopias clássicas. Na verdade, sabemos de muitos pensamentos utópicos que rezam: "O núcleo dos negócios, que chamamos de economia, é o que fazem as grandes empresas. É como as ferramentas são feitas, e outros aspectos como criar crianças ou desenvolver trabalho criativo, agir em conjunto de maneira modesta e adequada, são coisas menores e devem seguir as regras dos demais. Eu acho isso ilegítimo - porque isso vem sempre combinado com uma hierarquia entre pessoas diferentes, fazendo coisas diferentes, nessas sociedades utópicas - e julgo tratar-se de um caso transparente de desigualdade. Portanto, pode-se dizer que é preciso trazer a utopia de volta à cozinha. Tem que funcionar lá. E as regras da cozinha têm de ser aquelas das grandes corporações - não o contrário. Tudo que as pessoas fazem juntas é uma espécie de cooperação, porque elas compartilham o trabalho e empregam o trabalho, a experiência e a existência física de outros - também de maneira histórica, direta e indireta. E, embora existam dois extremos, a cooperação livre e a forçada, a maioria do que conhecemos na maior parte das sociedades é cooperação forçada.

Há três aspectos que devem ser levados em conta, se a idéia é construir livre cooperação. O primeiro é que todas as regras dessa cooperação possam ser questionadas por todos, não havendo regras santificadas que a pessoa não possa questionar ou rejeitar ou barganhar e negociar - que não é o caso na maioria das formas de cooperação e de organização que conhecemos hoje.

E o segundo aspecto que tem de ser assegurado, para a cooperação livre, é que as pessoas possam questionar e alterar as regras por meio dessa força primária material, que é a recusa de cooperar. De restringir sua cooperação. De impedir o que queiram fazer com essa cooperação, estabelecendo condições sob as quais essas pessoas queiram cooperar, ou queiram sair da cooperação. Elas têm de ter assegurado o direito de empregar essas medidas para influenciar as regras e que todos, na cooperação, possam fazer isso.

O terceiro aspecto - importante, porque doutra forma se constituiria apenas em chantagem dos mais poderosos sobre os menos poderosos - é que o preço da não cooperação, o que custa, caso se restrinja a cooperação, ou se a cooperação se divida, devia ser ... não exatamente igual ...mas semelhante para todos os participantes da cooperação. E deveria ser acessível. Isso quer dizer que pode ser feito, não é impossível, não é uma questão de mera existência, cooperar dessa maneira.

Por conseguinte, se essas três condições forem garantidas, a cooperação é livre ou pode ser livre, porque todos podem questionar e alterar as regras. Podem negociar a respeito das regras, usando seu poder para restringir o que estiver sendo colocado nessa cooperação, ou podem se retirar e procurar outra maneira de cooperar com outras pessoas ou outros grupos. E a idéia é dizer que este terceiro aspecto, o preço, que não é necessariamente dinheiro, o que custa dividir ou restringir a cooperação - para tornar este custo igual e acessível para todos os participantes -- é o núcleo da política de esquerda. Esse é o núcleo real dos negócios. É isso que a política de esquerda faz: ela ajusta as regras de modo que as pessoas tenham o mesmo poder para influenciar as regras, porque o preço que lhes custa, se houver ruptura ou restrição do engajamento, é o mesmo para todos.

Um bom exemplo de livre cooperação é a maneira como as mulheres dos zapatistas agiram na fase em que o movimento irrompera e quando tinha de ser tomada a decisão de como lutar, quando lutar contra o governo mexicano e quando usar até mesmo a força militar. Porque, de acordo com as notícias, houve uma assembléia de mulheres, que tomaram parte no movimento, e elas deixaram claro que haveria certas condições para elas participarem da luta e o que queriam realizar: questões de representação no movimento, de reconhecimento do direito das mulheres por parte do movimento. Caso isso fosse feito, elas participariam. Caso contrário seria apenas um "não- por parte delas. E eu julgo este um bom exemplo porque é algo que deu errado em muitos movimentos nacionais e coloniais de libertação que conhecemos. Porque a forma era a questão principal... Agora era preciso lutar contra um sistema colonial, todos têm de se juntar, na luta, e outras questões têm de ser abordadas posteriormente - o que, é claro, não funciona, porque o ponto em que se começa é o ponto onde devem ser iniciadas algumas negociações básicas. E aquelas mulheres se valeram de seu poder, quer dizer, usaram sua possibilidade de recusa em entrar no movimento, impuseram condições pela sua cooperação e o fizeram de uma maneira baseada no seu poder como grupo. Não houve razão para se infiltrarem na base formal do poder decisório do Movimento Zapatista. Essas coisas atuam independentemente de como aquelas estruturas são organizadas. Elas vieram juntas, como um grupo, e disseram: Participaremos, desde que, ou desde que não... ou não. E isso é também típico, porque não era necessário que todos conhecessem seus motivos e suas razões e não era necessário que explicassem tudo a todos. É apenas uma negociação que acontece e sobre a qual se pode tomar uma decisão. E eu acho que isto é muito importante na livre cooperação e sua força primária, porque aproxima-se do ponto onde essa força se perde, na maioria dos sistemas de apresentação formal, do processo decisório formal - do quanto é deixado fora porque não se encaixa no sistema. Mas, no exemplo dado, essa força foi realmente exercida.

Se tentarmos nos aproximar do conceito de livre cooperação, se perguntarmos que tipo de políticas se derivam desse conceito, julgo necessário propiciar uma espécie de visão geral dos tipos de instrumentos utilizados nas cooperações forçadas. Que níveis de força existem, na sociedade, e o que é necessário para todo grupo que queira se libertar e combater isso. Se o fizermos, veremos também que diferentes movimentos sociais vem se centrando e enfocando diferentes aspectos da cooperação forçada, o que reflete uma contradição entre eles. Nem todas essas contradições são necessárias; muitas delas podem ser explicadas por diferentes contextos históricos e por uma situação diferenciada.

Julgo que, de um lado, é útil deixar claro que a força é exercida em diversos níveis, digamos, em cinco níveis diversos, desde a força direta, força material, força bruta, como queiram, até várias formas de força econômica. Força econômica que se utiliza de dependência, diferentes níveis de controle, para formatos de força social mais genuínos, tais como discriminação, para a qual é necessário somente uma forma especial de comportamento de pessoas num grupo, não necessariamente qualquer coisa mais drástica.

Há também um nível que tem a ver com o controle do público. O controle de quem pode falar e quem é ouvido, na sociedade, e existe um nível que tem a ver com formas de dependência, em geral, porque quanto mais dependente a pessoa for, na cooperação, menos estará livre em sua ação para combatê-la.Estas são formas diferentes de força e, por outro lado, pode-se fazer uma espécie de matriz. Existem algumas providências que têm de ser tomadas, por parte de cada indivíduo ou cada grupo que se queiram liberar. Primeiro, é preciso desmantelar os instrumentos de dominação, é preciso abandonar a idéia de usá-los para coisas melhores. Conquistar cidadelas e então implementar uma política melhor -- não, é preciso derrubar por terra esses instrumentos de força, é preciso encontrar maneiras alternativas de cooperação e negociação, regras alternativas do social, as quais ... Eu emprego o termo de política de relacionamentos, porque isso é usado na discussão feminista italiana. Pode-se também dizer que é preciso encontrar formas alternativas de socializar, que é preciso desenvolver novas habilidades sociais, que não possuímos ou que perdemos, em nossos sistemas sociais. Porque não fomos treinados em como negociar com cada um. É preciso também desenvolver formas de se tornar independente e formas de articulação, articulação crítica, de clamar por espaço público. Portanto, se isso for feito, teremos em mãos uma espécie de matriz, e então veremos que o conceito de política de livre cooperação não é algo que alguém invente como planta baixa. É algo que se origina de movimentos sociais que datam dos séculos 20 e 21.

É muito importante que o conceito de cooperação livre não venha a ditar maneiras especiais de estruturar as sociedades, ou quaisquer outros níveis do social. É apenas um caminho de como as decisões são tomadas e pode, e irá, sempre incluir a criação de regras que permitam a grupos e pessoas tomarem decisões que não são tomadas por todos os membros desse grupo. Isso também permite que os grupos digam: queremos aqui uma regra especial, necessária para nós no momento, e que pode não ser a idéia final no longo curso, mas que possamos escolher, desde que haja uma garantia de que possa ser revertida. Acho isto importante porque permite a grupos, movimentos e grandes comunidades de estudarem, experimentarem e ajustarem suas formas de acordo com os problemas que enfrentem.

Tendemos a ser muito críticos de outras comunidades ao apontar aspectos que, na verdade, correm contra a noção de liberdade e igualdade. Dizemos, este movimento de liberação, em sua luta, tem uma espécie de hierarquia militar. Creio que esse não é o ponto, porém. O ponto é: é possível para estes grupos reverterem esta decisão? Trata-se realmente de uma decisão tomada sob condições de igualdade e de livre motivação pelos participantes, por ser necessária nessa luta? Ou se chegou a um ponto onde não é mais possível parar, onde parar é impossível devido a novas desigualdades para retirar a decisão?- o que, é claro, é o caso de muitos exemplos, mas esta é uma questão diferente. Julgo ser possível questionar o que outras comunidades fazem, desta maneira, mas isso não quer dizer que eu posso falar-lhes e decidir o que é bom para eles agora. Porém posso destacar problemas e desenvolvimentos que vejo, e apontar onde realmente não existe mais possibilidade de tomar decisões livres e igualitárias, nem qualquer cooperação.

Um ponto interessante levantado muito freqüentemente é: o que significa livre cooperação como espécie de conceito econômico. É possível tocar uma organização de negócios como livre cooperação? Que significa? Como parece? Não seria impossível, porque as empresas não podem se dividir se as pessoas que trabalham lá discordam dos rumos da empresa para o futuro. E será que isso não insere um elemento de instabilidade em todo o sistema? Temos que descartar isso? Não é a livre cooperação baseada em condições tais que todos tenham o suficiente para comer e levar uma qualidade de vida decente? E isso é garantido pelo que o processo econômico faz. Não é, em si mesmo, algo sujeito a livre cooperação.

