quinta-feira, 19 de março de 2009

LITERATURA INDÍGENA E O TÊNUE FIO ENTRE ESCRITA E ORALIDADE Por DANIEL MUNDURUKU




Literatura indígena e o tênue fio entre escrita e oralidade
Por Daniel Munduruku

A escrita é uma conquista recente para a maioria dos 230 povos indígenas que habitam nosso país desde tempos imemoriais. Detentores que são de um conhecimento ancestral aprendido pelos sons das palavras dos avôs e avós antigos estes povos sempre priorizaram a fala, a palavra, a oralidade como instrumento de transmissão da tradição obrigando as novas gerações a exercitarem a memória, guardiã das histórias vividas e criadas.

A memória é, pois, ao mesmo tempo passado e presente que se encontram para atualizar os repertórios e encontrar novos sentidos que se perpetuarão em novos rituais que abrigarão elementos novos num circular movimento repetido à exaustão ao longo de sua história.

Assim estes povos traziam consigo a memória ancestral. Essa harmônica tranqüilidade foi, no entanto, alcançada pelo braço forte dos invasores: caçadores de riquezas e de almas. Passaram por cima da memória e foram escrevendo no corpo dos vencidos uma história de dor e sofrimento. Muitos dos atingidos pela gana destruidora tiveram que ocultar-se sob outras identidades para serem confundidos com os dasvalidos da sorte e assim poderem sobreviver. Estes se tornaram sem-terras, sem-teto, sem-história, sem-humanidade. Estes tiveram que aceitar a dura realidade dos sem-memória, gente das cidades que precisa guardar nos livros seu medo do esquecimento.

Por outro lado – e graças ao sacrifício dos primeiros – outro grupo pode manter sua memória tradicional e continuar sua vida com mais segurança e garantia. Estes povos foram contatados um pouco mais tarde quando os invasores chegaram à Amazônia e tentaram conquista-la como já haviam feito em outras regiões. Tiveram menos sorte, mas também ali fizeram relativo estrago nas culturas locais e as tornaram dependentes dos vícios trazidos de outras terras. Foram enfraquecidos pela bebida, entorpecidos pela divindade cristã e envergonhados em sua dignidade e humanidade.

Estes povos – uns e outros – estão vivos. Suas memórias ancestrais ainda estão fortes, mas ainda têm de enfrentar uma realidade mais dura que de seus antepassados. Uma realidade que precisa ser entendida e enfrentada. Isso não se faz mais com um enfrentamento bélico, mas através do domínio da tecnologia que a cidade possui. Ela é tão fundamental para a sobrevivência física quanto para a manutenção da memória ancestral.

Claro está que se estes povos fizeram apenas a “tradução” da sociedade ocidental para seu repertório mítico, correrão o risco de ceder “ao canto da sereia” e abandonar a vida que tão gloriosamente lutaram para manter. É preciso interpretar. É preciso conhecer. É preciso se tornar conhecido. É preciso escrever – mesmo com tintas do sangue – a história que foi tantas vezes negada.

A escrita é uma técnica. É preciso dominar esta técnica com perfeição para poder utiliza-la a favor da gente indígena. Técnica não é negação do que se é. Ao contrário, é afirmação de competência. É demonstração de capacidade de transformar a memória em identidade, pois ela reafirma o Ser na medida em que precisa adentrar no universo mítico para dar-se a conhecer ao outro.

O papel da literatura indígena é, portanto, ser portadora da boa noticia do (re)encontro. Ela não destrói a memória na medida em que a reforça e acrescenta ao repertorio tradicional outros acontecimentos e fatos que atualizam o pensar ancestral.

Há um fio muito tênue entre oralidade e escrita, disso não se duvida. Alguns querem transformar este fio numa ruptura. Prefiro pensar numa complementação. Não se pode achar que a memória não se atualiza. É preciso notar que ela – a memória – está buscando dominar novas tecnologias para se manter viva. A escrita é uma dessas técnicas, mas há também o vídeo, o museu, os festivais, as apresentações culturais, a internet com suas variantes, o rádio e a TV. Ninguém duvida que cada uma delas é importante, mas poucos são capazes de perceber que é também uma forma contemporânea de a cultura ancestral se mostrar viva e fundamental para os dias atuais.

