quinta-feira, 12 de março de 2009

PÚBLICO IDIOTA


PÚBLICO IDIOTA
Viajou sem Passaporte

Quando estúpidos entrevistadores perguntam ao artista qual a “mensagem” de sua “obra”, a armadilha está montada. Variando da mensagem de amor à mensagem política – inclusive opondo cegamente categorias – a armadilha abocanha a todos, entrevistadores, leitores e artistas, quando estes caem no jogo ginasiano e moralizante da “mensagem da obra de arte”.

Munido de uma “mensagem”, este ser superior – o artista – não apenas domina técnicas emprestadas aos deuses mas detém arrogantemente a pretensão de compreender o mundo.

Não conseguiremos jamais levar a sério esta curiosa manifestação da natureza humana a que chamam “arte”, ou seja, acreditar que a coisa artística é a própria realidade, como se não houvesse artista e meios, com técnicas e intenções.

Raramente se enfrenta a dura realidade de que, na realidade, a arte nada tem de “realidade”: é quase sempre uma grossa mentira, quando muito um inocente equívoco e nunca mais que uma articulação, consciente ou não, da realidade exterior a ela.

Pois bem,

não sabemos recitar, representar, cantar, desenhar, escrever, dançar

não sabemos ensinar lições angustiantes ou reconfortantes

nada faremos por ou para vocês: desistam

como não somos nada, jamais seremos o gordo passageiro que atrasa, com suas pesadas “mensagens políticas”, o carro da revolução

e a revolução não partirá do teatro municipal, assim como a grande greve de junho/julho passou quilômetros de distância dos teatrinhos de periferia
junto com a “mensagem” e a impressão de realidade”, jogamos no lixo a categoria “obra de arte”, já que ela tenta diferenciar seu objeto de um dentifrício, quando não passa de um dentifrício sofisticado


colocamos no lugar a denominação “trabalho de arte”, pois não criamos produtos para serem utilizados, obras: apenas trabalhamos e o trabalhar é o nosso produto
não construiremos coisas, empacotadas para viagem
não organizaremos o caos
nada esconderemos


não vamos enganá-los, agredí-los, resolver seus problemas, retratá-los, nos matar: nada faremos por ou para vocês

as dicotomias entre o racional e emocional, forma e conteúdo, nacional e importado, feio e belo, real e irreal – leve-as de volta para sua casa, seu trabalho, seu cotidiano; nada temos a ver com paralizar-se perante elas, muito menos com optar por uma ou outra face de moedas indivisíveis
e quando à discussão sobre o predomínio da forma ou do conteúdo, que excita desde velhas múmias acadêmicas até jovens toupeiras ao sol, temos firme posição: jogamos fora esta separação mecânica, este quase maniqueísmo


aqueles que procurarem desvendar nosso “conteúdo”, nossa mensagem para o mundo, que se virem (de costas): nos taxarão de loucos irrecuperáveis; e aqueles que procurarem aplicar emboloradas leis estéticas ao nosso trabalho se sentirão ridículos (que inventem outras)...

estaremos (e isto é um convite) constantemente no limite elétrico entre a liberdade e a restrição: a tradução do nosso trabalhar do limite elétrico entre a revolução e a barbárie, até que não haja mais barbárie, só a vida e o viver.

APÊNDICE (OU APENDICITE?)
Não existe processo cultural brasileiro: existiram pontos, isolados e higienicamente separados por longos hiatos e montanhas colossais de lixo cultural.


Os chamados artistas, os chamados intelectuais, a chamada crítica e o chamado público estão imersos na mais completa confusão, quando não na simples idiotia catatônica.

Não há correntes de opinião!

Não há propostas globalizantes!

Não debate, polarização!

Há sim uma variedade infinita de manifestações de ganância financeira travestidas de “saídas” para o “cinema brasileiro”, a “música brasileira”, o “teatro brasileiro”, cuja profundidade dura o tempo exato da temporada do filme, show, ou peça em questão. Auferida a bilheteria, enterra-se o debate...

Os artistas são tintureiros: fazem um velho par de calças parecer novo até que se observe com atenção – nos dizia Picabia no começo do século.

É preciso separar, criar uma fronteira nítida entre os trabalhadores-de-arte e os enlatadores de lixo (atenção: nacional ou importado); entre o trabalho-de-arte e o exercício de oportunismo financeiro (atenção: nacional ou importado): entre a transformação e a mumificação reacionária (atenção: nacional ou importada).

CHEGA DE MENTIRA E OPORTUNISMO!

Queremos apenas quebrar as paredes que envolvem as janelas!

VIAJOU SEM PASSAPORTE

Outubro de 78 – São Paulo
Fonte: Revista Cine Olho nº 5/6 jun/jul/ago 1979.

4 comentários:

  1. Muito bom esse texto, não conhecia! Valeu aí a quem postou! Esse blog tem coisas MUITO boas!! Tô destrinchando aqui! Valeu!!!

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  2. PARA DESTRINCHAR MELHOR SIGA ESTE LINQUE QUE LHE LEVARÁ AO ÍNDICE RÁPIDO, FÁCIL E RÁPIDO NA COMUNIDADE DOS INSURRETOS FURIOSOS DESGOVERNADOS :)
    http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=78271121&tid=5285949270651255693&start=1

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  3. IH! NÃO DEU PRA SER LINQUE. MAS CONTRALVCONTRALC RESOLVE;)

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  4. Sou um dos velhinhos do Viajou que, aos 21 anos, escreveu esse texto, em 1978. tentei fazer um verbete na burocrática wikipedia, deu uma confusão dos diabos, vejam a batalha em http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:P%C3%A1ginas_para_eliminar/Viajou_sem_passaporte
    é de chorar de rir, alguns achavam que as intervenções do viajou eram pegadinhas. eles quase se mataram na votação.

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