E eu considero este um ponto muito importante porque, naturalmente, as empresas podem ser tocadas como livres cooperativas. E, novamente, sabemos de exemplos disto e de diferentes espécies de projetos sociais que lidam com dinheiro, que produzem coisas e funcionam como livres cooperativas, com as pessoas negociando, concordando e se dividindo, caso não concordem mais, e encontrando caminhos de como fazê-lo de maneira igualitária e justa. E também temos exemplos desse chamado setor terciário, onde grupos lidam com dinheiro e capital públicos, que lhes é passado para alcançarem resultados especiais, mas os quais são também livres, quanto aos caminhos que escolham. Acho que esses exemplos existem e, está claro, é algo que mudaria as estruturas das empresas de forma radical, porque, se o conceito for aplicado, então fica evidente que temos de fazer muito em cada organização econômica concentrada. Isto descarta a possibilidade de que haja pessoas que possuam um conhecimento tão especial de que nada é possível fazer sem elas, por exemplo. Portanto, também é preciso ficar implícito que se inclui processos de distribuição de conhecimento e habilidades. Também exige-se um ambiente onde seja possível, para as pessoas, se desligarem e sair, sim, por existirem outras possibilidades para elas - o que significa que elas mantenham sua forma material de existência garantida, não dependam de seu emprego, lá. Isto significa que os investimentos públicos são afetados de maneira que não existe apenas uma estrutura onde eu possa trabalhar graças aos meus conhecimentos profissionais, eu posso escolhê-la e ela me garante que eu posso tirar minha parte justa do todo para mim. Isso, é claro, é uma questão radical, porém absolutamente necessária. E não vejo porque seria impossível para as empresas se dividirem se houver desacordo sobre seu curso futuro. Já vemos isso hoje: grandes capitais se dividindo em pequenos capitais, recombinando o todo. Isso acontece e achamos tudo muito natural e, mesmo assim, não podemos imaginar que as pessoas que trabalham lá, que cooperam lá o façam elas próprias.

E julgo que exista um outro importante aspecto que é, se mencionarmos empresas como forma de livre cooperação: precisamos de formas para trazer pessoas de fora. Este era um ponto cego, mesmo em experiências de países socialistas que chegaram perto - como a idéia de uma democracia do povo, dentro da empresa - mas que excluía todos de fora. Portanto, também necessitamos garantir sua forma de cooperação - porque elas permitem que as empresas façam suas coisas - e que sejam representadas de alguma forma. Acho que precisaremos de muita experiência prática para conseguir isso. Também necessitamos de uma revisão dos experimentos históricos, o que não é feito hoje. E julgo isso crucial, porque a questão de como lidar com esse poder econômico, claro, é o núcleo de como lidar com o poder social.

A questão principal, com referência à implementação de livre cooperação no mundo de hoje, claro, é a questão da propriedade. Acho que é preciso sublinhar a idéia de que toda a propriedade, ou capital social, baseia-se no trabalho coletivo, claro. E não somente no trabalho de quem vive hoje, é algo que também capitaliza as atividades, o trabalho, o pensamento de pessoas do passado, de um grande número de pessoas e suas vidas. Portanto, este tipo de capital, com cuja forma nos preocupamos no sentido, digamos, conhecimento técnico ou social, no sentido de capital industrial, de capital intelectual, o que é importante hoje em dia, é algo que não pode pertencer a um pequeno número de pessoas somente porque são os CEO's da empresa - isso é apenas ridículo. Por outro lado, a propriedade, o acesso ao capital, é algo necessário ao povo. Não é nada que se possa ter vergonha de reclamar uma parte da propriedade, no mundo, porque carecemos do trabalho dos outros, precisamos de acesso ao capital para fazer coisas, para sobreviver. Portanto, não é concebível dizer que não existem formas de propriedade de modo algum. Não creio que seja concebível dizer que deveríamos ter uma sociedade ou comunidade onde todos façam o que querem e peguem o que quiserem. Portanto, são necessárias regras para acessar a propriedade, e acho que isso inclui a necessidade de transferir a propriedade, de distribuir a propriedade de maneira mais igual do que se faz hoje. E é preciso ficar claro que isto é processo que exige passos necessários. Porque temos de reconhecer que a propriedade nem sempre é algo que se possa cortar em fatias e distribuir. Portanto, este é um processo de reformatar a propriedade numa sociedade, de redistribuí-la.

Um ponto importante, que tem de ser abordado hoje, é a mobilidade de capital. É justamente o oposto da idéia de livre cooperação em que, se houver ruptura -- se as pessoas não quiserem mais cooperar ou possuem idéias diferentes do que essa cooperação deveria realizar -- então o preço da ruptura, da reformatação da cooperação, devia ser igual. E isto é exatamente o oposto do que o capital das grandes corporações faz nos dias de hoje, porque se gaba de dizer que pode levá-lo, e tudo que se mover com ele, para outros lugares onde as pessoas possam ser mais obedientes. E isto é algo que tem de ser restringido. Caso contrário não é possível desenvolver formas de redistribuição de propriedade, de alterar as regras de modo algum.

Os mercados capitalistas têm alguns aspectos que não podem ser transferidos para a livre cooperação. Por exemplo, é inaceitável que, quanto mais sucesso determinado participante do mercado fizer, mais o mercado pode ser excluído de outros concorrentes. E torna-se claro que, nos mercados capitalistas, o principal aspecto da concorrência não está melhorando, nem tendo idéias melhores, e sim aplicando mais força contra os outros para produzir por menor custo. É claro que este não pode ser um elemento de mercado na livre cooperação.

A situação é, não que não conheçamos nenhuma alternativa, ou que não haja contradição e nenhum movimento contra para a maioria das formas de falta de liberdade e desigualdade. O problema é que eles não apoiam a propriedade uns dos outros, que os movimentos são muito específicos em seu ambiente cultural e excluem um bocado de outras pessoas. Este é o caso, ainda hoje, e eu creio ser muito urgentemente necessário um processo de maior e mais profundo entendimento entre os diferentes movimentos, um processo de abertura cultural, e novos laços entre o cotidiano e todas as formas de cooperação, cooperação alternativa e o que geralmente achamos que sejam grandes questões políticas.

Não existe mudança real, na sociedade e em suas estruturas, sem passos - mas esses passos têm de consistir em reformas, no sentido de que elas não apenas se valham dos movimentos mas também das instituições. Não podemos nos livrar de todas as instituições, precisamos também construir algum respaldo legal, porque é dessa forma que parte da luta é feita. Aqui estamos sempre em perigo de não perceber que isso é apenas parte da luta e que se deve pensar a respeito - de maneira utópica - sobre a direção que estamos seguindo. O caminho para uma sociedade utópica não é alcançado somente acumulando-se reformas diferentes em itens diferentes. Também exige alguma forma de sentido, que não é encontrado como uma verdade, mas que é o resultado de negociação entre movimentos emancipatórios. Portanto, eu penso que hoje existam muitas idéias em desenvolvimento, no mundo, que se relacionam a conceitos como livre cooperação, e que podem ser alvo de interessante discussão. A discussão é essencial, porque esta espécie de diálogo entre diferentes idéias, pessoas diferentes, grupos diferentes, é necessária para construir coalizões, que é o que precisamos hoje.

Transcrição de um vídeo de Oliver Ressler, gravado em Bremen, Alemanha, 32 min., 2003.
Tradução do Instituto Itaú Cultural, São Paulo.
Fonte: Republicart (
http://www.repubicart.net/).

segunda-feira, 23 de março de 2009

UMA HOMENAGEM DO VOSSO CAVALHEIRO ANARCOCHAPADO, AO INSURRETO RODOLFO SHEFLER - OU RODOLFO PUNK, PELO SEU ANIVERSÁRIO, HOJE - 23 DE MARÇO


desta data até o dia 31 não tem postagens, por causa da viagem de luta antialienação do Teatro Fúria e os Insurretos Furiosos Desgovernados a Maceió. Mas como o blogzine é atemporal, desfreqüentar aqui não é desculpa verossímil. linque direto para a página do Rodofo Punk



PunkCordel dA INCRÍVEL PORÉM VERÍDICA HISTÓRIA DO PUNK RODOLFO E O INCRÍVEL PORÉM LEGÍTIMO DIAMANTE LAPIDADO, POR AQUELE QUE NUNCA MENTE VOSSO REPÓRTER CAVALHEIRO ANARCOCHAPADO

Um dia Rodolfo punk
Capinava o seu quintal
O verão tinha passado
Tava um bruta matagal

Tava o punk de ressaca
Tava bem desanimado
Porque da festa de ontem
Saiu por demais chapado

“Mas domingo é uma merda
Não se tem o que fazer
O domingão do porcão
Eu morro antes de ver

Fincava a enxada no chão
Já com dó daquelas plantas
Pois a preguiça batia
Só pensava em sua cama

“Thuc-thuc” que fazia
Enxada em terra batendo
“clanc-clanc” foi que fez
Na pedra a enxada tremendo

“Mas que porra essa pedra
Estragou a minha enxada
Mas agora eu quebro a pedra
É na base da paulada

O punk descontrolado
Batia o cabo da enxada
Quando a pedra trincou
Foi um caco em sua cara

O punk enfurecido
Pegou a pedra na mão
Por cima da sua cabeça
Atirou forte no chão

Não descrevo a surpresa
Como o punk ficou bobo
Quando viu que aquela pedra
Era um tipo de ovo

E bem no meio do ovo
Tinha algo tão brilhante
Deu um grito ficou rouco
Era um lindo diamante

Que enorme era a pedra
Que diamante mais lindo
Nas mãos sujas do Rodolfo
Punk contente sorrindo

Levou a pedra pra dentro
E pôs em cima da pia
Pra ficar admirando
Ao se lavar na bacia

O punk acendeu a vela
A energia cortada
O diamante na mesa
A lata de marmelada

E dentro daquela lata
Feijãozinho com batata
E no copo de cerveja
Um leite morno com nata

Foi dormir cedo o punk
Hell City então queimava
Pra se afastar dos mosquitos
No lençol o punk suava

Não pregou o olho o punk
Não tirou do diamante
Nossa como era pesado
Como era tão gigante

Demorou pra amanhecer
Já tomara 3 cafés
O Rodolfo até trincado
Pras 7 faltavam 10

Lá se foi às sete e quinze
Sete e meia lá na porta
Da casa de um seu amigo
Que trabalhava na poda

Lapidava diamante
E entendia de quota
O Rodolfo estava rico
E isso é o que importa

O amigo sonolento
Já pronto pra trabalhar
Boca suja de manteiga
Mandou o Rodolfo entrar

Mais um café o Rodolfo
Tomou junto com bisnaga
E mostrou o diamante
O amigo ficou de cara

“Onde foi que achou isso?
Sortudo fela da puta
Eu jamais que tinha visto
Eu que lido na labuta!