Pensar a Literatura Indígena é pensar no movimento que a memória faz para apreender as possibilidades de mover-se num tempo que a nega e que nega os povos que a afirmam. A escrita indígena é a afirmação da oralidade. Por isso atrevo-me a dizer como a poeta indígena Potiguara Graça Graúna:

Ao escrever,dou conta da minha ancestralidade;do caminho de volta,do meu lugar no mundo.

Diversidade e riqueza cultura
O Brasil é detentor de uma riqueza cultural muito expressiva quando falamos das populações indígenas. São reconhecidos atualmente 230 povos diferentes habitando todos os estados brasileiros com exceção do Piauí. São faladas 180 línguas e dialetos divididos em troncos, famílias e línguas isoladas.

Segundo o IBGE existem cerca de 750 mil indígenas por todo o Brasil e a situação de cada povo é peculiar com relação ao tempo de contato, situação fundiária, atendimento às necessidades básicas.

A Funai acredita que ainda haja entre 30 e 50 grupos indígenas considerados isolados do contato com a sociedade brasileira.

As principais dificuldades que enfrentam estão ligadas à terra, mas hoje há uma crescente demanda por cursos superiores e projetos de economia autosustentável.

A literatura indígena é um fenômeno relativamente recente, mas já é possível identificar vários autores com projeção nacional e internacional. Alguns livros já fazem parte de acervos de bibliotecas internacionais.

Alguns autores com destaque nacional e internacional:
Daniel Munduruku, Yaguarê Yamã, Olívio Jekupé, Kaká Werá Jekupé, Kanátyo Paraxó, Ailton Krenak.Para mais informações:
www.inbrapi.org.brwww.socioambiental.org.br
www.funai.gov.br
www.museudoindio.org.br
www.danielmunduruku.com.br
Em cima a fonte é Overmundo e em baixo é Global Editora

Daniel MundurukuNasceu em Belém, PA, filho do povo indígena Munduruku. Formado em Filosofia, com licenciatura em História e Psicologia, integrou o programa de pós-graduação em Antropologia Social na USP. Lecionou durante dez anos e atuou como educador social de rua pela Pastoral do Menor de São Paulo. Esteve em vários países da Europa, participando de conferências e ministrando oficinas culturais para crianças. Autor de Histórias de índio, coisas de índio e As serpentes que roubaram a noite, os dois últimos premiados com a menção de livro Altamente Recomendável pela FNLIJ. Seu livro Meu avô Apolinário foi escolhido pela Unesco para receber menção honrosa no Prêmio Literatura para Crianças e Jovens na Questão da Tolerância. Entre outras atividades, participa ativamente de palestras e seminários destacando o papel da cultura indígena na formação da sociedade brasileira. Pela Global Editora tem publicado as seguintes obras: Você lembra, pai?, Sabedoria das águas, Contos indígenas brasileiros, Parece que foi ontem e A primeira estrela que vejo é a estrela do meu desejo e outras histórias indígenas de amor.


2 comentários:

  1. BOM, EU SOU APENAS UM ESCRITOR E POETA DE LITERATUA INDÍGENA E MORO NA ALDEIA KRUKUTU.
    ESCREVO PORQUE RECEBI UMA MISSÃO DE NHANDERU, DEFENDER NOSSO POVO QUE SOFRE DE VARIAS FOEMAS, POR ISSO ACREDITO QUE PODEMOS NOS DEFENDER ESCREVENDO.
    ESCREVO LITERATURA INFANTIL PORQUE É O QUE A MAIORIA GOSTA, MAS GOSTO DE ESCREVER OS PROBLEMAS QUE ACONTECE NAS ALDEIAS , POIS DISCIRIMINAÇÃO, MASSACRES, ESTUPROS E OUTRAS COISAS MAIS.
    E A SOCIEDADE TEM QUE SABER.
    OLIVIO JEKUPE- ALDEIA KRUKUTU.
    TAMBÉM PODEM ME PROCURAR NO YOUTUBE
    www.oliviojekupe.blogspot.com
    NÃO DEIXEM DE ADIQUIRI MEUS LIVROS, QUE TENHO NAS EDITORAS
    EDITORA UEL, PEIROPOLIS, EVOLUIR, DCL.

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  2. Sou professora de Literatura, na PUCPR, e fiquei muito feliz de encontrar esse texto, pois nos faltam informações sobre essa literatura fascinante.

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