Diamante lindo desse
E que quilate batuta
Dá em jornal nacional
Faz os outros tão fajutas”

O Rodolfo então contou
Para o amigo atrasado
Os versos que o leitor
Já está bem inteirado

O amigo sempre atento
Ouvindo embasbacado
Até esse ponto aqui
Donde Vós Sereis Guiados

Agora lá vão os dois
Estão a dobrar a esquina
Vão lá os dois apressados
Juntos rumo à oficina

Quando correram a porta
Já quatro lá esperavam
Com os 6 dentro da loja
O dono todos trancaram

E pediu que esperassem
E os 5 esperaram
O amigo escrevia
Quando 4 conversavam

Correndo de novo a porta
E fechando os 5 dentro
O amigo pendurou
Na porta cartaz tremendo

Mentindo que por motivos
De luto estava devendo
Pra trabalhar amanhã
Pois hoje estava sofrendo

Atendeu pois o primeiro
Com a pepita na mão
E dispensou o segundo
Com Rolex de ladrão

Com o segundo mais dois
Já na rua os três vão
Balançando o relógio
Que roubaram de um bobão

Trabalharam dia inteiro
Só os dois ali trancados
A pedra é muito boa
Os dois estão bem suados

De tão dura era a pedra
aíram de lá quebrados
Mas também mui satisfeitos
E um tanto extasiados

Nem precisaram fumar
Para ficar bem chapados
Quando a pedra virou
Diamante lapidado

E foram comemorar
Lá no bar do Cachorrão
O Rodolfo e o diamante
Na aba do amigão

Que também estava liso
Mas com pepita na mão
Penduraram uma dúzia
“amanhã eu pago então”

Na terça foi o Rodolfo
Ter com a Ana Cristina
Pra falar do diamante
O fato é que essa menina

Trabalha com jornalismo
É o melhor canal pra mina
Meio dia do aeroporto
Já parte o punk traquina

Às seis lá no hotel
O Rodolfo na banheira
Escolhe o que deseja
Pedir para a cozinheira

E escolhe camarão
Com lula na frigideira
Balde de batata frita
Meia dúzia de cerveja

Meia noite pôs a par
Jô Soares atrasado
Do verso que todo mundo
Já está bem inteirado

Quando tirou da algibeira
Diamante lapidado
O Rodolfo que enxerga
Tudo desenho animado

Abriu uma gargalhada
De um porco engravatado
Boca caída babando
De olhos arregalados

Na piscina do hotel
Ta fazendo a digestão
Da lagosta com batatas
Com mais 3 vinhos “chandão”

O punk ali peidando
De moicano pavão
Ontem comia na lata
Batatinha com feijão

Agora dá entrevista
Pra um jornal do Japão
O mundo maravilhado
Vendo na televisão

Diamante lapidado
No dono daquela mão
Moicano na piscina
Nem disfarça um arrotão

Na quarta tem coletiva
Para todo esse mundão
Diamante lapidado
Na quinta vai a leilão

Hoje sexta ri Rodolfo
De como é ignorante
Esa boba raça humana
Que se acha tão brilhante

Ta olhando o seu pau
Na boca tão excitante
Da famosinha ninfeta
De uma beleza gritante

Filha de industrial
Dessas lindas tão pedantes
Ontem batia punheta
Pra uma playboy de antes

Que tinha uma paquita
Que apanha dessa gigante
Agora seu moicano
Vai virar moda infame

Porque ele ouve Pistols
Tomando guiness gitane
No bar do getúlio gril
Que coisa tão intrigante

Ontem tava muito mal
Situação humilhante
Onde não há uma visita
Que entre e não se espante

Prato-panela de lata
Passa logo num instante
Qualquer fome e apetite
De quem você quer que jante

E ele de moicano
contemplando o boquete
milhões de divagações
em sua mente se mete:

“Que aconteceu comigo?
De ontem para diante?
Todas querem dar pra mim
Eu me tornei tão galante

Quero por favor me diga
Mas não seja sacripante
Pra que serve a batata?
Serve à fome maltratante

E pra que serve a água?
Serve a sede delirante
Isso eu sei - o que não sei:
Pra Que Serve Um Diamante?"

Hell City – sexta feira
Cada minuto se sucede
Dia treze de agosto
Do ano de 2007

domingo, 22 de março de 2009

FELLINI E O PALHAÇO




Sobre o Clown
Federico Fellini


O clown é como a sombra

Tenho sob os olhos, entre outras muitas, uma definição do clown feita por meu conterrâneo Alfredo Panzini, no Diccionario Moderno:

"CLOWN - palavra inglesa (pronuncia-se cláun) que quer dizer rústico, rude, torpe, indicando depois quem com artificiosa torpeza faz o público rir. É o nosso palhaço."

Mas também aqui existe a mesma miserável diferença do termo estrangeiro que enobrece a coisa. O palhaço é mais de feira e praça, o clown, de circo e palco. Um bom acrobata é um clown, isto é, quase um artista, e julgará imprópria e ofensiva a expressão palhaço. Mas clown designa também o palhaço. O próprio Carducci, defensor do vernáculo, nas prosas polêmicas de Confessioni e Bataglie, capítulo Ça ira, não desdenha a palavra.

Neste tempos de nacionalismo, que direi eu? Bem, o clown encarna os traços da criatura fantástica, que exprime o lado irracional do homem, a parte do instinto, o rebelde a contestar a ordem superior que há em cada um de nós.

É uma caricatura do homem como animal e criança, como enganado e enganador. É um espelho em que o homem se reflete de maneira grotesca, deformada, e vê a sua imagem torpe. É a sombra.

O clown sempre existirá. Pois está fora de cogitação indagar se a sombra morreu, se a sombra morre.

Para que ela morra, o sol tem de estar a pique sobre a cabeça. A sombra desaparece e o homem, inteiramente iluminado, perde seus lados caricaturescos, grotescos, disformes. Diante duma criatura tão realizada, o clown, entendido no aspeto disforme, perderia a razão de existir. O clown, é evidente, não teria sumido, apenas seria assimilado. Noutras palavras, o irracional, o infantil, o instintivo já não seriam vistos com o olhar deformador que os torna informes.

Por acaso São Francisco não definiu a si mesmo como jogral de Deus?

Lao Tsé afirmava: "Quando produzas em pensamento, te ri dele."

O branco e o augusto
Quando digo o clown, penso no augusto. Com efeito, as duas figuras são o clown branco e o augusto. O primeiro é a elegância, a graça, a harmonia, a inteligência, a lucidez, que se propõem de forma moralista, como as situações ideais, únicas, as divindades indiscutíveis. Eis que em seguida surge o aspeto negativo da questão. Pois dessa forma o clown branco se converte em Mãe, Pai, Professor, Artista, o Belo, em suma, no que se deve fazer.


Então o augusto, que devia sucumbir ao encanto dessas perfeições, se não fossem ostentadas com tanto rigor, se rebela. Vê as lantejoulas cintilantes, mas a vaidade com que são apresentadas as torna inalcançáveis. O augusto, que é a criança que faz sujeira em cima, se revolta ante tanta perfeição, se embebeda, rola no chão e na alma, numa rebeldia perpétua.

Essa é a luta entre o orgulhoso culto da razão, onde o estético é proposto de forma despótica, e o instinto, a liberdade do instinto.

O clown branco e o augusto são a professora e o menino, a mãe e o filho arteiro, e até se podia dizer que o anjo com a espada flamejante e o pecador. São, em suma, duas atitudes psicológicas do homem, o impulso para cima e o impulso para baixo, divididos, separados.

O filme [I Clowns] termina com as duas figuras se encontrando e desaparecendo juntas. Por que comove essa situação? Porque as duas figuras encarnam um mito que está dentro de cada um de nós – a reconciliação dos opostos, a unidade do ser.

A dose de dor que existe na guerra contínua entre o clown branco e o augusto não se deve às músicas nem a nada parecido, mas ao fato de presenciarmos a algo que se liga à nossa própria incapacidade de conciliar as duas figuras. Com efeito, quanto mais procures obrigar o augusto a tocar violino, mais dará soprinhos com o trombone. O clown branco ainda pretenderá que o augusto seja elegante. Mas quanto mais autoritária seja essa intenção, mais o outro se mostrará mal e desajeitado.

É o apólogo de uma educação que procura pôr a vida em termos ideais e abstratos. Mas Lao Tsé dizia com acerto: Quando produzas um pensamento (= clown branco), te ri dele (=clown augusto).

Outra versão do par
Neste ponto, também podia citar a famosa antítese popular chinesa entre ying e yang, o frio e o sol, a fêmea e o macho, todos os possíveis contrastes. Podia-se falar de Hegel e da dialética, acrescentar que os augustos são, mais justamente, uma imagem subproletária do pátio dos milagres, com desnutridos, disformes, marginais, capazes talvez de revoltas, não de revoluções. É provável que o povo sempre os tenha tratado com confiança por causa de sua condição miserável, sentindo-se familiar ao abismo.


Os Fratellini foram os que introduziram um terceiro personagem, o "contre-pitre", parecido ao augusto, mas que se aliava ao patrão. Era o vigarista de rua, o espião, alcagüete da polícia, o liberado a se mover nas duas zonas, a meio caminho da autoridade e do delito.

Com exceção de François Fratellini, que fazia um aéreo clown branco, cheio de graça e amabilidade, incapaz de usar o tom acre da gozação para um mais fraco, todos os clowns brancos eram homens muito duros. Diz-se que Antonet, um afamado clown branco, fora de cena nunca dirigiu a palavra a Beby, que era o seu augusto. O personagem influenciava o homem e vice-versa. Uma das regras do jogo é que o clown branco tem de ser malvado. Ele dá bofetadas.

O augusto: - Tenho sede.
O clown branco: - Tem dinheiro?
O augusto: - Não.
O clown branco: - Então não tem sede.


Outra tendência do clown branco é explorar o augusto, não apenas como objeto de burla, mas como serviçal. Neste ponto, é característico este início: - Não tens que fazer nada, eu faço tudo. – E o clown branco manda o augusto pegar as cadeiras, pondo-lhe a fela sob o traseiro.

O clown branco é um burguês, que de entrada procura surpreender com sua aparência de rico, poderoso, maravilhoso. O rosto é branco, espectral, franze as sobrancelhas, a boca é assinalada por um só traço, duro, antipático, frio, desigual. Os clowns brancos sempre competiram para ficar com o traje mais luxuoso na luta dos figurinos. Célebre foi Theodore, que possuía uma roupa para cada dia do ano.

O augusto, pelo contrário, faz um tipo único que não muda nem pode mudar de roupa. É o mendigo, o menino, o esfarrapado...

A família burguesa é uma junta de clowns brancos, em que a criança se vê relegada à condição de augusto. A mãe diz: Não faças isso, não faças aquilo... Quando se convidam os vizinhos e se pede à criança que diga uma poesia – Mostra a esses senhores como... – é uma típica situação de circo.

Ser augusto é bom para a saúde
O clown branco assusta as crianças por representar o dever ou, empregando uma palavra na moda, a repressão.


A criança se identifica de saída com o augusto, na medida em que esse se parece com um patinho feio ou um cachorro e é maltratado, e por isso quebra os pratos, se retorce no chão, se atira baldes d'água no rosto. É o que a criança gostaria de fazer e os clowns brancos, os adultos, a mãe, a tia, impedem que faça.

No circo, através do augusto, a criança pode imaginar que faz tudo o que está proibido, se vestir de mulher, armar surpresas, gritas, dizer em voz alta o que pensa.

Aqui ninguém te repreende. Pelo contrário, te aplaudem.
(...)


Minha cidadezinha se transforma num toldo
A chegada do circo durante a noite, na primeira vez que o vi, ainda criança, teve o cunho de uma aparição. Um mundo novo, não precedido por nada. Na noite anterior não existia e, na manhã seguinte, ali estava, diante da minha casa.


De saída, pensei se tratar de um barco desproporcional. Logo a invasão, pois foi isso, uma invasão, estava ligada com algo de marinho, uma pequena tribo pirata.

Então, além do medo, o fascínio pelo clown, surgido desse clima marinho, foi definitivo.

Ao clown principal, Pierino, vi na pequena fonte, no dia seguinte à estréia. Poder tocá-lo, ser ele!

Totó, seu irmão, era um clown branco pobre. Trabalhava com uma camisa, uma gravata e umas calças de fustão.

Fazer rir me pareceu algo extraordinário, uma sorte, um privilégio.

No espetáculo de domingo à tarde, sem o toldo, perto da cadeia, os presidiários gritavam atrás das grades. Totó se dirigiu duas vezes a eles. Como um clown branco, fazia outros augustos infelizes.

Daquele momento em diante, minha cidade se transformou insensivelmente num grande toldo. Sob esse estavam os augustos, junto com o prefeito e o chefe fascista local vestidos de clowns brancos.

A insatisfação que os clowns brancos traziam, também se podia achar em figuras dementes da cidade, sobretudo os augustos, mais que os clowns brancos. Essas figuras eram lembradas em casa como bichos-papões. "Se não comes o espinafre, vais ficar como o Giudizio" – dizia minha mãe.

Giudizio era justamente um augusto de circo. Um capote militar cinco ou seis vezes maior que o corpo, sapatos de borracha branca até no inverno, uma manta de cavalo nos ombros. Mas possuía sua dignidade, como o mais esfarrapado dos palhaços. Fitava um Isotta Fraschini resplendente e, com uma bagana nos lábios presa por um alfinete, afirmava: "Nem de presente, ficaria com ele."

Mas o clown branco, com seu encanto lunar, a elegância noturna, espectral, lembrava a fria autoridade de algumas monjas diretoras de asilos; ou a certos fascistas pretenciosos, com as brilhantes sedas negras, os alamares dourados, o rebenque (como a pazinha do clown), os capotões, o fez e os adornos militares, homens ainda jovens com os rostos pálidos dos capangas, dos notívagos.
(...)


O jogo do clown branco e do augusto
O mundo, não só minha cidade, está povoado de clowns.
Quando estive em Paris para este filme, imaginei uma seqüência, que depois não rodei, em que, andando de táxi, de tanto falar nos clowns, podia-se vê-los na rua. Velhas ridículas com chapéus absurdos, mulheres com sacolas de plástico na cabeça para se proteger da chuva, chapéus e casacos que encolheram, homens de negócios com pastas típicas e um bispo, de aspeto embalsamado, sentado num auto junto ao nosso.


Se me imagino um clown, creio que sou um augusto. Mas também um clown branco ou, talvez, o diretor do circo. O médico de loucos que, por sua vez, enlouqueceu.

Continuemos a prova. Gadda era um belo augusto. Mas Piovene é um clown branco. Moravia, um augusto que desejaria ser branco. Melhor, é um Monsier Loyale, o diretor do circo, procurando conciliar as duas tendências e se manter num terreno objetivo, imparcial. Pasolini é um clown branco do tipo engraçado e sabichão. Antonioni é um augusto desses silenciosos, murchos, tristes. Parise pode ser tudo, um augusto mendigo, sempre meio bêbado, e também um clown branco impertinente, acerado, misógino, dos que esbofeteiam o augusto sem mesmo lhe dar uma explicação.

Picasso? Um augusto triunfal, presunçoso, sem complexos, que sabe fazer tudo e no fim é quem vence o clown branco. Einstein, um augusto sonhador, encantado, que não fala, mas no último instante tira, cândido, do bolso a solução do enigma proposto pelo atilado clown branco. Visconti, um clown branco de grande autoridade, cujo faustoso traje impressiona. Hitler, um clown branco. Mussolini, um augusto. Pacelli, um clown branco. Roncalli, um augusto. Freud, um clown branco. Jung, um augusto.

O jogo é tão certo que, se te vês por acaso ante um clown branco, tendes a ser um augusto, e vice-versa.

O chefe de produção da minha fita era um clown branco. Assim, os outros no convertíamos em augustos. Apenas a aparição de um clown branco mais ameaçador, o fascista, nos transformava também em clowns brancos, desde o momento em que lhe respondíamos, disciplinados, com a saudação romana.

Apenas a destrambelhada aparição de Giovannone, o augusto que assustava as camponesas lhes mostrando o membro como uma lebre morta, surpreso de conviver com esse inquilino que aceitava, nos mudava em clowns brancos quando lhe dizíamos: "Mas o que estás fazendo, Giovannone?"

Até na missa essa relação tinha lugar. Acontecia entre o sacerdote e alguns sacristães, que andavam entre os bancos da igreja interrrompendo o rito, com olhos apagados e alcoolizados, a pedir esmola.

Este texto é um excerto do comentário que fez Fellini a seu filme I Clowns, feito para a televisão em 1970. In ""Fellini por Fellini", L&PM Editores Ltda., Porto Alegre, 1974, págs. 1-7. Tradução de Paulo Hecker Filho.

4º - CRÍTICA AO TEATRO FÚRIA E OS INSURRETOS FURIOSOS - JÚLIO CUSTÓDIO


"Gostaria de mais referências. No que há interseção com outras artes, que tenho certa familiaridade, talvez possa me expressar mais coerentemente, mas naquilo que é teatro puro, se existe tal coisa, não terei muitos meios de me defender além do público burro. Com esse alerta, o choque. Sábado me fascinei. O Fúria há tempos me atraía indiretamente. Na boca de certas pessoas, a palavra ¿profissionalismo¿ soa algo felizmente como competência e boa arte, tal como eu os entendo. Essas pessoas me diziam isso sobre o Fúria. Me senti livre, então, para elevar minha expectativa no ápice do meu contexto

No que refere à arte, expectativa alta superada é algo raro em Cuiabá. O Fúria fez. É uma pena ter sido meu primeiro deles. É uma felicidade ter sentado na primeira fila do sábado. Entendi, logo nos primeiros minutos, a razão do teatro nunca ter sido considerado muito por mim. Era claro, e óbvio: eu nunca tinha assistido uma boa peça. Como é reconfortante uma obra preocupada nos detalhes! Estavam ali, cada ser fora do que é, e realmente sendo essa ausência. As mesas, o livro, a sujeira... os atores. Respeito à linguagem escolhida. Presentes, apresentação do tema, legitimação de um passado na história, a convivência dos personagens, a vida da trama, caos e fim. Os diálogos, algo com o qual fico sempre apreensivo em livros e filmes, estavam como e onde deveriam estar, em função da trama, dos personagens, e de nada mais.

Havia um defeito sim, e seu eu estivesse mais acostumado com outros nível-Fúria talvez considerasse agora como um problema grave. Falando em arte pura, a tese final do roteiro, aquilo que se pode tirar de fábula, o objeto ironizado e a própria ironia, no caso, a deliberação e a aquela justiça, não me apresentou e nem me apontou para nada novo. Dirão alguns, desde quando apontar é papel da arte? Ainda mais, precisamente, da arte pura? Mas, pensem sem ciúmes, desde quando a arte pura não aponta coisa alguma? Há mesmo alguma manifestação artística que não aponta? Algum artista que se esconde, logo em sua arte?

Foi esse o único não-preencher-me da noite. Mas não, de maneira alguma, isso não diminuiu o superar a expectativa. A arte do Fúria é um exemplo para todos os artistas de Cuiabá. É prazeroso encontrar uma boa relação entre pretensão e capacidade. De tudo ali, há algo que me seduziu muito destacadamente: Plínio! Atriz e personagem se conheciam muito bem, não havia conflito entre eles. Bruna e Plínio foram um eterno ponto alto na peça. Uma constância assustadora. Levaria sozinha, e com naturalidade, o espetáculo em suas costas, se acaso o conjunto todo não fosse tão competente e desandasse por algum motivo. Saudosa. Ela e toda a peça. Parabéns ao Fúria, sinceros. Esperamos ansiosos mais, e pela maravilha obtida, esperaremos, sempre, ainda melhor."

sábado, 21 de março de 2009

TEXTO ENVIADO POR AMAURY BORGES PARA O NÚCLEO DE PESQUISAS TEATRAIS

na falta de outra foto do núcleo vai esta mesma repetida

Embebidos de experiências precárias que, de algum modo, possa afetar,instigar, fustigar o outro/outra da outra ponta...É preciso, do atuante, a capacidade de mergulhar para retornar àsuperfície/forma instável, embebido de algo para Encontrar, comungar,compartilhar, até confrontar e desestabilizar a outra ponta do outro/outra;"O teatro como arte do encontro": o lugar/tempo dos comuns/diferentes/diversos. A busca da "memória comum" se dá na passagem. Tudo épassagem. O teatro está na travessia, no ponto/ponte desta zonainstável, como a arte da fronteira, a sem fronteira, por que já,agora, está num outro tempo-espaço.Talvez, a poética cênica se darianum não-lugar ou num renovado lugar do invisível se tornando visívelna presença do outro/outra.Nesses nossos tempos de barbárie generalizada, de quando é comumeliminar o outro/outra,que teatro será possível? Que tipo de encontro será possível?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Trabajo del Actor -Sentido y Fundamentos - Daniel Cazabat

foto de Periplo compañía Teatral, vayas con el ratón sobre ella se deseas verla mayor, huevon!!!

Trabajo del Actor -Sentido y Fundamentos
Diego Cazabat


Cuando comencé el trabajo de investigación con Periplo compañía Teatral, una de las dudas principales era si, finalmente, la técnica no se impondría sobre la sensibilidad de los actores y el objeto de arte no se transformaría en una demostración de habilidades técnicas de algunos actores entrenados. La precisión, ¿no iría en contra de la espontaneidad de las acciones y las haría previsibles, impidiendo al actor estar presente y sorprenderse de las acciones cometidas por y sobre él ? Sabíamos que en esa duda se encontraba el primer objeto de nuestras investigaciones. Así quedó planteada una de las primeras hipótesis de trabajo: precisión y espontaneidad no son contradictorias sino complementarias. (1)

Con este objetivo, inicié con la Compañía un trabajo diario apoyándome en ejercitación original, mas la que se desprende del rescate e implementación de principios de distintas técnicas del cuerpo y técnicas de distintas tradiciones representacionales, centrando el objetivo, en el encuentro y descubrimiento de palancas que le permitan al actor confrontarse en forma permanente; un trabajo sistemático destinado a sobrepasar los propios limites y dificultades que le impiden al actor circular y aparecer en el espacio con plenitud, en función de los requerimientos que el hecho teatral plantea.

En consecuencia el objetivo planteado no fue la adquisición de habilidades o fórmulas resolutivas, fue el encuentro de unidades de entrenamiento que otorguen el manejo de un andamiaje de elementos técnicos, metodológicos, de principios para la actuación y que los mismos no sean un fin en si mismo sino que funcionen, en el actor con una actitud rigurosa, como trampolín de una búsqueda personal, permitiéndole estructurar sus unidades de acción de forma precisa.

Generar partituras de acciones estructuradas, que una vez incorporadas, es decir objetivadas, lo lleven a circular en ellas con total libertad. Generar partituras de acciones, donde cada acción sea su utilidad, en consecuencia trascendente en el instante para el que la ejecuta, que cada unidad sea acción y no imagen de la acción(2). Partituras donde el actor siempre este en trabajo, presente.

A partir de esto es obvio que surgen innumerables preguntas, como por ejemplo, en donde están sostenidas "internamente" o como surgen estas unidades o la totalidad de las partituras en el actor, como se hace de estas unidades una cadena y no eslabones separados, si lo que se improvisa no es la partitura ya que esta es objetiva y se ejecuta, ¿que es lo que se improvisa ?.

La cuestión es que una partitura rigurosamente estructurada puede funcionar como el canal donde el flujo vital, los impulsos, el caudal energético del actor viaje y se exprese.

Por otro lado surge la pregunta ¿que lugar queda para la espontaneidad ?. Un hecho espontaneo es aquel que sucede en un preciso momento y en un lugar justo.(3) Por eso sorprende. De modo que no es descabellado pensar que precisión y espontaneidad son la misma cosa, o al menos se los puede tomar como dos aspectos complementarios de un mismo hecho.

De todas formas, estas preguntas y otras que aparecerán siguen siendo parte del campo fértil en el trabajo de investigación propuesto. Lo cierto es que desde esta perspectiva, el trabajo de entrenamiento como confrontación, es una tarea de vital importancia. En consecuencia, también lo es el descubrimiento de nuevas herramientas y unidades de entrenamiento o, al menos, la afinación de las que habitualmente usamos.

PERFIL DEL TRABAJO DE ENTRENAMIENTO.
Partiendo de definir al espacio teatral como un espacio extracotidiano, no como lugar físico determinado, sino como el espacio-tiempo generado por el actor al desplazar una energía distinta a la cotidiana, el entrenamiento debe girar alrededor de la utilización de técnicas extracotidianas del cuerpo.


Cotidianeidad y extracotidianeidad, plantean dos maneras de ubicarse en el mundo, de transitar la relación espacio-tiempo, en consecuencia determinan comportamientos e instrumentaciones diferentes.

El espacio-tiempo de la cotideaneidad, genera una forma de utilizar el cuerpo, que podríamos decir es, de funcionamiento económico a nivel energético, ya que tiende a generar un máximo rendimiento con el mínimo esfuerzo.

El uso extracotidiano del cuerpo requiere una circulación energético consciente y un mayor costo en unidades de la misma para un mismo movimiento.

Es indiscutible que el actor como sujeto de la acción, necesita un entrenamiento que le permita estar en escena con los canales abiertos, unido y disponible, en estado de alerta para captar, recepcionar y hacer fluir todos los estímulos y señales que en el espacio-tiempo extracotidiano aparecen. Considero al trabajo de entrenamiento como una puerta de entrada, un puente para el actor a un espacio tiempo propio no cotidiano, es decir como una vía que le posibilite estar en ese espacio-tiempo no cotidiano, con la complejidad que este hecho implica y no solo concebirlo como la mera adquisición de habilidades. El entrenamiento como un puente a una circulación energética diferente a la habitual, y no como un fin en si mismo : la habilidad.

Para que el trabajo de entrenamiento funcione como se viene planteando, es decir como puerta de entrada, vía o puente a ese "otro lugar" o circulación energética propia e indispensable para el trabajo del actor, el mismo debe tener un perfil que podemos sintetizarlo como de confrontación con nuestros limites. Podríamos decir, para no abundar, que visto de esta manera, los ejercicios o unidades de entrenamiento, "deben ser tomados como desafíos, desafíos que plantean deberes, objetivos que parecen sobrepasar las propias capacidades. Se trata de invitar al actor a lo imposible y dehacerle descubrir que el imposible puede dividirse en pequeños pedazos, en pequeños elementos y volverlo posible. De este modo el actor se vuelve como un canal abierto a la energía y, como decíamos, encuentra la conjunción entre el rigor de los elementos y el flujo de la vida."(4).

CREAR LAS CIRCUNSTANCIAS PARA EL TRABAJO.
Lo planteado anteriormente atiende en forma sintética a enunciar alguna hipótesis, perfil y fundamento de parte de nuestro trabajo. Es un intento de exponer, en base a algunas definiciones nuestras y de otros, donde la tarea del grupo se apoya. El encuentro de estas definiciones y su necesidad no tienen que ver con una cuestión teórica en abstracto, mas bien aparecen como nuestro hacer cotidiano, como nuestra comprensión practica. " El hombre de conocimiento dispone del doing, del hacer y no de ideas o de teorías. ¿Que hace por el aprendiz el verdadero teacher ? El dice : haz esto. El aprendiz lucha por comprender, por reducir lo desconocido a conocido, por evitar hacerlo. Por el mismo hecho de querer comprender opone resistencia. Puede comprender solo si hace. Hace o no hace. El conocimiento es un problema de hacer ". (5)


Ahora resulta importante desde mi visión el planteo de la necesidad de un grupo, como condición para que lo anterior se desarrolle. Cuando hablo de grupo, me refiero a una Compañía con un objetivo claro a largo plazo, con una práctica sistemática y rigurosa, que permita concretar un trabajo en el tiempo y que el mismo de la posibilidad de sacar conclusiones de la experiencia, corregir errores y desviaciones, registrar la perdida de "sentido" de lo que se hace, etc.

Cuando pienso en mi grupo, pienso en un marco de trabajo que, con una coordinación centralizada, permite y motiva la confrontación con nosotros mismos. De esta manera la compañía o grupo no es una meta, un fin en si mismo, sino un lugar o continente que siempre se esta creando, un organismo vivo, que funciona como una palanca, un marco donde el trabajo encuentra su zona de fertilidad pues hay menos margen para la autocomplacencia, para dejarnos engañar por lo "novedoso" que en nosotros aparece, un lugar para descubrir lo que no se conoce.

Es el lugar de encuentro que se construye permanentemente, donde el trabajo que hacemos en sus diversas zonas y planos de organización diferenciados y al mismo tiempo complementarios, funcionan como una herramienta para abrirnos.

Pienso en el trabajo, entonces pienso en mi, no hay espacio fuera de lo que llamamos trabajo. Esto es la consecuencia del arte que desarrollamos : un enfrentamiento del actor consigo mismo. Hemos cambiado en el transcurso del tiempo, nuestras relaciones han cambiado en el transcurso del tiempo, vemos cosas de manera distinta y medimos con otras "propias" medidas.

Recuerdo ahora lo narrado por maestros y discípulos del ZEN en el arte de la espada, en la práctica de la esgrima, en el arte del tiro con arco, y lo transitado para llegar a la maestría. Estas narraciones en un tiempo ajenas, ahora golpean en mi ayudándome a reconocer la propia experiencia. Al comenzar la enseñanza contábamos con despreocupada naturalidad y teníamos confianza en nosotros mismos. Después comenzamos a conocer las posibilidades técnicas de estar parados en un espacio y aunque pronto fuimos capaces de centrar nuestra atención, generar impulsos que circulen de manera precisa, teníamos que admitir que nuestra situación era peor que antes, cuando obrábamos al azar, según la "inspiración" de momento. No vimos otro camino que el de la ejercitación incansable, estructuramos unidades de acción, generamos e incorporamos partituras, abordamos diferentes materiales. El trabajo centralizado por Diego, nuestro director y maestro, nos impulso a dejar de empeñarnos en el aprovechamiento conciente de nuestra técnica y encontrar la presencia del corazón.

Recuerdo una vez mas las preguntas de aquellos maestros y discípulos, ¿como no inhibir la libre movilidad en el obrar del corazón ?, ¿como se torna espiritual la destreza ?, ¿como se convierte el dominio soberano de la técnica en el arte magistral del actor ?.Esta búsqueda nos empezó a confrontar como sujetos, a mostrarnos lugares que debíamos dejar atrás. Desprendernos de la intensión de mostrar nuestros aciertos, desprendernos de la "importancia personal". No perdernos en la vana presunción, ni detenernos en lo que ya sabemos. Encontrar un estado de desprendimiento de nosotros mismos, adquirir un nuevo sentido, una nueva presencia de todos los sentidos. Dominar el arte de hurtar al cuerpo. En el mismo instante en que ve y presiente lo que esta por suceder, ya se ha sustraído a los efectos de la acción y esta golpeó en el actor que la ejecuta. La utilidad última de la acción es diferente del pretexto de esa acción. El arte sin artificio, la libre movilidad del "espíritu" buscada por aquellos guerreros. Confrontar lo que pugna por ser con lo que somos. Una inacabable búsqueda personal la confrontación de "nosotros", hacia el sujeto que somos.

(Fragmento de un texto de Andrea Ojeda, actriz de Periplo Compañía Teatral, elaborado para un trabajo interno)

Habitualmente en el intercambio con otros grupos y actores, aparecen una serie de preguntas relacionadas a la técnica. Estas alimentan nuestra discusión : ¿Que es la técnica ?, ¿cual es su sentido ? y ¿cuales son sus limites ?.

La técnica del actor es mucho mas que una manera de utilizar el cuerpo, los ojos, el sonido o una forma de caminar. La técnica es el sentido. El sentido es propio y personal. La técnica es personal. El actor debe crear continuamente la propia técnica, ya que el sentido es la lucha contra lo artificial en nosotros, contra todo aquello que nos aleja de lo que somos.


(Fragmento de un texto de Martín Ortiz, actor de Periplo Compañía Teatral, elaborado para un trabajo interno)

Ahora quiero referirme en forma sintética, a una cuestión que en párrafos anteriores solo mencioné y que me interesa aclarar al menos en forma general, aunque el tema podría ser objeto de otro artículo.


El trabajo que desarrollamos con el grupo comprende lo que podríamos llamar diferentes planos de organización, es decir que el trabajo del actor plantea planos o niveles de organización distintos. Estos niveles deben estar claramente diferenciados en quien los practica. De esta manera no es lo mismo hacer un ejercicio o una partitura de acciones, que ensayar a partir de un texto o hacer una presentación con público. Son todas cosas distintas con objetivos distintos y aunque complementarias exigen y plantean del ejecutante cosas distintas. Son como eslabones de una misma cadena. Cada eslabón debe ser atendido de manera particular.

LO QUE NO SE DICE
Sin duda alguna a todos nosotros realizar este trabajo nos cuesta mucho. Quizá por eso lo valoramos tanto. Lo que hicimos y hagamos es nuestro, legítimamente nuestro. Hay jornadas de trabajo donde pienso que nada es imposible. Esto nunca dura mucho.


Quizá por suerte, siempre aparece esa nueva traba, ese llanto del espíritu que nos muestra crudamente que el trabajo nunca acaba, como nunca acabamos nosotros, hasta acabar. Son esos los momentos, tal vez los mas importantes, donde intentamos no desviarnos ratificando nuestra confianza en la tarea realizada y por realizar. Confirmando la confianza en nosotros mismos. No nos resulta sencillo. Sin embargo lo vemos necesario para nuestro desarrollo. A medida que la tarea avanza esta nos presiona, como si tuviera vida propia. Y pensándolo la tiene, porque vive en nosotros.

Nos plantea la ineludible decisión diaria de continuarla o dejarla y esto es parte de la confrontación que provoca.

Notas
(1) Revista MÁSCARA No 11-12. Enero 1993 ( Editada por Escenologia) . Articulo : "Respuesta a Stanislavski". J. Grotowski. En este articulo, J. Grotowski se refiere, entre otras cosas, a la cuestión planteada. En un párrafo dice textualmente que "cuando se habla de espontaneidad y de precisión en la misma formulacion quedan aun dos conceptos contrapuestos que dividen injustamente". (Pag: 23)
(2) Revista MÁSCARA No 11-12. Enero 1993 (Editada por Escenologia). Articulo :"Oriente/Occidente". J. Grotowski. En este articulo se hace referencia a la diferencia entre " forma" e "Imagen de la forma", planteando que la "forma siempre es la utilidad. La imagen de la forma es su manera de ver la forma y entonces la imagen engaña. La forma no es la imagen de la forma. Las dos formas pueden ser similares en la imagen, pero la utilidad de ellas puede ser bien distintas". (Pag: 63)
(3). Historia del tiempo. S. Hawking. Edit. Grijalbo Mondanori. Al estilo de Hawking que definiendo lo que es un "suceso" en la pagina 47 de su libro, plantea que es "algo que ocurre en un punto particular del espacio y en un instante especifico del tiempo". Prácticamente utilizo la misma para detallar lo que es "un hecho espontaneo".
(4). Revista MÁSCARA Nro. 11-12. Enero 1993. ( Editada por Escenologia) Articulo : "De la compañía teatral al arte como vehículo". J. Grotowski. En esta cita plantea algunas observaciones ligadas al trabajo sobre el cuerpo. El problema de la obediencia del cuerpo se puede resolver por dos acercamientos distintos : domándolo, o desafiándolo. Cito algunos párrafos de este punto. (Pag: 13)
(5). Revista MÁSCARA Nro. 11-12. Enero 1993. ( Editada por Escenologia) Articulo : "El Performer". J. Grotowski. (Pag: 78)

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA :
ANATOMÍA DEL ACTOR. E. Barba- N. Savarese.
MAS ALLA DE LAS ISLAS FLOTANTES. E. Barba. Edit. Firpo y Dobal.
Revista MÁSCARA. Nro. 16. Año 1994. Numero dedicado a R. Cieslak.
HISTORIA DEL TIEMPO. S. Hawking. Edit. Grijalbo Mondanori.
MEYERHOLD : TEXTOS TEÓRICOS. Edición de J. A. Hormigón.
TESIS SOBRE STANISLAVSKI. R. Serrano. Edit Escenologia.

* Diego Cazabat tiene una amplia formación y capacitación teatral en Buenos Aires, Argentina. Director, actor y profesor de actuación. Director de Periplo, Compañía Teatral. Presidente de El Astrolabio Teatro (Centro de investigación teatral. Bs As, Argentina). Profesor del IUNA (Inst. Universitario Nacional del Arte). Profesor de la Escuela Municipal de Arte Dramático de la Ciudad de Buenos Aires, Argentina. Investigador en el área de las Artes Escénicas.

quinta-feira, 19 de março de 2009

LITERATURA INDÍGENA E O TÊNUE FIO ENTRE ESCRITA E ORALIDADE Por DANIEL MUNDURUKU




Literatura indígena e o tênue fio entre escrita e oralidade
Por Daniel Munduruku

A escrita é uma conquista recente para a maioria dos 230 povos indígenas que habitam nosso país desde tempos imemoriais. Detentores que são de um conhecimento ancestral aprendido pelos sons das palavras dos avôs e avós antigos estes povos sempre priorizaram a fala, a palavra, a oralidade como instrumento de transmissão da tradição obrigando as novas gerações a exercitarem a memória, guardiã das histórias vividas e criadas.

A memória é, pois, ao mesmo tempo passado e presente que se encontram para atualizar os repertórios e encontrar novos sentidos que se perpetuarão em novos rituais que abrigarão elementos novos num circular movimento repetido à exaustão ao longo de sua história.

Assim estes povos traziam consigo a memória ancestral. Essa harmônica tranqüilidade foi, no entanto, alcançada pelo braço forte dos invasores: caçadores de riquezas e de almas. Passaram por cima da memória e foram escrevendo no corpo dos vencidos uma história de dor e sofrimento. Muitos dos atingidos pela gana destruidora tiveram que ocultar-se sob outras identidades para serem confundidos com os dasvalidos da sorte e assim poderem sobreviver. Estes se tornaram sem-terras, sem-teto, sem-história, sem-humanidade. Estes tiveram que aceitar a dura realidade dos sem-memória, gente das cidades que precisa guardar nos livros seu medo do esquecimento.

Por outro lado – e graças ao sacrifício dos primeiros – outro grupo pode manter sua memória tradicional e continuar sua vida com mais segurança e garantia. Estes povos foram contatados um pouco mais tarde quando os invasores chegaram à Amazônia e tentaram conquista-la como já haviam feito em outras regiões. Tiveram menos sorte, mas também ali fizeram relativo estrago nas culturas locais e as tornaram dependentes dos vícios trazidos de outras terras. Foram enfraquecidos pela bebida, entorpecidos pela divindade cristã e envergonhados em sua dignidade e humanidade.

Estes povos – uns e outros – estão vivos. Suas memórias ancestrais ainda estão fortes, mas ainda têm de enfrentar uma realidade mais dura que de seus antepassados. Uma realidade que precisa ser entendida e enfrentada. Isso não se faz mais com um enfrentamento bélico, mas através do domínio da tecnologia que a cidade possui. Ela é tão fundamental para a sobrevivência física quanto para a manutenção da memória ancestral.

Claro está que se estes povos fizeram apenas a “tradução” da sociedade ocidental para seu repertório mítico, correrão o risco de ceder “ao canto da sereia” e abandonar a vida que tão gloriosamente lutaram para manter. É preciso interpretar. É preciso conhecer. É preciso se tornar conhecido. É preciso escrever – mesmo com tintas do sangue – a história que foi tantas vezes negada.

A escrita é uma técnica. É preciso dominar esta técnica com perfeição para poder utiliza-la a favor da gente indígena. Técnica não é negação do que se é. Ao contrário, é afirmação de competência. É demonstração de capacidade de transformar a memória em identidade, pois ela reafirma o Ser na medida em que precisa adentrar no universo mítico para dar-se a conhecer ao outro.

O papel da literatura indígena é, portanto, ser portadora da boa noticia do (re)encontro. Ela não destrói a memória na medida em que a reforça e acrescenta ao repertorio tradicional outros acontecimentos e fatos que atualizam o pensar ancestral.

Há um fio muito tênue entre oralidade e escrita, disso não se duvida. Alguns querem transformar este fio numa ruptura. Prefiro pensar numa complementação. Não se pode achar que a memória não se atualiza. É preciso notar que ela – a memória – está buscando dominar novas tecnologias para se manter viva. A escrita é uma dessas técnicas, mas há também o vídeo, o museu, os festivais, as apresentações culturais, a internet com suas variantes, o rádio e a TV. Ninguém duvida que cada uma delas é importante, mas poucos são capazes de perceber que é também uma forma contemporânea de a cultura ancestral se mostrar viva e fundamental para os dias atuais.

Pensar a Literatura Indígena é pensar no movimento que a memória faz para apreender as possibilidades de mover-se num tempo que a nega e que nega os povos que a afirmam. A escrita indígena é a afirmação da oralidade. Por isso atrevo-me a dizer como a poeta indígena Potiguara Graça Graúna:

Ao escrever,dou conta da minha ancestralidade;do caminho de volta,do meu lugar no mundo.

Diversidade e riqueza cultura
O Brasil é detentor de uma riqueza cultural muito expressiva quando falamos das populações indígenas. São reconhecidos atualmente 230 povos diferentes habitando todos os estados brasileiros com exceção do Piauí. São faladas 180 línguas e dialetos divididos em troncos, famílias e línguas isoladas.

Segundo o IBGE existem cerca de 750 mil indígenas por todo o Brasil e a situação de cada povo é peculiar com relação ao tempo de contato, situação fundiária, atendimento às necessidades básicas.

A Funai acredita que ainda haja entre 30 e 50 grupos indígenas considerados isolados do contato com a sociedade brasileira.

As principais dificuldades que enfrentam estão ligadas à terra, mas hoje há uma crescente demanda por cursos superiores e projetos de economia autosustentável.

A literatura indígena é um fenômeno relativamente recente, mas já é possível identificar vários autores com projeção nacional e internacional. Alguns livros já fazem parte de acervos de bibliotecas internacionais.

Alguns autores com destaque nacional e internacional:
Daniel Munduruku, Yaguarê Yamã, Olívio Jekupé, Kaká Werá Jekupé, Kanátyo Paraxó, Ailton Krenak.Para mais informações:
www.inbrapi.org.brwww.socioambiental.org.br
www.funai.gov.br
www.museudoindio.org.br
www.danielmunduruku.com.br
Em cima a fonte é Overmundo e em baixo é Global Editora

Daniel MundurukuNasceu em Belém, PA, filho do povo indígena Munduruku. Formado em Filosofia, com licenciatura em História e Psicologia, integrou o programa de pós-graduação em Antropologia Social na USP. Lecionou durante dez anos e atuou como educador social de rua pela Pastoral do Menor de São Paulo. Esteve em vários países da Europa, participando de conferências e ministrando oficinas culturais para crianças. Autor de Histórias de índio, coisas de índio e As serpentes que roubaram a noite, os dois últimos premiados com a menção de livro Altamente Recomendável pela FNLIJ. Seu livro Meu avô Apolinário foi escolhido pela Unesco para receber menção honrosa no Prêmio Literatura para Crianças e Jovens na Questão da Tolerância. Entre outras atividades, participa ativamente de palestras e seminários destacando o papel da cultura indígena na formação da sociedade brasileira. Pela Global Editora tem publicado as seguintes obras: Você lembra, pai?, Sabedoria das águas, Contos indígenas brasileiros, Parece que foi ontem e A primeira estrela que vejo é a estrela do meu desejo e outras histórias indígenas de amor.


terça-feira, 17 de março de 2009

PORTUGUÊS SEM PRECONCEITO - ENTREVISTA COM MARCOS BAGNO




Lingüística
Português sem preconceito



O professor de lingüística Marcos Bagno crítica a discriminação que grande parte da população brasileira sofre por não usar corretamente o idioma e mostra o que há por trás desse preconceito.




Erros de português não existem. O que há são variações lingüísticas, formas de falar que vão se constituindo de acordo com o uso das palavras, ao longo do tempo. Do mesmo modo, não podemos falar em erro comum ao empregarmos determinadas construções gramaticais que parecem soar em desacordo com as normas oficiais do idioma. Ora, se muitas pessoas cometem os mesmos erros, então não se trata de erro comum, e sim de acerto comum. Idéias polêmicas, difíceis de aceitar? Pois é assim que pensa Marcos Bagno , professor de lingüística da Universidade de Brasília (UnB), um dos mais ferrenhos críticos do preconceito amplamente difundido de que o brasileiro fala e escreve mal o próprio idioma. Essa visão atinge principalmente as camadas pobres da sociedade, por estarem distanciadas do padrão ensinado na escola. O preconceito lingüístico, porém, revela um outro preconceito: o social. “A língua, a maneira de falar, é apenas uma desculpa que as outras pessoas usam para discriminar, para excluir”, afirma Bagno. Mineiro de Cataguases, ele é autor de vários livros que desfazem mitos em torno do português falado e escrito no Brasil, como A Língua de Eulália (1997), Preconceito lingüístico – o que é, como se faz (1999), Português ou Brasileiro? (2002) e A norma oculta (2003). Marcos Bagno esteve em Aracaju no dia 26 de março para realizar a palestra “O preconceito lingüístico e o seu tratamento em sala de aula”. Em seguida, a entrevista que ele concedeu instantes antes de se dirigir à platéia que lotou o auditório do hotel Parque dos Coqueiros.




Por Paulo Lima




BN - A crítica ao preconceito lingüístico no Brasil está presente na maioria dos seus livros. Como surge o seu interesse por este assunto?
Marcos Bagno - Desde o início dos estudos lingüísticos a gente tem percebido que a linguagem pode ser usada como meio de discriminação social, de exclusão social. O meu interesse sempre foi descobrir quais são esses mecanismos que levam as pessoas a discriminarem outras por sua maneira de falar. Então, a idéia foi desde sempre tentar associar as questões lingüísticas com as questões sociais e descobrir quais são essas relações, fazer as pessoas se conscientizarem disso, de que existe esse preconceito, e encontrar maneira de combatê-lo.




BN - Esse tipo de preconceito é somente lingüístico?
MB - Na verdade, eu costumo dizer que o preconceito lingüístico não existe. O que existe de fato é o preconceito social. Então, a língua, a maneira de falar da pessoa é apenas uma desculpa que as outras pessoas usam para discriminar, para excluir. Então, o verdadeiro preconceito é social.




BN - O senhor também distingue o uso do português padrão do não padrão. O que significa um e outro?
MB - O português padrão é aquele modelo de língua idealizado que as pessoas aprendem na escola, que vem codificado nas gramáticas. E, como ninguém fala exatamente esse padrão, todas as formas que realmente existem na sociedade são consideras não padrão. Então, é um confronto que a gente faz entre o modelo de língua, uma língua idealizada, e a realidade dos brasileiros.




BN - Existe alguma superioridade lingüística de um padrão sobre o outro?
MB - Não, não existe. Concretamente, não. Do ponto de vista lingüístico, todas as maneiras de falar se equivalem, todas as formas de falar atendem as necessidades dos falantes. A superioridade é apenas uma construção cultural e social. As pessoas acham que uma determinada maneira de falar, por ser falada ou por ser empregada pelas classes privilegiadas da sociedade, é superior. Então, essa superioridade só existe do ponto de vista da hierarquia social. O modo de falar das pessoas que estão, digamos assim, no poder é que acaba se constituindo na forma mais prestigiada da sociedade. Mas do ponto de vista lingüístico todas as maneiras de falar se equivalem.




BN - Sabemos que no Brasil não falamos somente um único português, mas vários falares. Que fatores explicam o uso tão diferenciado que vemos nas diversas regiões?
MB - Olhe, isso ocorre em qualquer língua do mundo. Todas as línguas do mundo apresentam o que a gente chama de variação. Nenhuma língua é falada do mesmo modo em todo o lugar pelas pessoas. Até mesmo cada indivíduo na hora de usar a língua faz diferenças de uso, de acordo com o contexto, com a situação, com a familiaridade, com a pessoa com quem está interagindo. Então, a explicação para a variação lingüística é simplesmente esta: ela faz parte da natureza da própria linguagem. E, no caso do Brasil, as variedades que existem no país se explicam pela história de cada região, pela história das pessoas que falam essas variedades. Há vários fatores históricos, sociais e culturais que explicam essa diversidade.




BN - O que os professores podem fazer em sala de aula para lidar com o preconceito lingüístico?
MB - Antes de mais nada, eu acredito que os professores precisam se conscientizar da existência do preconceito lingüístico. Isso eles vão conseguir fazer se dedicando a um estudo mais sério, mais detalhado da questão da variação lingüística. Então é necessário que, antes de mais nada, eles tenham uma boa formação na parte que a gente chama de sociolingüística. A partir desse conhecimento, desses estudos é que eles vão poder traçar algumas estratégias para trabalhar com isso em sala de aula.




BN - E quais seriam essas estratégias?
MB - O reconhecimento da variação é importante, e o que o professor pode fazer é não se deixar levar pelas idéias preconcebidas que existem na sociedade. Então, reconhecer a importância da língua padrão, mas também reconhecer o direito que as pessoas têm de falar do jeito que falam, de usar as suas variedades locais, regionais e sociais. É uma questão de ter sensibilidade para lidar com isso. Não existem táticas muito concretas para isso.




BN - Os novos parâmetros curriculares nacionais têm contribuído para diminuir esse preconceito?
MB - De certa maneira, sim, porque eles tocam no assunto. A partir do momento em que o assunto é tratado, e as pessoas são obrigadas a refletir sobre isso, então eles realmente contribuem.




BN - Até que ponto métodos de ensino transplantados de outras realidades, como os baseados em Piaget, Montessori, Waldorf, Vigotsky, dentre outros, servem à realidade dos nossos alunos?
MB - Todos esses pensadores refletiram sobre a questão educacional e propuseram algumas estratégias. É claro que a gente nunca, em nenhum momento, adota uma teoria, uma filosofia educacional na íntegra. A gente sempre aproveita o que elas têm de melhor e faz uma adaptação para as realidades. Então, eles contribuem basicamente com a reflexão sobre os temas. É aquela velha história da teoria e a prática. A gente confronta a teoria com o que tem na realidade e vai fazendo as adaptações, as críticas da própria teoria. Você pode se apoderar de uma teoria educacional e, mesmo gostando muito dela, sentir que é obrigado a fazer algumas críticas, algumas reformulações. É assim que a ciência avança.




BN - Por que o brasileiro aparentemente tem tanta dificuldade em utilizar as regras do português padrão?
MB - Olhe, há várias coisas envolvidas aí. Primeiro, porque o português padrão está muito distante da realidade lingüística dos brasileiros. Mas a gente também não pode misturar as coisas. Existem questões aí que são relativas ao aprendizado da ortografia, ao aprendizado da língua escrita. Nós temos que separar essas coisas, aquilo que vem da variação lingüística e da mudança lingüística também, e aquele que diz respeito especificamente às regras de ortografia. Acho que a escola não tem se concentrado, do jeito que deveria, na prática da escrita, que é uma das principais funções da escola, que é levar as pessoas a escrever bem e também a saber ler. Mas tradicionalmente nosso ensino fica muito preso a regras, a decoreba de nomes, a separação silábica, a análise sintática. Então, a pessoa sai da escola sem saber o que é uma oração subordinada substantiva objetiva direta, apesar de passar 11 anos estudando isso, e também sai sem conseguir produzir um texto minimamente coeso e coerente. Então, tem a ver realmente com as práticas de ensino de língua que têm sido utilizadas na nossa tradição.




BN - Atingir os padrões da língua culta é então o que pode haver de melhor para o aluno, para quem fala e escreve o nosso idioma?
MB - Sem dúvida. É missão da escola levar os alunos a se apoderar das formas prestigiadas de falar e de escrever. Agora, isso tem que ser feito sem discriminar a fala original, sem fazer qualquer tipo de atitude preconceituosa com a variedade lingüística que o aluno já traz para a escola. Trata-se de acrescentar a bagagem cultural dele, aumentar o seu repertório lingüístico, e não de substituir uma forma considerada errada por uma forma supostamente certa. Como eu já tinha dito, todas as formas de falar são igualmente válidas, e a função da escola é apresentar para o aluno aquilo que ele não sabe, ou seja, as formas de prestígio, e essas se transmitem basicamente pela prática da leitura e da escrita.




BN - A defesa do uso correto do português virou uma febre, particularmente estimulada pelos meios de comunicação. Como o senhor vê essas propostas, especialmente a do professor Pasquale?
MB - Eu critico bastante porque essas pessoas que estão fazendo esse tipo de trabalho na mídia não estão integradas ao estudo efetivo, ao estudo científico da realidade lingüística no Brasil. Ao invés de se debruçar sobre a realidade do brasileiro, procurar compreender em que estado nós estamos hoje em termos lingüísticos, qual é a situação da língua portuguesa falada no Brasil, eles tentam transmitir uma língua padronizada extremamente formalizada e muito antiquada, até defendendo regras que os próprios gramáticos profissionais já reconhecem que estão obsoletas. Então, a minha grande crítica a eles é justamente essa, a falta de conhecimento mesmo, eles não têm conhecimento para falar o que falam, e a tentativa de impor formas muito obsoletas e antiquadas de língua.




BN - Um de seus argumentos é que, se o uso de determinada palavra considerada errada é falada persistentemente pela população, então não haveria erro. Poderia nos explicar?
MB - Essas pessoas que defendem um português padrão mais formalizado falam muito do erro comum. Dizem “ah, é erro comum no Brasil usar tal coisa”. Ora, se todo mundo usa, se é um uso que está sendo feito em todas as classes sociais, de Norte a Sul do país, então não é erro, é acerto comum. As pessoas estão percebendo que aquela forma lingüística já não atende às necessidades de comunicação e expressão delas e estão modificando essa forma lingüística, o que é natural em qualquer língua do mundo. As línguas passam por mudança. Então, não existe esse tal de erro comum, existe o acerto comum. Significa que as pessoas estão adotando formas novas de falar.




BN - O aprendizado de línguas estrangeiras em idade cada vez mais precoce tem sido muito seguido pela classe média no Brasil. O senhor acha que essa é de fato uma prioridade? É algo necessário?
MB - É importante. O conhecimento de línguas estrangeiras é importante, é interessante. Se a pessoa pode ter acesso a isso cedo, já na infância, é interessante, desde que não seja uma coisa forçada, obrigada. Os pais podem tentar conscientizar os filhos sobre a importância do domínio das línguas estrangeiras, mas não impor isso de maneira muito autoritária.




BN - Algumas projeções apontam que muitas línguas faladas hoje estarão extintas daqui a trezentos anos, incluindo o nosso português. Qual a veracidade dessas afirmações?
MB - A língua portuguesa pode se transformar, pode não, ela vai se transformar, como todas as línguas se transformam, mudam com o tempo, mas a gente só pode dizer que uma língua se extingue se os seus falantes se extinguirem. Então, se vier alguém e matar todos os brasileiros, a língua portuguesa vai deixar de ser falada no Brasil.




BN - Como o senhor analisa os projetos de regulamentação do uso de estrangeirismos na língua portuguesa, como o do deputado federal Aldo Rabelo?
MB - A questão dos estrangeirismos tem que ser vista sob duas perspectivas. Do ponto de vista lingüístico, da estrutura da língua, o uso de algumas palavras de origem estrangeira, basicamente inglesa, como é agora, isso não vai afetar a estrutura da língua portuguesa. Então a língua não está ameaçada por causa deste uso. Agora, do ponto de vista cultural e social é que as pessoas acham que essa presença muito grande das palavras de origem inglesa representa uma ameaça à identidade cultural do brasileiro, e que isso também representa a ponta de uma coisa muito maior que é a dominação cultural, a imposição de um modo de ver, uma visão de mundo que é a que vem dos Estados Unidos. E aí, sim, elas têm todo o direito de se rebelar.




BN - E quanto ao papel que a linguagem jornalística ocupa hoje na sociedade, como um padrão a ser seguido?
MB - Isso é uma coisa interessante na pesquisa lingüística que tem sido feita, de que maneira a língua usada nos jornais, nos meios de comunicação escritos, principalmente nos grandes jornais, nas grandes revistas, já constitui um certo padrão. Até pouco tempo atrás, as pessoas usavam como padrão muito a literatura. Mas a língua literária não pode servir de modelo, porque ela é muito experimental, o escritor tem que ter liberdade de usar o que quer. Então, não é a língua literária que tem de servir de padrão. O que as pessoas estão percebendo é que o padrão hoje se forma muito mais na escrita jornalística, na escrita acadêmica, nos textos científicos. Então, um padrão de língua escrita deve ser buscado aí.




BN - Alguns teóricos acreditam que a linguagem passa por um processo de encolhimento. Lemos textos cada vez menores nos jornais, os escritores usam menos palavras, e o e-mail passa a ser a mensagem. O senhor também vê esse fenômeno em andamento?
MB - Não sei se o encolhimento da linguagem. Talvez seja uma questão mesmo da pressa da vida cotidiana e do imediatismo dos meios de comunicação, que tentam ser rápidos e dar respostas rápidas. Então, há de fato um certo abandono da leitura mais profunda, mais reflexiva, do texto mais elaborado, mais trabalhado. A gente vê isso mesmo nos jornais. Nos jornais, pelo menos os jornais de São Paulo, do Rio, o espaço entre as linhas está cada vez maior, o texto está cada vez mais rarefeito, mais superficial. Isso é um problema porque não convida o leitor a refletir mais, a investigar um pouco mais o que está sendo escrito, o que está sendo tratado ali. Então, é uma questão de rarefação da linguagem por causa dessa pressa da vida cotidiana.




BN - De que forma as modernas teorias da sociolingüística podem contribuir para combater o preconceito lingüístico?
MB - Elas oferecem basicamente o que eu chamo da conscientização e a sensibilização na escola. Eu acho que a escola é o grande instrumento para modificar isso, porque assim como a escola, durante séculos, transmitiu a ideologia do certo e do errado, a partir de agora, com uma visão mais científica do ensino de línguas, a gente pode começar a desconstruir essa ideologia e pensar em coisas mais democráticas.




fonte Balaio de Notícias 53

segunda-feira, 16 de março de 2009

8 - PETA - Série Coletivos Libertários


Quando três pessoas não-convidadas invadiram a passarela de um desfile da Victoria's Secret, em Nova York, dez dias atrás, atraíram todos os olhares de uma platéia repleta de celebridades que incluía o empresário Donald Trump e a editora Tina Brown. Dava para imaginar o que elas estavam pensando: "Meu Deus, são aquelas pestes da Peta outra vez. Será que não desistem nunca?".

Peta é uma sigla para Pessoas pela Ética no Tratamento de Animais. Com façanhas como essa, ela já se transformou num dos movimentos de protesto mais eficazes no mundo. E também já fez muitos inimigos que o acusam de tudo, desde incentivo ao terrorismo até agir como seita.

Dirigida pela inglesa Ingrid Newkirk e com sede em Norfolk, Virginia (EUA), a organização conseguiu praticamente sozinha, com o trabalho que faz há vários anos, transformar o ato de usar uma roupa de pele num gesto de bravura. Qualquer pessoa do mundo da moda que tenha a menor ligação com o setor de pele vive sob a sombra do medo das bravatas da Peta. Quem duvida só precisa perguntar a Anna Wintour, editora da "Vogue" americana, que teve um guaxinim morto jogado em sua sopa num elegante restaurante de Nova York.

O toque original da Peta, fundada há 22 anos, sempre consistiu em chamar a atenção para sua causa com um misto de travessuras, atos que provocam tumulto e campanhas publicitárias que misturam humor e imagens chocantes. Não faz muito tempo, alguns de seus membros tiraram a roupa diante da Casa Branca e gritaram "prefiro andar nu a usar peles". O slogan virou um mantra da brigada que combate o uso de peles.

Newkirk, 52, calcula que já tenha sido presa quase 50 vezes por suas atividades. Uma vez ela mesma subiu numa passarela em Nova York e atirou cédulas de dinheiro ensanguentadas sobre a platéia. O gesto foi desagradável e provocou muitas reações contrárias. Mas foi precisamente essa a intenção.

A Peta, porém, não é um simples bando de agitadores que agem de improviso. Com cerca de 700 mil integrantes e orçamento anual superior a US$ 30 milhões -gerado com arrecadações de fundos, pagamento de taxas pelos integrantes e vendas de camisetas e produtos-, o escritório da organização em Norfolk ocupa quatro andares e emprega mais de cem funcionários (nenhum dos quais consome ou usa qualquer espécie de produto animal; nada de cintos de couro, nenhuma gota de leite no chá e nada de hambúrguer de carne no almoço).

A organização já é atuante no mundo inteiro. Tem escritórios em Londres, Roma e Bombaim. No mês passado, dois de seus integrantes tiraram a roupa num shopping de Pequim e cobriram sua genitália com faixas que diziam "compaixão é moda; peles estão mortas". Os casacos de pele que a Peta consegue tirar de seus donos são distribuídos entre pobres e sem-teto pelo mundo afora. Um carregamento de casacos de visom e arminho foi enviado recentemente ao Afeganistão.

A organização diz que está engajada na causa de proteger animais de todos os atos de exploração humana desnecessária. Ela aplica pressão implacável sobre as grandes cadeias de lanchonetes e conduz uma operação clandestina de espionagem na comunidade científica que realiza pesquisas com animais, visando a expor suas práticas de laboratório.

Célebre por cunhar frases de efeito, Newkirk, que nasceu no Reino Unido e passou sua infância na Índia, tendo se mudado para os Estados Unidos aos 18 anos, certa vez chegou ao ponto de comparar a criação comercial de frangos ao Holocausto. "Seis milhões de pessoas morreram em campos de concentração", ela disse numa entrevista. "Mas 6 bilhões de frangos morrem todos os anos abatidos em matadouros."

Com as cadeias de fast food, a Peta contabiliza alguns êxitos notáveis. Há dois anos, o grupo começou a entregar McLanches Infelizes" a transeuntes diante dos restaurantes McDonald's nos EUA. A versão criada pela Peta para o lanche incluía brinquedos de plástico recobertos de "sangue" e reproduções em cartolina do "filho de Ron", que, num contraste marcante com o personagem Ronald McDonald, um palhaço alegre, era mostrado usando camisa ensanguentada e brandindo uma faca idem.

O McDonald's cedeu à pressão e orientou seus fornecedores de frango a pôr fim à prática de decepar os bicos das aves ainda vivas e a dobrar o tamanho das gaiolas em que os frangos são criados. Pressionados pela Peta, tanto o McDonald's quanto o Burger King -ou "Murder King" (rei do assassinato), como diz o grupo- concordaram em fazer visitas aos matadouros dos quais saem as aves que utilizam em seus restaurantes, para garantir que sejam respeitados padrões mínimos de bem-estar dos animais.

Uma ameaça séria à Peta é um movimento que visa a tirar do grupo sua descrição de organização beneficente, que lhe garante isenção de impostos. A iniciativa é de adversários que afirmam que a Peta favorece o terrorismo doméstico. A alegação se deve em especial a um donativo de US$ 1.500 feito pelo grupo à extremista Frente de Libertação da Terra, acusada por uma série de atos de vandalismo que causaram prejuízos de milhões de dólares. A Peta está longe de ser uma Al Qaeda. Mas sua postura em relação a desobedecer a lei é menos definida. Hoje em dia, porém, ninguém nos EUA pode dar-se ao luxo de ter seu nome associado a terrorismo.

Fonte: Herbário (http://www.herbario.com.br/).

Link: Peta (http://www.peta.org/).